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Notícias   segunda-feira, 03 de fevereiro de 2014

Woody Allen se defende de acusações de abuso sexual da filha Dylan Farrow

Jovem divulgou carta comentando o que sofreu com o pai na infância.

Dylan Farrow / Woody Allen

O diretor Woody Allen (“Meia Noite em Paris”) se defendeu das acusações de sua filha Dylan Farrow, que enviou carta ao jornal The New York Times falando do abuso sexual que teria sofrido do pai na infância. O depoimento vem cinco dias após a publicação de um texto assinado por Robert B. Weide, autor do documentário “Woody Allen: Um Documentário”, onde ele questiona a veracidade do caso, que teve ação judicial movida por Mia Farrow (“O Bebê de Rosemary”) em 1992. As informações são do site Variety.

“Sr. Allen leu o artigo e achou falso e vergonhoso. Ele vai respondê-lo muito em breve. Na época, uma investigação completa foi realizada por peritos reguladores independentes. Eles concluíram que não havia evidência crível de abuso sexual; que Dylan Farrow teve uma incapacidade de distinguir entre fantasia e realidade, e que ela provavelmente tinha sido treinada por sua mãe, Mia Farrow. Nenhuma acusação foi arquivada”, afirmou o cineasta através de um representante.

Confira na íntegra carta de Dylan Farrow, onde ela questiona a indicação ao Oscar do pai:

“Qual o seu filme favorito de Woody Allen? Antes de responder, é bom que você saiba: quando eu tinha sete anos, Woody Allen me levava pela mão para o sótão da minha casa. Ele me mandava deitar de bruços e brincar com o trenzinho elétrico do meu irmão. E me atacava sexualmente. Ele falava comigo enquanto o fazia, sussurrando que eu era uma menina boa e que aquele era o nosso segredo, me prometendo que iríamos a Paris para que eu estrelasse um dos seus filmes. Lembro-me de olhar para o trenzinho, prestando atenção em como ele se movia em círculos pelo sótão. Até hoje eu tenho dificuldades para olhar para trens de brinquedo.

Até onde posso me lembrar, meu pai fazia coisas das quais eu não gostava. Não gostava como de como ele frequentemente me afastava de minha mãe, parentes e amigos para ficar sozinha com ele. Não gostava quando ele colocava o dedão da mão na minha boca. Não gostava quando eu tinha que entrar debaixo dos lençóis enquanto ele estava apenas de cuecas. Não gostava quando ele colocava sua cabeça no meu colo nu, inspirando e expirando. Eu me escondia embaixo das camas e me trancava no banheiro para evitar os encontros mas ele sempre me achava. Estas coisas aconteciam frequentemente, rotineiramente e tão habilmente escondidas de uma mãe que teria me protegido se soubesse o que eu achava ser normal. Eu achava que essa era a maneira que pais mostravam carinho às suas filhas. Mas o que acontecia comigo no sótão parecia diferente. Eu não conseguia mais guardar o segredo.

Quando perguntei à minha mãe se o pai dela fazia com ela o que Woody Allen fazia comigo, eu honestamente não sabia a resposta. Também não sabia da tempestade que a pergunta provocaria. Não imaginava que meu pai usaria sua relação sexual com minha irmã para cobrir o abuso que ele praticou contra mim. Não sabia que ele acusaria minha mãe de plantar o abuso na minha mente e a chamar de mentirosa por me defender. Não sabia que eu teria que recontar a história muita vezes, médico após médico, na tentativa de que eu admitisse que mentia em prol de uma briga judicial a qual eu não entendia. Em certo momento, minha mãe sentou-se comigo e me disse que eu não teria problema se eu estivesse mentindo – que eu poderia retirar tudo o que eu havia dito. Eu não podia. Era tudo verdade. Acusações de assédio sexual contra os poderosos enfraquecem-se muito facilmente. Especialistas estavam dispostos a atacar minha credibilidade. Médicos queriam disfarçar a criança a abusada.

Depois que os juízes negaram ao meu pai o direito de visitar os filhos, minha mãe desistiu de continuar o processo criminal, apesar das conclusões do Estado de Connecticut – por conta do que foi definido pelo promotor como fragilidade da ‘vítima infantil’. Woody Allen nunca foi condenado por nenhum crime. O fato de ele ter escapado das acusações me assombrou enquanto amadurecia. Fui vítima de sentimentos de culpa de que eu havia permitido a proximidade dele com outras crianças. Eu fiquei aterrorizada de ser tocada por outros homens. Desenvolvi um transtorno alimentar. Comecei a me cortar. E o tormento foi agravado por Hollywood. Muitos (dos meus heróis) fizeram vista grossa. Muitos acharam mais fácil aceitar a ambiguidade dos fatos argumentando que ninguém pode dizer o que aconteceu’ e fingir que nada esteve errado. Atores o idolatram em festas de premiações. Críticos o colocam em revistas. Cada vez que vejo o rosto do meu algoz – num pôster, numa camiseta, na TV – eu só conseguia esconder meu pânico até encontrar um lugar para ficar sozinha e desmoronar.

Na semana passada, Woody Allen foi indicado para o mais recente Oscar. Desta vez, me recuso a desmoronar. Por muito tempo, a aceitação de Woody Allen me silenciou. Era uma reprovação pessoal, como se os prêmios fossem uma maneira de me mandar calar a boca e ir embora. Mas os sobreviventes de abuso sexual que chegaram até mim – para me apoiar e dividir os medos de seguir em frente, de serem chamados de mentirosos, da sensação de ouvir de outros que as lembranças não são lembranças – me deram motivação para não ficar calada, para que outros saibam que não devem ficar calados também.

Hoje me considero uma pessoa de sorte. Sou casada, feliz, tenho o apoio dos meus irmãos e irmãs. Tenho uma mãe que encontrou dentro de si mesma uma fonte de força que nos salvou do caos que um predador trouxe ao nosso lar.

Mas outros ainda estão assustados, vulneráveis e ainda lutando com coragem de contar a verdade. A mensagem que Hollywood manda é importante para eles.

E se fosse com a sua filha, Cate Blanchett? Louis CK? Alec Baldwin? E se fosse com você, Emma Stone? Ou você, Scarlett Johansson? Você me conheceu quando criança, Diane Keaton. Você esqueceu de mim?

Woody Allen é um testemunho vivo da maneira como a nossa sociedade fracassa em defender sobreviventes de assédio e abuso sexuais.

Então, imagine sua filha de sete anos sendo levada até um sótão por Woody Allen. Imagine se ela passa uma vida inteira sendo atingida por náusea diante da menção dele. Imagine um mundo que celebra o seu torturador?

Imaginou? Agora, diga: qual o seu filme favorito de Woody Allen?”.

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Marcela Gelinski
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