Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 30 de janeiro de 2010

Nine

Apesar do belo visual, o musical de Rob Marshall não agrada.

Federico Fellini, um dos maiores cineastas italianos ao lado de Michelangelo Antonioni, disse que grande parte daquilo que se vê em “8 1/2 (1963) pode ser considerado como autobiográfico. Um filme cuja trama girava em torno de um cineasta, interpretado com maestria por Marcello Mastroianni, que demonstrava um certo esgotamento no seu estilo de vida e passava por uma crise criativa, fez também com que Fellini dissesse que grande parte das cenas foram concebidas por meio de sonhos que ele teve.

Com isso, chega-se em “Nine”, novo filme do diretor Rob Marshall (“Chicago”), e que tenta fazer uma releitura deste clássico de Fellini, sendo o roteiro primeiramente escrito por Anthony Manghella (que morreu no ano passado) e Michael Tolkin. Contando com um elenco de super atores, Marshall queria repetir o mesmo sucesso que alcançou com “Chicago” e que lhe faltou com o seu filme posterior, “Memórias de uma Gueixa”. Desde 2005 sem filmar, ele retornou ao gênero musical com o intuito de trazer uma versão contemporânea para “8 1/2″, mas a realidade é que ele não deveria mesmo ter feito isso.

As comparações entre os dois filmes acabam sendo quase que inevitáveis. Por um lado, é bem possível que Rob Marshall tenha feito este musical porque também estava passando por uma fase criativa difícil. De qualquer maneira, ele apresenta ao seu espectador Guido Contini (Daniel Day-Lewis), um cineasta que anda cansado mentalmente da sua vida cotidiana, com tantas pessoas querendo opinar sobre o seu novo filme e cobrando o roteiro que ele ainda não escreveu.

Os nomes dos personagens, aliás, foram preservados. Em “Nine”, ficou o sobrenome Contini. Enquanto que em “8 1/2″, Marcello Mastroianni interpretou Guido Anselmi. Meros detalhes que não influenciam na narrativa, mas que merecem ser registrados. Para tentar retomar o seu ritmo de produção, Guido tenta se inspirar nas mulheres (também símbolos do cinema italiano e da filmografia de Fellini). Assim tem a esposa Luisa Contini (Marion Cotillard), a amante Carla (Penelope Cruz), a musa Claudia (Nicole Kidman), a consultora e figurinista Lilli (Judi Dench) e a mãe (Sophia Loren).

Todas elas se apresentam em momentos importantes na vida de Guido, mas nenhuma das atrizes consegue obter um resultado satisfatório. O que acaba acontecendo é que os personagens se tornam rasos demais. Talvez tenha faltado mais tempo para criar uma relação entre elas e Guido ou, decerto, talvez este nunca tenha sido o foco. A exceção fica por conta de Marion Cotillard, que desempenha um excelente trabalho.

Aliás, Cottilard e Day-Lewis salvam o filme de um desastre que poderia ser muito maior. Mesmo com o sotaque italiano forçado, o vencedor do Oscar de Melhor Ator de 2008 consegue impressionar e contagiar quem está assistindo, principalmente porque ele passa empatia interpretando um cineasta à beira de um ataque de nervos e que tenta recorrer a qualquer ajuda necessária para conseguir realizar o seu filme. Enquanto isso, Cotillard invoca Luisa e a transforma em uma mulher complexa que, mesmo sabendo dos relacionamentos extra-conjugais do marido, continua amando-o e acreditando nas suas possibilidades criativas de realizar um novo filme.

No meio disso tudo e de todo esse drama, surgem as notas musicais, nas quais se concentra também o maior erro de Rob Marshall. As músicas que são cantadas e encenadas nada têm a ver com as histórias narradas. Ao contrário de filmes como “Moulin Rouge – Amor em Vermelho” e até mesmo “Chicago”, onde as notas musicais estavam presentes na narrativa do filme, e em “Nine” isso não acontece. Tudo se passa em um outro cenário – que é o estúdio onde Guido filmaria o seu filme – e a edição acaba picotando as músicas com o que estava sendo feito em cena.

Assim, tanto os diálogos quanto as próprias letras das canções acabam não surtindo efeito em determinados momentos. Em outros, há uma harmonia interessante entre o que é cantado e, principalmente, o que é mostrado. Isso acontece quando Fergie canta “Be Italian”, em uma das melhores cenas do filme, com uma linda coreografia e também um bom estilo de direção realizado por Rob Marshall, que trabalha durante a obra de maneira muito burocrática ao não conseguir retratar (ou simplesmente mesclar) os artifícios da obra.

Por outro lado, pode existir uma explicação plausível para este tipo de montagem e que talvez alguns outros possam ter compreendido dessa forma. Como Fellini afirmou quando fez “8 1/2″, boa parte das cenas surgiram de sonhos que ele teve, ou seja, é bem possível que Rob Marshall tenha levado esta afirmação à sério e feito com que o seu Guido Contini imaginasse as sequências que possuem músicas, sendo elas completamente encenadas de maneira afastada das tramas que aconteciam. Ainda assim, este tipo de montagem que fora empregado na narrativa tira qualquer tipo de naturalidade que o filme poderia alcançar.

Poucos são os momentos em que “Nine” consegue empolgar. Aliás, o papel de Claudia dado a Nicole Kidman, sendo no original interpretado por Claudia Cardinale, surge como mais um erro, pois ela não consegue dar nenhuma expressão, passando completamente despercebida aos olhos de quem está assistindo. O mesmo acontece com Kate Hudson, em uma aparição sem objetivo algum.

Além disso, “Nine” é um musical com músicas extremamente ruins. São poucas as que conseguem sobressair. “Be Italian” é a melhor música do filme, seguida de “Take It All”, que conta com uma excelente interpretação da atriz Marion Cotillard. Rob Marshall tenta fazer um bom filme, essa é a verdade. De certa maneira, ele faz uma homenagem à obra de Fellini ao trazer também cenas em preto e branco (“8 1/2″, além de ganhar o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, também levou a estatueta de Melhor Figurino P&B) e, acima de tudo, mostra a importância que o cinema italiano tinha na década de 60. Guido Contini, por exemplo, é tratado como uma estrela e todos aguardavam ansiosos pela estreia do seu novo filme. A imprensa acompanhava de perto todos os seus passos, em busca de novidades. Tudo é bem personificado por Rob Marshall, que realiza, no final, uma obra bastante irregular a partir de uma montagem que surge de maneira não-convencional, mas que não consegue agradar.

Por conta da experiência que Marshall tem em espetáculos da Broadway, “Nine” é encantador apenas pelo seu aspecto visual. As cenas das canções são bem coreografadas e causam um efeito avassalador em quem assiste. Mas isso é muito pouco em meio a um elenco como este, com uma história capaz de tomar rumos tão distintos quanto o próprio filme de Fellini. O maior problema é que o diretor de “Chicago” tentou se prender ao “básico” e acabou fazendo uma obra extremamente superficial.

Daniel Day-Lewis e Marion Cotillard comprovam a riqueza dramática que possuem como técnica de interpretação, capazes de atingir o seu público com qualquer personagem que estejam interpretando. “Nine” vale pela maneira divertida de Guido, mas registra limites por contar de maneira muito rápida uma história que tinha tudo para dar certo.

Rob Marshall continua sendo um diretor superestimado, principalmente porque ele se contenta com o superficial acreditando que o público poderá se contentar apenas com isso quando, na realidade, ele tem se tornado cada vez mais exigente.

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