Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Um Homem Sério

Apesar da ótima performance de Michael Stuhlbarg, o longa traz uma história rasa e que não se sustenta no decorrer da projeção.

Quando chega um determinado momento em “Um Homem Sério”, novo filme escrito e dirigido pelos irmãos Coen, começo a sentir pena do protagonista Larry Gopnik (Michael Stuhlbarg). Pode ser uma mistura de pena com irritação, pois ele aceita tudo o que acontece tão facilmente (e isso deve ser colocado na conta do ator, que faz uma excelente atuação). Em nenhum momento, o espectador consegue sentir empatia pelo professor de Física que vê a sua vida desmoronando a partir do momento em que a sua esposa decide deixá-lo. De imaginar que tudo isso começou com o fato do seu irmão estar morando em sua casa, desestabilizando completamente o lar. Entretanto, se fosse somente isso era bem possível que Larry conseguisse sobreviver. O problema é que a sua vida começou a sofrer mudanças inesperadas.

O longa trata destes problemas. Ambientado na década de 60, ele narra a vida de Larry e o seu esforço para manter a sua família, ou para se manter. Com dois filhos adolescentes, que estão em uma fase de descobertas e de novas experiências, além de ter que se preparar para um divórcio doloroso, ele ainda precisa se preocupar com os problemas mentais sofridos pelo seu irmão.

E tudo isso é contado tendo a religião judaica como pano de fundo, apenas para mostrar as ideologias e os princípios dos seus personagens, definindo as suas ações e os seus atos. Larry, como ele próprio diz, queria ser apenas um homem que pudesse cuidar bem da família, dar uma boa educação para os filhos e ser um bom marido. Mas isso foi querer demais (e nem sempre o “querer” é “poder”).

As comédias de humor-negro dos irmãos Coen sempre buscam personagens complexos. Na realidade, toda a filmografia deles é baseada neste quesito ou na ambientação da trama no centro-oeste americano (região onde eles cresceram). Em “Fargo“, perceba as reviravoltas que a trama tem com as ações de Jerry, sendo o protagonista e o antagonista da história.

O mesmo aconteceu depois com “E aí, Meu Irmão, Cadê Você?“, “O Amor Custa Caro” e “Queime Depois de Ler”. Nem sempre eles conseguem obter êxito neste quesito, mas são filmes que possuem a marca registrada dos irmãos Coen, seja pela narrativa, seja pelo jeito de filmar e, mais ainda, pelo roteiro, os sotaques e pela construção da complexidade dos personagens. Mais do que narrar histórias que possam causar inquietação, como foi o caso em “Onde os Fracos Não Têm Vez“, Joel e Ethan procuram personas que possam deixar um efeito em seu espectador.

É exatamente o que eles alcançam com Larry Gopnik. Passando pelo divórcio, sendo judeu e tentando entender o que estava acontecendo com a sua vida, ele começa a pedir conselhos para diferentes rabinos. Em cada um, ele ouve uma história diferente. Talvez ensinamentos, mas que nunca conseguem lhe ajudar. Após isso, ele passa a ter pesadelos que parecem com a realidade em que ele está inserido, além de perceber que o seu dinheiro não está dando mais para continuar vivendo daquela forma. E todo o humor surge, de verdade, com as reviravoltas absurdas que os irmãos Coen vão inserindo no seu filme.

A fotografia de Roger Deakins, que também trabalhou com eles no filme “Onde os Fracos Não Têm Vez“, atinge bons momentos em algumas cenas. Não apenas pela iluminação e estilo sessentista, mas por características estéticas que se tornaram autorais dos Coen. Ainda assim, “Um Homem Sério” peca por não conseguir se segurar exatamente nos dramas enfrentados por Jerry, e também pelas situações cômicas que o roteiro acaba o colocando, juntamente com toda a sua família. O filme se torna cansativo em um determinado momento, faltando um sentimentalismo capaz de mover todas estas ações.

A verdade é que o longa é uma obra regular, mas que não contagia o seu espectador. Ele não provoca grandes reviravoltas, se mantendo linear durante o todo o tempo. Isso talvez possa deixar o espectador desconfortável, por perceber que a narrativa (apesar de tentar mudar e moldando o filme com o tempo), simplesmente não sai do lugar e se torna repetitiva.

Por outro lado, é de se aplaudir a belíssima atuação de Michael Stuhlbarg. Criando um personagem cujas complexidades vão aparecendo conforme o passar da projeção, ele consegue expor as suas dúvidas e a sua tristeza de maneira simples, sem apelar para uma atuação que alcance pontos de muita dramaticidade. Ao contrário da narrativa, ele não se mostra uma pessoa exatamente linear.

Quanto mais o filme passa, mais vemos a maneira insuportável com que ele não consegue suportar tudo o que estava acontecendo. Isso pode ser percebido pelas vezes que ele chega em sua sala para trabalhar. Se no primeiro momento ele cumprimentava a sua secretária, com o tempo ele passa a entrar e não querer atender nenhuma ligação, perdendo a calma que tinha antes.

Os irmãos Coen são excelentes diretores e roteiristas. Na realidade, eles são provocadores. Como em qualquer obra deles, até hoje, poucas são as que apresentam um final “fechado”. E esta não poderia ser diferente: apresentando um encerramento que coloca em dúvida o que poderia ter acontecido depois, os dois deixam o espectador curioso e pensativo sobre o que se vê na tela antes de subir os créditos. Mesmo assim, este não é um dos grandes filmes dos Coen capaz de nos fazer entrar em grandes discussões acerca daquilo que foi mostrado.

Pelo contrário, ainda contando com personagens complexos e boas cenas, “Um Homem Sério” parece apresentar uma história relativamente rasa, que não consegue se sustentar durante todo o tempo da projeção. Tirando os problemas, o filme apresenta marcas registradas dos irmãos Coen: direção cuidadosa, tiradas sarcásticas e irônicas e um humor refinado e sutil. Este é o cinema dos Coen, ainda que irregular.

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