Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 21 de agosto de 2006

Terror em Silent Hill

Monstros, muito sangue, muita bizarrice e todos os elementos que transformaram Silent Hill em um dos jogos mais assustadores da Konami estão presentes nesta perfeita (dentro do possível) adaptação de um jogo, que consegue, ao lado de Resident Evil, se tornar referências para se adaptar um game para as telas dos cinemas, graças ao diretor Christophe Gans e ao competente elenco do filme.

Quando a jovem mãe Rose (Radha Mitchell), desesperada para encontrar a cura para a estranha doença de sua filha Sharon, se recusa a aceitar a recomendação médica para a internação psiquiátrica, ela parte com Sharon para Silent Hill, a cidade que sua filha menciona constantemente em seus sonhos. Apesar da severa oposição de seu marido Christopher (Sean Bean), Rose está convencida de que a misteriosa cidade trará as soluções para os problemas. Entretanto, à medida que seu carro se aproxima dos limites do deserto local, uma figura misteriosa surge na estrada, obrigando Rose a desviar, fazendo com que ela sofra um acidente. Quando a mulher volta a si, Sharon está desaparecida, e, de repente, Rose, acompanhada por uma policial (Laurie Holden) de uma cidade vizinha, está em uma desesperada busca em Silent Hill para encontrar sua filha. Fica imediatamente claro que seu destino – abandonada desde que um incêndio devastador assolou Silent Hill – é um lugar onde nunca esteve: envolvido por névoa, habitado por uma variedade de seres estranhos e assustadores e dominado por uma viva escuridão que, literalmente, transforma tudo que toca. Enquanto Rose procura por sua filha, ela começa a conhecer a história de Silent Hill – seu passado violento e austéro e as origens de seu amaldiçoado estado – e percebe que sua filha é apenas parte de um destino muito maior e ainda mais aterrorizante.

A adaptação de Silent Hill deve ter preocupado a muitos fãs, desde as primeiras notícias, quando foi informado que Lou Diamond Phillips ("O Jogo da Forca") estaria no elenco como personagem principal (e sem querer desmerecer o rapaz, mas os últimos filmes dele simplesmente foram uma total negação), até quando saiu a notícia que o personagem principal do jogo (Henry) seria trocado por uma personagem feminina, uma mãe em busca da filha (e que, diga-se de passagem, faz muito mais sentindo por tratar pontos dramáticos muito mais fortes, fora a simbolóca ligação da mulher como sexo frágil). E atenção fãs do jogo que jogaram Silent Hill e nunca entenderam bulhufas dele (ou acham que entenderam): o jogo tem história, e esta história, pelo menos parte dela, é desmistificada no filme. Parte, porque infelizmente a adaptação do jogo para as telas, como era de se esperar, sofreu algumas alterações. Na verdade, sofreu grandes alterações, mas que mesmo com essa deturpação gigantesca (quem conhece a história e for assistir ao filme vai entender), o filme ainda não se torna desagradável de forma alguma para os fãs dos jogos. (Para quem ainda não entendeu a presença do personagem de Sean Bean no filme, e é ignorante o suficiente para dizer que poderia ser cortado do filme porque o personagem dele não acrescenta em nada, aí vai uma explicação, mesmo que idiota: o papel dele só foi criado na trama porque o roteiro original, contendo só mulheres no filme, não foi aprovado por justamente não ter homens na história, e o personagem de Sean pode ser o protagonista de uma futura continuação de Silent Hill, se esta acontecer).

Para quem nunca nem sequer chegou perto de um controle de vídeo-game do Playstation para jogar ou nem tentou se aventurar a noite, com as luzes apagadas, e o som alto, no demorado RPG, também não precisa se preocupar, já que ele consegue colocar o marinheiro de primeira viagem dentro da trama, que consegue não se tornar absurda (de novo dentro da medida do possível!). Mas ainda assim isso pode ser considerado um ponto negativo (embora particularmente eu nem ache tanto).

Aliás, a escolha do francês Christophe Gans ("Pacto dos Lobos") foi uma das mais acertadas, já que ele é conhecido pela sua espetacular direção e criação de imagens junto com os diretores de fotografia (vide o Pacto dos Lobos, caso você consiga aturar o filme). Gans parece ter estudado cada centímetro dos cenários dos jogos de Silent Hill para construir cada detalhe e perspectiva do local. Desde as ruas que findam em abismos até os detalhes do hospital, tudo minuciosamente recriado para o delírio dos fanáticos pelo jogo. E não é só, alguns momentos do filme você poderá reconhecer cenas e ângulos, além de movimentos de câmera idênticos ao jogo.

