Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 14 de julho de 2009

Harry Potter e o Enigma do Príncipe (2009): termina de forma muito abrupta

O sexto volume da série Harry Potter deveria indicar a maturidade de uma produção que teve oito anos para aprender a adaptar as histórias escritas por J.K. Rowling. O que o filme demonstra, entretanto, é um roteiro preocupado com explosões hormonais e uma direção equivocada. O resultado é um anticlímax que decepciona.

Não há necessidade de dizer que “Harry Potter e o Enigma do Príncipe” é um filme sombrio ou que explora a adolescência dos protagonistas. Após oito anos de filmes e dez de livros, é natural que as crianças cresçam e o romance tome conta da trama. Este filme é o anticlímax da série e introduz o final da saga do pequeno bruxo. É por falhar em cumprir seu papel que o sexto filme é, além de sombrio, frustrante.

O longa-metragem começa onde “Harry Potter e a Ordem da Fênix” terminou. Lorde Voldemort, o mais poderoso bruxo das trevas, retornou e está tão forte quanto antes. O poder que exerce sobre o mundo mágico ameaça, inclusive, os terrenos antes seguros de Hogwarts. Harry, Rony e Hermione retornam para a escola sob os olhos atentos do diretor Alvo Dumbledore e cercados por feitiços poderosos para que nada interfira no ano letivo dos adolescentes.

O perigo do mundo bruxo, entretanto, não é nada comparado ao desafio que o trio terá de enfrentar no campo amoroso. Enquanto Harry, interpretado por um Daniel Radcliffe muito mais experiente, nutre uma paixão discreta por Gina (Bonnie Wright), irmã de seu melhor amigo, os flertes entre Rony (Rupert Grint) e Hermione (Emma Watson) se tornam mais diretos e claros.

As diferenças inconciliáveis entre Harry e o malvado Draco (Tom Felton) também se acentuam. O herói suspeita de que o inimigo está tramando algo. E não está enganado. A câmera acompanha não só a trajetória de Harry, o único ponto de vista nos livros e olhar predominante nos últimos cinco filmes, mas também alguns momentos cruciais para a missão de Draco.

É nesse aspecto que “Harry Potter e o Enigma do Príncipe” começa a falhar. A direção de David Yates, que havia feito um trabalho brilhante com o filme anterior, não explora o suspense que torna os livros de J.K. Rowling tão irresistíveis. Mesmo os espectadores que são apresentados à história pela primeira vez não terão muita dificuldade em desvendar as pistas deixadas para a resolução final da trama.

O principal mistério criado por J.K. é ainda menos explorado pelo roteiro equivocado deste sexto filme. O enigma do príncipe, título do volume, é mencionado sem maiores detalhes. O personagem, cuja identidade é revelada apenas nos últimos minutos de projeção, é quem guia Harry pelo ano letivo. É o “príncipe mestiço”, dono de um velho livro didático, quem lhe dá dicas para preparar as melhores poções da turma.

O novo professor de poções, Horácio Slughorn, interpretado brilhantemente por Jim Broadbent, é quem movimenta as poucas cenas de ação deste capítulo. É ele o dono de uma lembrança que pode explicar a Harry como destruir Voldemort. O jovem bruxo deve conseguir essa lembrança e, ao lado de Dumbledore, revistar a história do bruxo das trevas para entender como, no sétimo e último volume da série, será possível fazer com que o bem, afinal, triunfe.

“Harry Potter e o Enigma do Príncipe” tem, de fato, uma das tramas mais leves de toda a série. Mesmo sob a tensão do retorno de Voldemort, os adolescentes conseguem se envolver amorosamente e Harry pode descobrir mais sobre o seu inimigo, sem ir a combate. Isso não quer dizer, entretanto, que essa é uma história sem ação. Como todas as tramas de Rowling, há muitos momentos em que o suspense nos faz lutar para não pular algumas páginas, só para ter certeza de que tudo acabará bem. As batalhas, mesmo não tão grandiosas quanto às descritas por J.R.R. Tolkien, em “O Senhor dos Anéis”, não decepcionam. O roteiro e a direção desta adaptação parecem ter se esquecido disso.

Não há dúvidas de que toda a equipe envolvida na produção da série milionária, que iniciou em 2001 com “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, evoluiu e muito ao longo dos anos. O que começou como uma história bobinha protagonizada por inexperientes crianças com 11 anos é hoje uma série madura, com grandes atores. O trabalho de adaptação, um dos maiores desafios da produção, evoluiu da mesma maneira que os atores mirins, agora adultos respeitáveis. Os efeitos especiais estão ainda melhores e a cenografia continua impecável.

A produção teve o cuidado de manter os cenários explorados no filme anterior, algo que Alfonso Cuarón desprezou em “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban”. A fotografia deste novo longa-metragem segue as cores de “A Ordem da Fênix”, o que também ajuda a criar uma continuidade. Todos os detalhes do filme indicam que algo mais aterrorizante está por vir. Iluminação, fotografia e trilha sonora se unem para garantir que o sexto filme da série antecede tempos macabros.

É decepcionante, portanto, ver um filme que começou tão bem terminar de maneira tão abrupta, sem dar importância ao que os últimos momentos da trama significam para o final da série. Não é preciso ter lido todos os livros ou ser fã incondicional da história para notar a falta de desfecho deste capítulo e, principalmente, a ausência da ação. O filme se torna uma exibição de aventuras românticas sem profundidade. A série, que já deveria ter atingido a maturidade e, por quase toda a projeção, demonstra realmente ter evoluído, mas exagera nas explosões hormonais da puberdade.

O diretor David Yates, assim como Steve Kloves, roteirista de cinco dos seis filmes (ele só não assinou o quinto volume da série, a melhor das adaptações), têm a sorte de poderem contar com um elenco afiado. Daniel Radcliffe prova que tem o direito de ser o protagonista de uma das franquias mais rentáveis da história do cinema. Rupert Grint continua com um timing cômico impecável e Emma Watson diminuiu consideravelmente as caretas que marcavam sua atuação no início da carreira.

No entanto, é Jim Broadbent, no papel do engraçado e interesseiro professor Slughorn, quem rouba a cena. Sua participação é impecável e, assim como a talentosa Imelda Staunton fez em “Harry Potter e a Ordem da Fênix”, ele conquista com um personagem cheio de falhas, mas ainda sim irresistível.

Muito é irresistível na série Harry Potter. Personagens, heróis, vilões e subtramas tornam a história envolvente, mas é preciso talento para não estragar a magia. O que começa muito bem em “Harry Potter e o Enigma do Príncipe” termina sem o capricho que merece. Enquanto a história de Harry ruma para seu desfecho, o roteirista e o diretor também devem estar afinados com a evolução do resto da produção.

Lais Cattassini
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