Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 23 de agosto de 2007

A Identidade Bourne (2002): revivendo os bons tempos dos filmes de espionagem

Tendo todos os atributos necessários para ser conotado como um filme de investigação, “A Identidade Bourne” revive os tempos áureos do gênero. Um verdadeiro requinte para os fãs dos filmes de espionagem.

Aviso: eu não li o livro que dá origem a essa película. Logo, não vou julgá-la como uma adaptação.

Alguns podem estar surpresos por não saberem que “A Identidade Bourne” trata-se de uma adaptação. Isso mesmo, o roteiro do filme não é original e sim uma transposição para o cinema do livro homônimo escrito por Robert Ludlum. Digo mais: o projeto é, além de adaptação, um remake. O filme pioneiro a adaptar a obra de Ludlum foi lançado em 1988, teve o mesmo título, mas como foi somente para a TV, não teve destaque mundial. Eis que em 2002, agora para o cinema e dirigido por Doug Liman, Jason Bourne e sua trama reaparecem em plano de destaque.

O início, no mínimo curioso, já deixa predicados para o espectador não largar fácil o tempo restante da projeção. Através de uma câmera com o plano bem aberto, em um mar não identificado, um corpo boiando é mostrado. Tal corpo é resgatado pela tripulação de um navio pesqueiro. Minutos depois, em uma cena bem calma, o capitão (ou patente do gênero) do navio retira estilhaços de bala do corpo desse rapaz. Aí o rosto do ator, no caso Matt Damon (“Gênio Indomável”), é focado. Porém, tudo que sabemos dele é o que ele mesmo sabe sobre próprio respeito praticamente nada. Daí então, o título do filme começa a fazer sentido.

Não se enganem. As coisas em “A Identidade Bourne” não serão entregues facilmente. A trama de início lento, trilha sonora branda, pouquíssimos diálogos e seguidas de cenas praticamente indecifráveis a um olho pouco clínico, deixa bem claro o intuito do roteiro se focar no suspense. Só aos poucos vamos sendo apresentados ao personagem principal e sua personalidade. Em uma cena ainda do início, Matt Damon trava um monólogo muito bem arranjado com um espelho. Ele se pergunta “quem é”, praticamente se colocando no lugar do espectador. O interessante não é só isso, mas também o fato de ele fazer essas perguntas em línguas diferentes do inglês, no caso o alemão e o francês. Tal detalhe já deixa uma pista que, apesar de ser um filme norte-americano, esse pouco se passará em tal território. Realmente, ele é internacional, o que dá um charme a mais para a produção.

Para a boa aceitação de um filme onde por muitos minutos você não sabe o nome de praticamente nenhum personagem, ou melhor, você não está entendendo praticamente nada, destaco a atuação de Damon. Ele dá a Jason Bourne a clara sensação de uma pessoa que sofreu amnésia. Com certeza, você já deve ter tido a sensação de déjà vu. Pois bem, é com os trejeitos de alguém com essa sensação que Damon constrói sua segura atuação. Além do mais, quando o filme sai um pouco do sorrateiro tom de investigação e passa para a ação, o ator também encara muito bem o papel. Ele realmente tem jeito para o personagem que antes seria de Brad Pitt (“Tróia”), mas que por algum motivo a contratação do famoso ator não vingou.

A direção é importante para o sucesso do projeto. Em grande parte da fita, ela realmente funciona, mas a inexperiência de Doug Liman (de expressão, ele só dirigiu a comédia “Swingers”, roteirizada por Jon Favreau, o diretor de “Homem de Ferro”) complica em algumas horas. Se nos prendermos aos ângulos que Liman utiliza, com certeza deveremos dar ao diretor os créditos de uma direção bem segura. Porém, o exagero em certas cenas dá descrédito ao trabalho dele.

A respeito dos ângulos, Liman dá prioridade a planos longos em determinadas cenas. Um exemplo é quando Marie (Franka Potente, de “Corra, Lola, Corra”) encontra Bourne em um computador. A câmera está focada na máquina quando escutamos algumas vozes que identificamos serem dos atores e, em vez de haver um corte para focalizar o rosto de ambos, a cena prossegue somente com a manipuação do ângulo. Este artifício dá uma impressão de continuidade e carrega a cena com realismo. Tal técnica de filmagem é muito bem visto no filme de Orson Welles chamado “Além do Cidadão Kane”, que vale a pena conferir. Outro acerto quanto à filmagem está nas cenas de lutas. Liman usa e abusa de ângulos fechados e câmera livre no momento em que Bourne se digladia com seu adversário. Tais ângulos dão uma velocidade respeitosa para o acontecimento.

Por outro lado, o que deixa a direção de Liman extremada são as cenas exageradas. Tudo bem, é um filme de ficção, com agentes muito bem treinados e uma série de elementos que deixem o exagero completamente cabível. A questão é que esse exagero estava sendo bem utilizado. O que aconteceu, porém, foi que em determinado momento-chave o exagero foi elevado de forma exponencial e, mais ainda, de uma forma completamente desnecessária para o roteiro. Este superexagero é comprovado em uma cena que Bourne se joga por vários e vários andares em queda livre e só não se arrebenta todo ao chegar no chão por estar segurando um corpo. Como se isso tivesse sido suficiente para apalpar sua queda. Convenhamos, nós já sabíamos que o rapaz é um dos melhores no ramo de agentes secretos, mas precisava transformá-lo em um Highlander?

Outro ponto favorável para o sucesso do projeto é o elenco. Além de Matt Damon, a co-protagonista foi bem escolhida. Falo de Franka Potente na pele de Marie. Como pede a personagem, a atriz é sensual, alemã, fala fluentemente o inglês e alemão (ela também fala francês fluente, mas não foi preciso no filme), além de esbanjar xingamentos na sua língua-mãe. Para quem não sabe, a palavra “scheiße” (na pronúncia, fica algo como: “shaizan”) seguidamente pronunciada pela moça, é o “shit” do inglês, ou os nossos típicos xingamentos como: “droga” e coisas do gênero. O bom também da atriz é que, apesar de alemã, alguns irão reconhecê-la do filme também alemão “Corra, Lola, Corra”, que fez relativo sucesso em 1998. Outros rostos conhecidos estão no elenco em papéis importantes, como Chris Cooper (“O Encatador de Cavalos”), Clive Owen (“Sin City”), Julia Stiles (“10 Coisa Que Eu Odeio Em Você”), Brian Cox (“X-Men 2”), dentre outros nomes.

“A Identidade Bourne” revive os bons tempos dos filmes de espionagem, gênero que deve ser muito respeitado, pois trouxe ao mundo cinematográfico franquias inesquecíveis, como a imortal franquia do agente James Bond, o 007. Vale lembrar também que “A Identidade Bourne” trata-se do primeiro livro de uma série de três de Robert Ludlum. Uma trilogia seguindo o estilo do primeiro filme, sem dúvida alguma, é muito necessária para os fãs desse estilo de trama.

Raphael PH Santos
@phsantos

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