Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 30 de janeiro de 2010

O Fim da Escuridão

Relações pouco desenvolvidas e uma direção falha transformam o filme no mais vivo exemplo de um roteiro que poderia ter dado certo.

O novo longa do diretor Martin Campbell possui um argumento interessante e potencialmente polêmico: a produção de armas nucleares dentro do território norte-americano e o envolvimento das mais altas figuras públicas. Inserir um drama familiar na narrativa seria uma opção inteligente do roteirista e, desde que bem realizado, o filme seria facilmente colocado na lista de melhores suspenses da década. O que assistimos, porém, é uma má adaptação para a tela, e um resultado final que provavelmente não passará de uma conformada exibição nas tardes da TV aberta.

O filme acompanha o processo investigativo do detetive policial Thomas Craven (Mel Gibson), na tentativa de descobrir os motivos que levaram ao assassinato de sua filha Emma (Bojana Novakovic), ativista social e estagiária de uma poderosa empresa de pesquisas científicas. Inicialmente confiante de que o verdadeiro alvo dos disparos seria ele próprio, o detetive desvenda uma rede de corrupção que envolve pessoas mais poderosas do que ele poderia supor.

O roteiro de “O Fim da Escuridão” mescla duas temáticas diferentes e abre espaço para a questão política e os dramas familiares. São duas vertentes comuns ao cinema, e a junção de seus elementos geralmente produz bons resultados. Foi assim com “Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento”, com Julia Roberts dividindo seu tempo entre a investigação do uso de substâncias ilícitas por parte de uma grande corporação e a educação de seus três filhos sem pai.

Ao contrário do filme de Steven Soderbergh, que rendeu o Oscar de melhor atriz à Roberts em 2000, “O Fim da Escuridão” não consegue construir uma inclusão satisfatória entre os dois pólos, e as relações familiares acabam caindo no elementar. Os laços afetivos que unem pai e filha são pouco desenvolvidos e o luto de Gibson pela morte da garota é quase inexistente. Percebendo que a frágil representação familiar não seria suficiente para emocionar o espectador, o filme apela para recordações que aparecem entre os momentos de tensão, e cede espaço para vozes inexplicáveis e espectros surreais. O plano B definitivamente não funciona.

A direção de Campbell é incipiente e parece um pouco perdido ao filmar um roteiro sem perseguições quilométricas e cenas de ação mirabolantes, como havia feito em “007 – Cassino Royale” e “A Máscara do Zorro”. Alguns planos beiram o amadorismo e nada muito original está presente no longa. Nas sequências mais dinâmicas, seu trabalho pode ser visto de maneira mais autoral, e os ápices das cenas de ação são interessantes.

Na maioria das sequências, a trilha sonora do filme parece mais adequada às aventuras épicas da franquia “Indiana Jones” do que ao suspense político desenvolvido por Campbell. A música não acompanha a discrição que uma investigação exige e sempre foge da ideia de mero acompanhamento sonoro, se tornando um elemento extravagante.

Mel Gibson, ator habituado aos trabalhos que exigem atuações dramáticas e dinâmicas, já demonstra claros sinais de cansaço e sua interpretação não exibe o mesmo viço demonstrado em “O Patriota” e “Mad Max”. Nas cenas de maior carga dramática, o astro é um tanto inexpressivo, o que acaba comprometendo ainda mais a construção da relação pai e filha. Para os que assistiram “O Fim da Escuridão”, apostar que o futuro de Gibson está atrás das câmeras é uma opção clara.

Tantos defeitos não são suficientes para colocar o filme no rol dos piores lançamentos do início do ano, mas tampouco conseguem colocá-lo na lista dos memoráveis. Uma construção mais elaborada das relações interpessoais e uma direção original seriam suficientes para classificá-lo como um entretenimento relevante.

Jader Santana
@

Compartilhe

Saiba mais sobre