Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 09 de janeiro de 2010

Sherlock Holmes

Em meio a revoluções tecnológicas e efeitos milionários, o filme aposta no artifício mental; e nisso consegue êxito.

É um tanto difícil analisar adaptações sem de fato conferir o produto de onde elas vieram. Nunca li quadrinhos, não vi tantos desenhos e tampouco muitos livros que derivaram adaptações. Portanto, a análise se detém unicamente na adaptação, de fato. E nesse filme, mesmo se o espectador não tiver muito conhecimento sobre o universo do investigador, consegue ser apresentado à história e aos personagens de maneira familiar e convincente.

O filme conta a história de Sherlock Holmes (Robert Downey Jr.), um investigador de extrema competência e capacidade de raciocínio e observação, que utiliza-se de seu intelecto para resolver seus casos. Com ele está seu fiel ajudante Dr. John Wattson (Jude Law) que, além de médico, também é um ex-soldado. Ambos agora se juntam para combater o misterioso Lord Blackwood (Mark Strong), que demonstra ser um grande conhecedor de magia e de seitas. Eis o primeiro grande atrativo do filme: os personagens. E como se não bastassem as figuras icônicas que certamente já ouvimos falar, o elenco do longa atua com química e carisma de sobra. O resultado é um trabalho bem descontraído.

Primeiramente é importante ressaltar a participação decisiva de Robert Downey Jr. O ator, que estava um tanto desaparecido até “Zodíaco”, mostrou extremo carisma e competência em “Homem de Ferro”. Desde então, ele vem sendo escalado para diversos papéis, demonstrando brilhantismo em todos. E Downey Jr. era visivelmente a escolha mais correta para interpretar o investigador Holmes. O personagem, que mescla características de Walter Bishop (da série “Fringe”, de J.J. Abrams) e Patrick Jane (da série “The Mentalist”), ainda assim consegue ter personalidade. E essa necessidade de aproximação com o espectador, é completamente suprida pelo carisma do ator.

Em outro ponto, Jude Law obtém grande entrosamento com Downey Jr. em tela, e ainda que não se sobressaia ao “ego” deste, consegue estabelecer uma relação de irmandade como o mesmo, e bem provavelmente seja um reflexo de uma filmagem descontraída. Rachel McAdams esbanja charme e beleza, ainda que seu personagem exija pouco da tamanha competência que ela tem. Também destaca-se Eddie Marsan, que pôde ser visto ultimamente em “Simplesmente Feliz”, e novamente apresenta equilíbrio profissional.

Em termos técnicos, se a equipe responsável pela direção de arte é bem competente na recriação de uma caótica – mas ainda assim charmosa – Londres, a fotografia é simplesmente horrorosa. É inaceitável que um filme bacana como esse tenha um trabalho tão absurdamente amador em sua fotografia. Escura e desagradável, ela não aproveita o universo de possibilidades estéticas na representação da antiga Londres – como Tim Burton fez – e investe em algo que só remete a depressão, ponto que diverge completamente das intenções do filme.

Em contraponto, o diretor Guy Ritchie mantém um ritmo tênue no longa e filma as cenas de ação com precisão, ainda dando-se ao luxo de rodar  sequências fantásticas em slow motion. E se sua câmera se movimenta tentando acompanhar a ágil narrativa, a montagem exerce um equilíbrio com o trabalho de Ritchie. Mesmo o filme contendo muitas informações, a montagem e edição colaboram para que todo o processo da história seja devidamente compreendido.

Como grande adendo, a trilha de Hans Zimmer é frenética e compõe-se verdadeiramente como um personagem da trama. Se Sherlock Holmes precisava de uma presença de espírito como a de Robert Downey Jr., a trilha de Zimmer foge do lugar comum e investe em instrumentos de corda alternativos, além do “básico” e premiado uso dos violinos na trilha de Zimmer. Ela acompanha o tom sarcástico, dramático ou cômico das cenas de maneira bastante peculiar e, apesar de não ser um trabalho magistral, encaixa-se perfeitamente no filme.

O roteiro organiza-se de maneira ágil e inteligente, que funciona na velocidade do raciocínio de seus protagonistas, com cada tom sarcástico e cômico, reforçado pela competência do elenco em tela. O roteiro ainda tem várias sacadas geniais, fazendo sempre questão de deixar cada pequena dúvida esclarecida. Contudo, peca por explicar até demais. Talvez porque a intenção seja mesmo abranger o grande público e se tornar uma lucrativa franquia.

Ambicioso ou não, o filme agrada. Cumpre suas promessas e se apresenta em boa forma. “Sherlock Holmes” é isso: um filme bacana de começo de ano que traz grandes personagens, grande atores, um roteiro legal, um clima descontraído e investe – ainda que em padrões de blockbuster – na capacidade cognitiva dos espectadores. Distanciando-se ou não do universo de origem, cria aqui uma adaptação com personalidade. E isso é justamente o que falta hoje em dia.

Amenar Neto
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