Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 03 de abril de 2010

À Procura de Eric

O longa até começa bem, explorando sua interessante premissa de uma maneira bem tranquila. Infelizmente, o filme se perde dentro de uma subtrama que acaba englobando toda a película.

Imaginem que, justamente no momento mais baixo de sua vida, apareça para te ajudar a figura idealizada da pessoa que você mais admira no mundo? Essa é a premissa inicial de “À Procura de Eric”, fita que coloca o jogador de futebol francês Eric Cantona como o amigo imaginário de Eric Bishop (Steve Evets) um pobre carteiro inglês, em uma espécie de “Calvin & Haroldo” da classe trabalhadora.

Para aqueles que não conhecem nada de futebol, Cantona é um ex-atacante que fez sua fama no time inglês do Manchester United, onde se transformou em um ídolo para a torcida nos anos 1990. Deixado de lado pelo técnico de sua seleção na copa de 1998, Cantona resolveu se aposentar em seu auge sendo, até hoje, lembrado pelos torcedores do time rubro inglês como um dos melhores jogadores a ter passado por lá.

Na história, Eric Bishop é um ser humano derrotado pela vida. Abandonado pela segunda esposa com dois adolescentes problemáticos para cuidar, estagnado em seu trabalho e incapaz de dirigir uma palavra para a sua primeira ex-mulher, Lily (Stephanie Bishop), por quem ainda é apaixonado. A única coisa que ele ainda tem na vida são seus amigos, todos, assim como ele, torcedores fanáticos do Manchester United.

Certa noite, após experimentar de uma certa erva que surrupiara de seu enteado, o carteiro começa a ter alucinações com seu ídolo, o seu xará Cantona. A partir daí, os dois Erics começam a trocar confidências, com o inglês proletário recebendo lições de vida do seu próprio ídolo através de metáforas futebolistas, principalmente sobre um miraculoso passe dado pelo jogador em determinada partida.

Se o filme fosse até aí, seria extraordinário. Evets e Cantona possuem uma bela dinâmica, gerando ótimas cenas. Enquanto o ator inglês imprime uma aura de cansaço permanente a seu personagem, algo condizente com sua condição de derrotado, Cantona se mostra bastante carismático, dando a melhor performace cênica por parte de um esportista que já vi nas telas.  A química entre os dois nas cenas em que dividem é clara e é o ponto alto do filme.

No entanto, o longa insiste em inserir uma subtrama policial, sobre o envolvimento do irritante enteado do carteiro, Ryan (Gerard Kearns), com um criminoso local. Aos poucos, esse plot começa a dominar o filme e acaba roubando um pouco do brilho da premissa inicial da fita.

A idéia de colocar um futebolista como guru invisível para um adulto, que compreende que a presença de seu ídolo ali está só na sua cabeça, é incrível, sendo triste que o texto de Paul Laverty se sabote desse modo. É uma pena que isso ocorra. Até a metade de seu segundo ato, o filme é bem despretensioso e divertido, gerando boas risadas, principalmente por conta dos amigos de Eric e suas tentativas de levantar o astral do colega combalido.

Ken Loach faz um bom trabalho na direção do filme, optando por um visual mais “sujo” para a película, que combina bem o ambiente proletário no qual a história se passa. Bom diretor de atores, o cineasta arranca boas interpretações de todo o elenco, reconhecendo a importância de cada um. Loach tenta imprimir ao longa um clima de realismo, evitando ao máximo tomadas mais complexas.

O único escorrego está em alguns momentos da fotografia do geralmente ótimo Barry Ackroyd, recentemente indicado ao Oscar por seu trabalho em “Guerra ao Terror”. Em alguns pontos da película, o cinematógrafo exagera no uso de sombras, tornando o filme demasiado escuro.

Se mantivesse um tom mais descompromissado, “À Procura de Eric” seria uma fita imperdível. No entanto, um segundo ato pesado demais acaba prejudicando muito o filme, fazendo até com que o final engraçadíssimo, com a inusitada “Operação Cantona” soe implausível para a situação na qual a família de Eric se envolve. Ainda assim, o filme vale a visita, principalmente se você for fã dos Reds de Manchester e de Cantona.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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