Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 19 de dezembro de 2009

A Vida Íntima de Pippa Lee

A busca feminina por independência e liberdade é o tema deste drama mediano da diretora Rebeca Miller.

Ser mulher na antiguidade era sinônimo de submissão ao homem, seja ele pai, irmão ou marido. Nem a imaginação funcionava como alento para essa subserviência, já que até elas mesmo se satisfaziam com o pouco que lhes era permitido. A cultura era a maior repressora feminina. Mas os tempos mudaram. Hoje as mulheres têm direitos e condições semelhantes aos dos homens. O mercado de trabalho, a política e tantos outros setores da sociedade tradicionalmente masculinos foram invadidos por elas.

No entanto, resquícios da subordinação feminina permanecem. Em favor de uma vida digna para seus filhos e da harmonia familiar, mães sacrificam diariamente seu próprio rumo e passam a viver em prol dos outros. A dependência financeira de algumas também contribui para que este roteiro não mude, a não ser que alguns eventos excepcionais venham para o bem, como mostra este mediano “A Vida Íntima de Píppa Lee”.

No centro da trama temos uma linda mulher aos 50 anos de idade. Mas Pippa Lee (Robin Wright Penn) dedica toda a sua beleza e seu tempo ao marido, o editor de livros Herb Lee  (Alan Arkin), 30 anos mais velho. Esposa perfeita, mãe dedicada, dona de casa sem igual, Lee tem uma vida aparentemente irrepreensível. Uma mudança de Nova York para uma cidade pacata do interior de Connecticut devido a contínuos problemas cardíacos apresentados por Herb, no entanto, modifica toda a imagem que ela criou para si e para os outros nos últimos anos.

Uma crise de sonambulismo é o primeiro sinal de “rebeldia” daquela mulher, seguido por uma paquera com o filho de 35 anos de uma vizinha, o ex-religioso e agora problemático Chris Nadeau (Keanu Reeves). Lembranças de um passado atormentado que moldaram e influenciaram sua atual personalidade também estão voltando com mais frequência. Porém, é a descoberta da traição de seu marido com uma amiga que fará Pippa Lee ter a certeza de que sua vida merece um destino menos óbvio e mais aventureiro.

Baseado em livro homônimo escrito pela diretora e roteirista do filme, Rebecca Miller (“O Mundo de Jack e Rose”), “A Vida Íntima de Pippa Lee” tem como grande diferencial retratar partes da vida de sua protagonista, as quais são inseridas de forma linear a cada nova passagem marcante da trajetória atual de Lee. O nascimento da menina, coberta de pelos por todo o corpo, é o primeiro flashback mostrado. A relação conturbada da mãe, Suky Sarkissian (Maria Bello), com a garota já dá as boas vindas, mas a instabilidade desse amor será ainda maior. Viciada em antidepressivos, a mãe rejeita e abriga a filha a cada efeito diferente de seus remédios.

Como consequência, Pippa Sarkissian, à época, (então interpretada por Blake Lively) foge de casa aos 16 anos e vai morar com a tia, cuja homossexualidade a surpreende. O fascínio pela namorada da tia, Kit (Julianne Moore), entretanto, ultrapassa os limites e um flagra devolve Pippa às ruas. Entregue às drogas e às más companhias, ela encontra nos braços de um homem mais velho o conforto que precisava. Uma nova Pippa, então, nasce e, como resultado desse amor, dois filhos são concebidos.

Rebecca Miller faz um filme tecnicamente agradabilíssimo de se acompanhar. Entre idas e vindas na vida de sua personagem principal, a diretora conquista pela harmonia entre a trilha sonora de Michael Rohatyn, a edição dinâmica de Sabine Hoffman e os rumos trazidos pelo seu roteiro. A cada pequeno objeto mostrado, como um bolo de aniversário, o público é levado para anos atrás. O ritmo acelerado dessas sequências contrasta com a lentidão do atual andamento da trajetória de Pippa Lee. Como uma mulher com um passado tão perturbado se transformou em alguém tão passivo?

É justamente as respostas a essas perguntas que são deixadas em aberto pelo enredo de Rebecca Miller. Optando por exageros desnecessários, como o do nascimento de Pippa ou a relação com a companheira da tia, Miller cria dois mundos completamente diferentes, que mais parecem de filmes distintos. Enquanto Robin Wright Penn é responsável por uma Pippa Lee mais real, Blake Lively, mesmo discreta, interpreta a parte quase fabulesca da vida dessa mulher. Por mais que esse dois universos sejam um tanto atraentes, eles não parecem retratar a história da mesma pessoa.

Outro fator que incomoda bastante em “A Vida Íntima de Pippa Lee” é a sua falsa profundidade. Entre a narração de offs em flashbaks e a solidão das cenas contemporâneas, a densidade se instala, mas não se justifica. Procura-se por todo lado os motivos para a corrente instabilidade de Lee, mas eles nunca são achados. O sonambulismo da moça permite pensar que as razões sejam orgânicas, o que é um absurdo, mas é apenas após o crescimento da amizade da mulher com o personagem de Keanu Reeves e a traição do marido que tudo aparentemente se explica. No entanto, depois de todos esses fatos ocorrerem, mais de uma hora de filme já se passou.

Em uma fita com uma grande carga emotiva, apesar de algumas risadas pontuais, surpreende também a total falta de sentimento demonstrada pela protagonista com o desfecho de um personagem essencial. Apesar de tentar amenizar esse erro com uma sequência mais tocante, o argumento não nos convence com a sua insensibilidade. Por outro lado, as lágrimas seguem sem parar outros personagens, como Sandra Dulles (Winona Ryder) e Suky Sarkissian, cujas interpretações acima do tom contribuem para a inverossimilhança de seus papéis.

Entre os acertos do longa está o desenvolvimento gradual do relacionamento de Pippa com Nadeau. Estampando um Cristo de braços abertos tatuado em todo o seu peito, o rapaz conquista a moça pela sua antiga inconsequência e atual discrição. Extremamente gentil, Nadeau acaba sendo o alvo das crises de sono de Pippa, que insiste em ir parar na loja de conveniências onde ele trabalha. Misturando elementos infantis com outros bem mais adultos, o roteiro de Rebecca Miller triunfa quando coloca no centro da trama o casal.

No entanto, “A Vida Íntima de Pippa Lee” não seria o mesmo sem a performance de Robin Wright Peen. Atriz pouco aproveitada por Hollywood, ela aqui tem a oportunidade de brilhar como protagonista com a sua beleza estonteante e talento inegável. Cheio de minúcias, o desempenho de Penn vale o filme. É uma pena, no entanto, que todo o seu trabalho tenha sido feito em prol de uma personagem cuja vida não seja das mais críveis. Em suma, a passividade dessa mulher é fruto de um roteiro inconvincente de Rebecca Miller. Nem mesmo o elenco de renome salva as boas, mas falhas intenções do filme.

Darlano Didimo
@rapadura

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