Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 27 de março de 2010

A Caixa

Quem está à procura de um suspense daqueles que prenda na cadeira a cada nova cena encontrará neste filme uma bela opção.

Uma feliz família de classe média americana. É nesse meio que a trama macabra de “A Caixa” se passa. A harmonia de um casal e seu filho é posta à prova quando uma visita inesperada acontece e um objeto misterioso lhes é entregue.  A partir de então, a ganância dessas pessoas é questionada, cabendo a eles escolher o seu próprio futuro. A pretensão desta história pode até parecer pequena, mas, à medida que os fatos avançam, o terror se instala e a expectativa capta o espectador. Conspirações, paranoias e sustos são apenas algumas das características exploradas pelo enredo, que, mesmo deixando inúmeros furos pelo caminho, cumpre com louvor a sua função de entreter o público.

O ano é 1976. A professora Norma Lewis (Cameron Diaz) e seu marido Arthur (James Marsden), um engenheiro da NASA, convivem harmoniosamente com seu filho em uma bela casa, daquelas típicas dos subúrbios norte-americanos, em uma pequena cidade do estado da Pensilvânia. A dificuldade financeira, porém, está incomodando-os cada vez mais nos últimos meses. Norma recebe uma difícil notícia da faculdade onde trabalha, assim como Arthur fica sabendo que não poderá realizar seu sonho de virar um astronauta e fazer parte da missão que explorará Marte. Tudo muda, no entanto, quando um estranho homem bate à sua porta e faz uma proposta tentadora.

Trata-se de Arlignton Steward (Frank Langella), um indivíduo que carrega uma enorme deformidade do lado esquerdo do rosto, mas que traz no seu jeito de se vestir e de se expressar uma confiança difícil de ignorar. À Norma, ele explica suas intenções e lhe apresenta uma caixa: caso queiram ganhar US$ 1 milhão, eles devem apertar o botão do artefato em 24 horas, matando subitamente, ao mesmo tempo, uma pessoa desconhecida em qualquer outro lugar do planeta; se decidirem não fazê-lo, nada os acontecerá, a não ser permanecerem sem dinheiro. O dilema em torno da decisão, então, acomete o casal, e uma escolha precipitada poderá tirar deles aquilo que pareciam mais prezar: a felicidade.

Dirigido e roteirizado por Richard Kelly, responsável pelo cultuado “Donnie Darko”, “A Caixa” é daqueles filmes que tem um início descompromissado, mas que acabam conquistando pela megalomania da continuidade de sua trama. A não ser pela excentricidade da figura de Steward, tudo parece bastante comum. Mãe, pai e filho vivem uma rotina simples, mas cercada por pequenos problemas que incomodam o bastante para que a proposta de um homem misterioso seja pensada criteriosamente. Uma escolha errada, então, revela a verdadeira essência do universo que habitam.

Personagens de fisionomia assustadora, de atitudes agressivas e malucas e que, eventualmente, aparecem com narizes sangrando passam a surgir pelo caminho dessa família. Construindo perfeitamente o ambiente para que o sobrenatural apareça, Richard Kelly surpreende a audiência e o prende à cadeira a cada novo diálogo e sequência do filme. A contextualização que o diretor realiza parece alongada demais, mas mostra-se, posteriormente, um acerto dos maiores para que uma certa complexidade aconteça, assim como para que a surpresa se apresente.

“A Caixa”, então, se transforma em um longa dos padrões de “Os Esquecidos” e “Prova Final”, mas acrescentando e multiplicando tensão a essa história. Com planos sequências inspirados, Kelly também desenvolve um filme imprevisível, que não se rende jamais ao padrão hollywoodiano de roteiros, especialmente em seu desfecho. Chega a ser irritante a insegurança e o medo que o cineasta faz seus protagonistas sentirem a cada nova cena. Não importa se estão em sua solitária casa ou uma festa abarrotada de gente, a figura de Steward sempre os aterroriza.

O diretor, no entanto, perde a chance de fazer um filme excelente ao tentar complicar demais esse enredo, inserindo elementos inexplicados mesmo ao fim do filme. Em uma comparação arriscada, a película vira uma espécie de “Lost” passada na zona urbana. São tantos segredos e tanta pretensão, que a sensação é de que, se o filme simplificasse sua história, seria bem mais eficiente. Como se não bastasse, ainda tentam incluir filosofia nos diálogos e ensinamentos ditos pelo personagem de Langella. Algumas sequências também são vergonhosas, como o ridículo papo entre Norma e Arthur sobre as luzes da árvore de natal de sua casa.

Tecnicamente o filme traz o que há de mais precioso. A fotografia de Steven B. Poster é simplesmente espetacular. Com poucas cores e apostando no estouro do branco, ele constrói a atmosfera perfeita para o rumo diabólico que a história segue. Passá-la durante o Natal e em uma cidade cercada por neve também contribui para que o suspense seja ainda maior. Outro setor que se destaca é a trilha sonora, composta por Win Butler, Régine Chassagne e Owen Pallett. No padrão de composições de filmes antigos, a música foge do lugar comum e completa a harmonia cênica que o longa atinge em suas cenas de ação e de terror psicológico.

As atuações são acima da média, mas guardam momentos de exageros. Cameron Diaz, por exemplo, tem dificuldade para entrar no tom certo em sequências de maior tensão. Deve ser o costume em fazer comédias românticas. James Marsden está melhor, interpretando um marido dedicado e sonhador que luta pelo retorno da vida de sua família ao normal. No entanto, quem domina a cena é Frank Langella. Dando a credibilidade exata que o seu personagem precisa ter, o ator assusta apenas com o tom de sua voz.

Depois de assistir “A Caixa”, a sensação é um pouco controversa. O que, pelo trailer, parecia ser um filme sem pé nem cabeça se demonstrou algo bem melhor. Por outro lado, o longa faz escolhas erradas que, se consertadas, poderiam transformá-lo num longa tão bem lembrado quanto “Donnie Darko”. Serve, definitivamente, como um belo entretenimento que mexe com o imaginário popular. Depois dele, você pensará inúmeras vezes antes de aceitar qualquer presente deixado na porta de sua casa.

Darlano Didimo
@rapadura

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