E você, fanático, deve se perguntar sobre as bizarrices e violência do jogo, afinal os recentes filmes de terror violentos tem pegue uma censura forte. E foi essa justamente umas das preocupações na produção do jogo, que acabaram aliviando um pouco o peso da violência, mas não ache que isso impedirá de ver aqueles personagens ensangüentados pregados nas paredes, ou os monstros bizarros, como inclusive o Pyramid Head. Porém toda a violência no jogo tem sua explicação de ser, e está, inclusive, até comedida, mas ainda sim com uma justificativa, coisa que certos filmes recentes não vêm tendo a noção de se conter por achar que um filme de terror é feito de pus saindo dos olhos (alguns perceberão de que filme estou comentando).

Outro ponto forte do longa foi a idéia de se utilizar da trilha sonora original dos jogos. Além de as músicas se encaixarem perfeitamente (e eu mesmo tive dificuldade de acreditar que a trilha se encaixaria), elas são um atrativo a parte, com as quais, com certeza, os fãs do jogo vibrarão ao ouvir determinadas músicas e lembrarem das cenas dos jogos. Até mesmo Melissa Williams, que interpretou algumas músicas excelentes para o terceiro jogo da série, está inclusa dentro da trilha do filme. Um verdadeiro estudo do diretor, que parecia conter um manual do jogo (que, aliás, só conseguiu os direitos para o filme com a Konami, quando enviou um vídeo de 30 minutos do jogo, mostrando a sua compreensão total deste, com cenas de um filme caseiro feito com seu próprio dinheiro).

O elenco é um show a parte. Quem disse que para fazer filme de terror tem que ser novinha, ser muito gostosa e saber gritar, realmente deverá mudar de conceito quando assistir a Terror em Silent Hill. Radha Mitchell ("Melinda e Melinda"), consegue, nesse filme, passar a angústia e desespero da sua busca pela filha enquanto enfrenta as loucuras em Silent Hill. Afinal, quem iria acreditar na personagem de Henry Manson (o do jogo), que é uma pessoa comum e que, mesmo vendo os monstros a sua frente, o máximo que fala é "Oh My God"? Sean Bean ("O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel") está bem, mesmo tendo seu papel diminuído a quase um personagem insignificante, como muitos críticos vêm falando por aí, principalmente por desconhecerem a série do jogo e não saberem que o papel de Sean no primeiro filme é que nem os de alguns personagens do filme Homem-Aranha, que apareceram segundos nas franquias anteriores para se tornarem os futuros vilões do cabeça de teia. Christopher DaSilva poderá ser muito importante no segundo filmes da série (já que se espera que tenha um segundo filme), e inclusive o gancho do primeiro longa é perfeito para o início do segundo, seguindo a mesma idéia do segundo jogo (o homem que vai a Silent Hill para procurar a sua mulher, que lhe enviara uma carta). O elenco de apoio, como Laurie Holden (mais conhecida entre os fanáticos da série "Arquivo X" como a Maria Covarrubias), também disputou o papel com Cameron Diaz ("Quem vai Ficar Com Mary") (sinceramente, por mais que seja talentosa, não consigo ver Diaz nesse papel) também esteve muito bem, embora apareça pouco no filme, assim como muitos outros personagens da história. Porém o mais interessante é que, mesmo aparecendo pouco, todos os personagens de elenco de apoio com certeza ficarão marcados na cabeça do espectador momentos depois de sair do filme.

O longa também não se detém aos estranhos acontecimentos e a uma leitura rápida, bem característica de blockbusters, mas Gans apresenta também conceitos fortes ligados às simbologias religiosas dentro do filme, com igrejas como centro de refúgio, ou mesmo a menção à imagem de Cristo pregado na cruz, na menina na cama ao final do filme, que nos faz diminuir o peso, e perceber o verdadeiro local das identidades da dicotomia apresentada no filme. Imagens essas bem claras também no estereótipo do belo e do feio, como também a definição de Deus.

Silent Hill chega para provar que adaptação de jogos para as telas de cinema não são impossíveis. Pelo contrário, são grandes filmes com histórias excelentes e até curiosas. Basta apenas não deixar cair em mãos erradas como as de Uwe Boll (que conseguiu estragar "Alone In The Dark", "House of the Dead" e "BloodRayne"). E também vale ressaltar que Silent Hill será muito mais apreciado por fãs do jogo do que por pessoas que não conheçam nada da história, mas também não chega a desagradar a estes últimos.

IMPORTANTE: Para quem é fã do jogo, não saia ao terminar o filme, as imagens que fizeram no início dos créditos ficaram excelentes e lembram um pouco as imagens que fizeram para o quarto jogo do Silent Hill. Aliás, esse crédito é ótimo!

Leonardo Heffer
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