Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 24 de janeiro de 2010

Amor sem Escalas

Vendido errado, o filme não é uma comédia, não é um romance e nem uma comédia-romântica. É um drama maduro e carregado de humor negro light.

2009 foi o cenário para grandes feitos no cinema. Grandes diretores puderam finalmente apresentar suas obras-primas. Tarantino lançou “Bastardos Inglórios”, Kathryn Bigelow trouxe “Guerra ao Terror”, Spike Jonze assinou “Onde Vivem os Monstros”, Jason Reitman estreou este “Amor Sem Escalas”, e por aí vai. Reitman conseguiu apresentar em melhor forma, tudo aquilo que vinha trabalhando todos esses anos.

Talvez o diretor goste de trabalhar em seus filmes com as diversas formas de maturidade. Se em “Juno” ele dirigiu o grande roteiro de Diablo Cody interpretado de forma magistral por Ellen Page, aqui ele dá o seu próprio tom de sarcasmo, analisando o amadurecimento de forma menos colorida e menos divertida, mas não menos genial. Somos apresentados a um drama leve e com uma boa dose de lições.

Na trama, Ryan Bingham (George Clooney) trabalha em uma empresa especializada em demitir pessoal corporativo e tem seu emprego pautado em viagens, onde em uma dessas ele conhece Alex Goran (Vera Farmiga), que também viaja frequentemente. Contudo, as estruturas de sua profissão mudam quando a jovem Natalie Keener (Anna Kendrick) adentra em sua empresa propondo um projeto que evita os altos custos das viagens. Ryan tenta de todas as maneiras impedir que isso aconteça e durante esse processo ele se aproximará muito de Natalie, além de reencontrar Alex.

O roteiro assinado por Jason Reitman e Sheldon Turner é, de longe, o maior trunfo do filme. Lembra o humor dos irmãos Cohen, mas é mais light, assemelha-se demais em sua estrutura com “Distante Nós Vamos”, de Sam Mendes, mas ainda consegue ser original. Com diálogos rápidos e analogias fantásticas, o filme flui bem e define em poucos atos a personalidade de seus personagens principais. Ele debate questões como responsabilidade, trabalho, relacionamentos adultos e como os mesmos estão propícios à imaturidade.

O texto trabalha a inversão de valores comuns e consegue lidar com essa questão de diferentes formas. Se por uma ótica era interessante passar a vida em uma eterna translação e despir-se de convenções da sociedade, por outra ele trabalha a maneira de como a pessoa se torna só, submergindo em suas próprias ambições. Além de, é claro, percorrer a perspectiva pretensiosa – como a de alcançar 10 milhões de milhas – que as pessoas têm e de quanto essas metas mesquinhas e egoístas nos fazem trilhar egocentricamente em sua busca.

O roteiro entrou em harmonia perfeita com o trio principal de atores: George Clooney, Vera Farmiga e Anna Kendrick. Clooney, que sempre fez personagens semelhantes, não faz tão diferente aqui. Mas sua colaboração habitual é adicionada a um personagem simpático, que amadurece suas ideias juntamente com o público e que força identificação no momento em que ele supre seus “desvios de personalidade” por meio dos vôos; bem como algumas pessoas que sempre procuramalgo para completar, como dinheiro, trabalho, amor, religião, amizade, cinema ou todos esses juntos.

Anna Kendrick é certamente a grande surpresa. Uma vez que os demais atores com quem contracena já tem suas carreiras firmadas, Kendrick foge dos estereótipos da insuportável Jéssica do filme “Crepúsculo” e interpreta com competência o papel que lhe foi dado. Assumindo um contraponto à personalidade de Clooney, a personagem de Kendrick é justamente a projeção de uma vida bem sucedida, sendo romântica e feminista, mas que ainda assim enfrenta problemas de relações. Por último, Vera Farmiga apresenta-se mais bela do que nunca, demonstrando grande química com Clooney, além de conseguir transpor charme e a “maturidade descompromissada” que sua personagem exige.

Jason Reitman retorna a um estilo que lembra mais sua direção em “Obrigado Por Fumar”. O cineasta definitivamente segue algo mais sério, ainda que descolado, e com um sarcasmo habitual. Algo mais pretensioso, pode-se dizer. O diretor não é dono de cenas ou sequências memoráveis, mas consegue manter um ritmo gostoso em seu filme, e visivelmente sabe conduzir tanto os atores como a equipe técnica. Ele também opta por uma trilha sonora bem leve, que passa até despercebida, mas que é essencial para manter as cenas orgânicas.

“Amor Sem Escalas” é um ótimo filme. Atual, irônico e cativante. Não é para menos que conseguiu ter destaque com a Academia, que ainda aposta no cinema “casual”. Contudo, falando em Oscar, ou em qualquer outra grande premiação, talvez  o filme não ostenta tamanha “grandeza”. Porém, observando por outro ângulo, talvez o que falte hoje em dia é humildade e boas idéias. E em geral, os aspectos do filme são comedidos e sem destaques absurdos, mas que funcionam maravilhosamente bem quando juntos. Daí, a necessidade da desconstrução do conceito de solidão.

Amenar Neto
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