Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 13 de fevereiro de 2010

O Lobisomem

"O Lobisomem" sofre de um grave problema de dupla personalidade, querendo ser sério e gore ao mesmo tempo. O irônico é que o filme escorrega justamente quando exagera na psicanálise...

Todos nós temos carinho pelos monstros clássicos do cinema, que fazem parte do imaginário popular. Falo de seres como a criatura de Frankenstein, múmias, vampiros, e, é claro, os lobisomens. No entanto, esses dois últimos vêm sendo tratados de uma maneira deveras leve na cultura pop hoje em dia, graças a uma determinada franquia a qual não ouso dizer o nome. Por isso fiquei ansioso para conferir o que iria sair da muito anunciada versão mais adulta de “O Lobisomem”.

No entanto, o projeto passou por vários problemas que acabaram por prejudicar demais o produto final, principalmente considerando as refilmagens e edições sofridas pelo filme em cima da hora. Comandada por Joe Johnston, a película se passa na Inglaterra do século XVIII e nos narra a estranha história de Lawrence Talbot (Benicio Del Toro), um ator que vem dos EUA para sua terra natal inglesa em busca de seu irmão, que desapareceu.

Recebido por seu distante pai, o experiente caçador Sir John Talbot (Anthony Hopkins), Lawrence descobre que seu irmão fora encontrado morto de maneira brutal e, a pedido da ex-noiva deste, a bela Gwen Conliffe (Emily Blunt), ele acaba se envolvendo na investigação do assassinato. No entanto, Talbot acaba encontrando com uma terrível fera e se torna vítima de uma maldição ancestral que irá mudar sua vida para sempre.

O grande problema de “O Lobisomem”, é que o filme simplesmente não consegue assumir um padrão definido para a condução de sua narrativa. A despeito de seu começo mais gótico, em determinadas passagens, o longa assume um tom mais aventuresco e em outras uma levada mais gore, para depois investir em um drama psicológico.

Em meio a este “samba do lobo doido”, o elenco faz o que pode para tentar criar uma conexão junto ao público, algo que se torna muito difícil, justamente por conta dos problemas sofridos pelo filme, descritos anteriormente. Compadecemos-nos da maldição sofrida por Lawrence e até sofremos junto com ele em sua dolorosa mutação e nos apiedamos de seu passado traumático, mas jamais acreditamos no romance entre ele e Gwen, algo fatal para o projeto, já que o peso dos dois atos finais da trama depende disso.

Não é que falte talento para os atores ou química entre Benicio Del Toro e Emily Blunt, mas é que o desenvolvimento do romance foi extremamente atropelado. Del Toro nos mostra o sofrimento pelo qual seu personagem passou e suas cicatrizes emocionais, sendo o protagonista certo para a fita, enquanto Blunt convence como a mocinha sofrida e rainha do grito, mas não conseguimos crer na força do relacionamento que surge entre os dois para que um quisesse tão desesperadamente proteger o outro.

Anthony Hopkins, por sua vez surge muito afetado em cena, em um overacting ridiculamente forçado, mais propício aos palcos do que a um set de cinema. A relação edipiana entre Sir John e Lawrence, tratada sem delicadeza ou sutileza, também é empurrada às goelas do público, não possuindo nenhum peso dramático, prejudicando gravemente a dinâmica entre Hopkins e Del Toro, que deveria ser o outro pilar de sustentação da fita, fazendo com que o filme atinja o fundo do poço quando investe nessa psicobobagem de botequim.

Quem também não é bem explorado pelo filme é o talentoso Hugo Weaving, cujo inspetor Abberline nos parece mais um policial incompetente do que qualquer outra coisa, entrando em cena com uma ideia preconstituida sobre os crimes que irá investigar, sendo que, segundo o que o público e diversas testemunhas acabaram de presenciar e a própria linha narrativa apresentada, a hipótese formulada pelo inspetor não faz o menor sentido.

Pouco exigido pelo roteiro, Weaving vê seu personagem se tornando apenas um antagonista genérico para os Talbot, sem jamais despertar um interesse genuíno junto à audiência. Já a participação da sempre interessante veterana Geraldine Chaplin como uma cigana não passa de uma mera ponta, com o filme desperdiçando um dos rostos e vozes mais marcantes no mundo da atuação com apenas poucas falas.

O longa só consegue realmente entreter o público com as cenas de violência forte, o famoso gore. Nos ataques dos lobisomens, temos membros e órgãos humanos voando para todos os lados, em sequências perturbadoramente divertidas. No entanto, essas passagens são relativamente curtas e só servem para acordar a audiência após minutos de personagens mal aproveitados e diálogos corridos e aborrecidos.

O visual do filme colabora nesse sangrento ponto forte, sendo este o destaque na maioria dos longas dirigidos por Joe Johnston. Com a Inglaterra retratada de um modo acertadamente sombrio pela cinematografia de Shelly Johnson, temos cenários e sets bem construídos e interessantes, completados por bons efeitos visuais nas aparições dos lobisomens. Estes se apresentam de maneira monstruosa e assustadora, com um desenho bem clássico e as transformações dos atores nas criaturas são tensas e bem feitas.

O fato é que por mais potencial que “O Lobisomem” poderia ter, os diversos problemas e intervenções tornaram a película uma colcha de retalhos mal montada. Realmente acredito que o roteiro escrito pelos conceituados David Self (“Estrada Para Perdição”) e Andrew Kevin Walker (“Seven – Os Sete Crimes Capitais”) era algo promissor. Não dá nem mesmo para culpar Johnston pelo rumo medíocre tomado por este projeto, que fora destroçado por uma força mais poderosa que qualquer monstro: os produtores. Decepcionante.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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