Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Onde Vivem os Monstros

O belíssimo trailer de "Onde Vivem os Monstros" reúne tudo o que há de bom no longa-metragem. O filme, apesar de ter uma fotografia e trilha sonora memorável, peca por tentar ampliar os conflitos vividos pelo protagonista Max e colocar sobre ele a responsabilidade de resolver os problemas de relacionamento dos monstros que encontra.

Vestido de lobo, Max perseguiu o cachorro, gritou e ameaçou sua mãe. Mandado para o quarto e sem jantar, o menino imaginou uma grande selva, com um oceano e um barco que o levou onde vivem os monstros. O livro infantil publicado em 1963 ainda é um grande sucesso. Com uma linguagem simples e criaturas fantásticas, o autor Maurice Sendak aborda a dificuldade que as crianças têm para lidar com a raiva. Max é solitário e, justamente por isso, se expressa com agressividade e solta a imaginação com facilidade.

O clássico já foi adaptado para um curta-metragem e usado por John Lasseter para testar o uso de fundo feito em CG e personagens feitos com animação tradicional. É nas mãos de Spike Jonze, entretanto, que o conto ganha vida como nunca antes.

Max se tornou filho de pais separados e precisou aprender a lidar com a rejeição da irmã adolescente. Sem amigos e lutando pela atenção da mãe trabalhadora, Max é facilmente levado pela própria imaginação, mas constantemente frustrado.

É essa frustração sempre presente que torna “Onde Vivem os Monstros” um filme bastante pesado, seja para crianças ou para adultos. Max é solitário demais e não sabe lidar com todos os sentimentos que surgem a cada decepção que encontra. Quando parte para a terra onde vivem os monstros, encontra criaturas em situação ainda mais complexa.

A terra dos monstros não surge no quarto de Max. Ao invés de ser mandado para o quarto, sem jantar, o menino foge e encontra um barco. O Max do cinema é mimado. Ele não é apenas uma criança com raiva ou solitária, mas um menino que não tem capacidade para lidar com nada. Assim, fica difícil simpatizar com o personagem.

Os monstros, apesar de fantásticos visualmente, também são bastante chatos. Carol, a criatura principal, acaba de passar por um divórcio e, assim como Max, não sabe lidar com as frustrações de sua vida. Criança e criatura se reconhecem quase que imediatamente e é nesse momento que um dos monstros diz uma das falas mais inteligentes de toda a projeção: “Você é egoísta?”.

Sim, Max e Carol são egoístas. Mas todos os monstros são. Eles fazem de Max um rei, na esperança de que ele possa resolver todos os problemas de relacionamento causados pela raiva e agressividade de todos. Nenhum deles, entretanto, tem a capacidade de mudar pelo bem de todos.

Jonze arrisca ao adaptar com tanta profundidade psicanalítica uma história infantil, mas poderia ter ousado menos. Para dar personalidade aos monstros, ele cava feridas muito profundas que, claro, não podem ser solucionadas pela presença de uma criança. A história deixa de ser sobre os problemas de Max para se tornar um épico sobre problemas no casamento de dois monstros.

O diretor poderia ter aprendido muito com outro clássico: “O Mágico de Oz”, de 1939. A história de L. Frank Baum também insere uma criança em um mundo mágico, cheia de criaturas que precisam ser ajudadas. Dorothy, mais sensata e mais velha do que Max, faz com que Espantalho, Leão e Homem de Lata encontrem sozinhos o que buscam e, na jornada, resolve o próprio problema.

É na inocência e na amizade que Dorothy consegue mudar o mundo mágico de Oz. Max não consegue. Adepto da violência, ele acaba piorando a situação.Também não é a solidão e a lembrança do amor da mãe que levam Max a voltar para casa. O sentido de toda a história e a aventura do menino se perde em meio a todos os problemas enfrentados pelos monstros durante sua estada.

Jonze teria feito um filme curta-metragem memorável. As criaturas são magníficas pela monstruosidade, pela técnica, pelo capricho. A trilha sonora nos transporta para um mundo em que a infância e a fantasia não parecem tão distantes e a fotografia do filme é simplesmente perfeita.

Os olhos de Max parecem conduzir a câmera, que percorre ângulos focados em detalhes. A iluminação e as cores terrosas ajudam a manter a dramaticidade e beleza de estar vivendo entre monstros. É o roteiro prolongado e a quantidade absurda de assuntos complicados demais para serem tratados por uma criança que tornam o filme arrastado e acaba decepcionando.

Lais Cattassini
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