Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O Amor Pede Passagem

O longa garante momentos de descontração no cinema. O destaque é a dupla impagável de protagonistas.

Entretenimento descompromissado, mas com alguns toques de drama e diversas reflexões sobre a vida e o amor, a comédia romântica de Stephen Belber é uma excelente oportunidade para relaxar e deixar o escurinho do cinema te levar. A plateia mais exigente pode reclamar dos clichês típicos do gênero, mas o filme consegue cumprir direitinho o que propõe.

Se “O Amor Pede Passagem não tem o vigor e a originalidade no tratamento cinematográfico conferido a um “(500) Dias Com Ela”, também não deixa de utilizar bem os recursos de que dispõe: uma trilha sonora com músicas de melodias meigas e pegada pop, e um casal de protagonistas impagável e carismático. Aliás, a dupla que estrela o longa é o ponto mais forte da despretensiosa comédia de Belber. Jennifer Aniston esbanja simpatia em mais uma incursão pelo gênero do qual é especialista e Steve Zahn é simplesmente a antítese do galã usual, com seu jeitão desengonçado e as feições caricaturais.

O enredo do filme mostra que a comparação com o cult de Marc Webb não é totalmente infundada. Aqui também prevalecem os percalços para a concretização do amor idealizado, apesar de maneira mais ingênua e menos realista que a retratada em “(500) Dias Com Ela”. Na história, um pacato gerente de um hotel de beira de estrada no desértico estado do Arizona cumpre uma singela e solitária rotina em meio à paisagem seca e o convívio com os pais. De alguma forma, Mike (Zahn) tem certeza que sua vida mudou ao conhecer Sue (Aniston), uma vendedora de obras de arte que está de passagem pela cidade e se hospeda no hotel.

Apesar do clima generalizado de constrangimento que prevalece entre os dois, Mike está tão determinado a conquistar a garota que apela para brindes mal-intencionados da gerência. Em uma das incursões ao quarto de Sue, ele consegue apalpar a traseira da hóspede, em uma demonstração de compaixão dela pelo intenso desejo demonstrado pelo rapaz. Depois de uma transa fugaz na lavanderia do hotel, Sue vai embora e a história entre os dois parece encerrada. Mas a insistência de Mike o fará cruzar os Estados Unidos atrás da amada, transformando o filme numa espécie de “road movie de avião”.

É aí que a química entre os protagonistas garante o êxito do filme. As personalidades absolutamente distintas entre os dois são responsáveis pelo efeito mais cômico do longa. Enquanto Sue é completamente sistemática (chega a lembrar o saudoso Melvin de Jack Nicholson em “Melhor É Impossível”), Mike é desajeitado e carinhoso, com aspecto cativante de moleque crescido. Distante e esquemática, Sue vê a perseguição de Mike como uma invasão a sua intimidade, mas aos poucos começa a reconhecer o valor de ter por perto alguém realmente preocupado com ela.

Como toda boa comédia romântica que se preze, a felicidade do casal não se concretiza assim tão fácil e o roteiro revela uma série de provações e desafios aos dois. A principal delas é a inserção do personagem de Woody Harrelson. O ator está memorável como o ex-punk Jango, que alterna momentos de extrema cordialidade com ataques ensandecidos (e engraçados) de violência horrorshow. Noivo de Sue, ele é a causa principal de todas as ideias excêntricas que saem da cabeça de Mike com o objetivo de conquistar a disputada mulher.

Em meio a tantas idas e vindas, “O Amor Pede Passagem” chega a se perder um pouco, mas nada que comprometa todo o filme – são apenas algumas derrapadas do diretor para fora da estrada. Todo o drama gerado pela morte da mãe de Mike, por exemplo, apesar de mostrar alguns diálogos bonitos e sequências delicadas, destoa da proposta mais leve defendida por Stephen Belber. Do mesmo jeito, a passagem de Mike por um mosteiro budista, apesar de ser uma solução pouco habitual para enquadrar o momento de isolamento e reflexão do rapaz, parece um tanto desconexa com os caminhos trilhados pelo filme até então. Novamente, é uma parte responsável por cenas suaves, mas que acaba se distanciando do eixo central do longa.

Ainda que não se comprometa a fazer um raio X dos problemas que cercam a sociedade atual, o longa não passa totalmente efêmero pelo espectador mais atento, muitas vezes sem precisar escapar do clima de comédia e descontração. Ao ironizar o excesso de altruísmo da personagem de Jennifer Aniston, o filme critica a obsessão contemporânea em torno da independência emocional e da falta de amarras mais profundas entre as pessoas.

Por esse ponto de vista, o romance não é nada gratuito e mostra de que forma o compartilhamento entre as pessoas pode transformá-las. Trata-se de um apelo hilário para deixarmos o egoísmo um pouco de lado e embarcarmos em alguma aventura pouco provável. Talvez, com passagem só de ida.

Túlio Moreira
@

Compartilhe

Saiba mais sobre