Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 20 de fevereiro de 2010

Educação

Em uma Londres beirando as efervescências culturais dos anos 60, o longa nos apresenta um conto moral vivido por uma personagem cativante, interpretada com maturidade pela estreante Carey Mulligan. A simplicidade não desmente o charme inegável do filme.

EducaçãoEm meados dos anos 50, um grupo de jovens intelectuais americanos, revoltados com as suas vidinhas suburbanas na América do pós-guerra, decide inventar a sua própria revolução cultural. Sedenta por mudança e liberdade, imersa em jazz, drogas e arte, surge a Geração Beat e a sua expressão literária. Foi a década de 90 que consolidou a literatura pop, principalmente nos EUA e no Reino Unido, mas os anos 80 já indicavam: a Geração Beat estava sendo redescoberta, a literatura pop caía no gosto do público e da crítica, para ser consumida em alta escala.

É impossível pensar nessa nova leva de autores beat sem citar o nome de Nick Hornby, o fenômeno editorial que teve dois romances transpostos para a tela, o sempre citado “Alta Fidelidade” (2000) e “Um Grande Garoto” (2002). Agora, ao invés de ter uma das suas obras roteirizadas, Hornby partiu da autobiografia da jornalista inglesa Lynn Barber, para roteirizar ele mesmo a história do filme “Educação”, sua melhor parceria com o cinema até o momento. Em um paralelo com os seus predecessores beat, o autor centra o filme em uma personagem de 16 anos, Jenny, que está presa a uma rotina fechada e reacionária, enquanto fantasia em jogar tudo para o alto e viver uma vida de revoluções culturais e descobertas entusiasmantes.

Mas Jenny vive na Inglaterra de 1961 e, por isso, ainda não sabe, mas os Beatles e o yeah-yeah-yeah estão logo ali adiante. A Swinging London ainda era apenas um burburinho, que, em poucos anos, explodiria junto com a mini-saia, as galerias de arte da moda, o consumismo, os nightclubs e a esperança de uma sociedade mais aberta.

Interpretada pela adorável Carey Mulligan, Jenny é uma espécie de Katie Holmes aprimorada, mais madura e menos dramática. Culta, ela fica em algum lugar entre o bom-mocismo e a rebeldia indignada. Aluna brilhante, dedicada à sua educação rigorosa e proletária, é a candidata ideal para uma vaga em Oxford, para a qual seu pai (vivido pelo sempre genial Alfred Molina) a empurra, sem fazer cerimônias. Mas na véspera das efervescências que os anos 60 trariam, a jovem prodígio, de personalidade forte, prefere sonhar ao som da cantora francesa Juliette Gréco, do que estudar latim. E a emancipação com a qual ela sonha não tarda em lhe bater à porta, com a chegada de David (Peter Sarsgaard).

Ele tem o dobro da idade dela e traz com os seus anos todos os encantos de um bon vivant experiente. Ela enxerga neste homem a porta para a independência. Ele a apresenta aos concertos e cafés mais chiques e ao glamour da arte intelectual. Jenny se apaixona (mais pelo estilo de vida do que pelo próprio pretendente). Ele a leva e ela se deixa levar, deslumbrada pela possibilidade de se encaixar aos moldes da cultura francesa, que ela preza com tanto romantismo.

Pensando nessa quebra dos padrões rígidos impostos pela sociedade, e no movimento pela liberdade cultural, que o filme toca (e que a Geração Beat teorizou, seguida depois por Nick Hornby), é curioso saber que a diretora Lone Scherfig é recém-saída do Dogma 95. De certa forma, a cineasta dinamarquesa fez o caminho contrário. Ela rompeu com um movimento cuja proposta é fazer um cinema não comercial, que conta com um certo anarquismo estrutural, para fazer um filme que segue padrões clássicos – e é muito bem sucedida, diga-se de passagem.

No entanto, é bom prevenir: “Educação” não é esse filme excepcional que a crítica e os festivais fazem acreditar. É um filme simples, manso, singelo até, o que não significa que não seja notável. Apesar do seu tema, a narrativa é muito mais clássica do que ousada, mas é exatamente esse classicismo que confere as nuances e a fineza do filme, despretensioso. “Educação” não é um exemplo gritante de originalidade, mas é de um charme contagiante.

Com fluidez e toques de humor elegante, distribuídos com exatidão inglesa nos diálogos, a história é um conto moral, mas não é moralista demais. Scherfig e Hornby se atêm à sofisticação e contextualização de uma época, sendo que não é o álcool que entorpece Jenny, mas as conversas inteligentes em um jazz-bar ou as luzes de Paris. O filme brinca com o título Educação porque, apesar de pincelar todo o tempo as questões envolvendo a importância da educação acadêmica de Jenny, a maior lição que ela aprende, quem ensina é a própria vida, ironicamente. A graça com que o filme nos apresenta o ritual de aprendizado dessa personagem (que terá sua maturidade transformada) seduz o espectador, e o filme com certeza ganhará a simpatia do público, talvez ainda mais do que a da crítica, enaltecido pela leveza do seu texto e o trabalho dos atores (esse sim, excepcional).

M. Martinez
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