Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 19 de junho de 2009

Traídos Pelo Destino

Terry George tinha em mãos uma história interessante, ainda que totalmente passional, sobre os valores humanos. Apesar disso, o roteiro perdeu seu brilho em uma direção maniqueísta e apelativa, que encontra em seu excelente cast a principal razão para não ser esquecido.

O ambiente doméstico é sempre um bom argumento para o cinema abordar tragédias de todo tipo, onde a desestruturação familiar traz à tona assuntos mal resolvidos e também cria outros maiores ainda. “Traídos Pelo Destino” usa e abusa dessa fórmula ao contar os desdobramentos da acidental e trágica morte de Josh Leaner (Sean Curley), um garoto de dez anos, na vida de seus pais, o professor Ethan (Joaquin Phoenix) e sua esposa Grace (Jennifer Connelly). Inconformados com a ação da polícia e sem nenhuma pista do culpado, o casal resolve contratar os serviços de uma firma de advocacia. É lá que o destino cumpre seu papel e acaba colocando-os frente a frente com Dwight Arno (Mark Ruffalo), o motorista culpado pelo acidente que vitimou Josh.

“Traídos Pelo Destino” é, sem dúvida, um filme sensível, ainda que maniqueísta, que discute as nuances da dualidade humana. De um lado temos Ethan, dolorido pela perda do filho, que personifica de forma muito lúcida o desespero dos que não conseguem ir em frente com a vida após uma grande tragédia. Do outro, somos apresentados a Dwight, um homem dominado pelo remorso, que vive seus dias atormentado pelo arrependimento, pela vergonha e pela dúvida de seus atos. No meio está a personagem Grace, uma mulher machucada que tenta colar os cacos quebrados de sua família e seguir em frente. Enquanto a tragédia se desenrola, a trilha sonora de Mark Isham, fraca e sem surpresas, pontua partes da história, aliada a uma fotografia indefinida.

Escrito a quatro mãos pelo diretor Terry George (duas vezes indicado ao Oscar de Roteiro por "Em Nome do Pai" e "Hotel Ruanda") e John Burnham Schwartz (autor do romance “A Estrada da Reserva”, em que o filme é baseado), a trama levita em três pontos, mas não se fixa em nenhum. Primeiro, tenta se aprofundar em questões jurídicas ao se referir a possíveis soluções para “resolver” ou achar culpados pela morte do garoto. Depois explora o social, na forma como os envolvidos passam a interagir com a comunidade onde vivem e, por último, parte para analisar a intimidade e os dramas particulares de cada um, os demônios que criam para suas vidas e como a partir daí o futuro lhes parece. O problema é que, apesar de ter em mãos bons instrumentos de trabalho, George não consegue transferir a responsabilidade central da história para lugar algum. Talvez por isso a trama acaba, aos poucos, tombando para uma reunião de clichês e para um desfecho que se coloca como apoteótico e redentor.

O diretor opta claramente por uma estrutura clássica, bem recortada, onde sobra dramalhão e falta ousadia. Talvez por isso, em vez de chocar ou deixar o espectador em transe, arranca lágrimas e sensações de déjà vu. Senão, vejamos: o objetivo que Leaner traça para si a partir da morte de Josh é egoísta e desequilibrado, onde nada mais tem sentido. A arbitrariedade da sua busca por justiça é obsessiva, levando sua mente a uma jornada emocional que atinge todos à sua volta, inclusive sua filha Emma (Elle Fanning). Esse comportamento é um desafio para sua esposa Grace, que tenta aos poucos realocar a vida em família para a nova realidade. Enquanto isso, Dwight luta com as retaliações que podem acometê-lo ao assumir sua culpa e de como isso pode afetar a sua relação com o filho Lucas (Eddie Alderson). E então? É ou não é uma sensação familiar?

Apesar da excelente introdução, o filme incomoda quando decide mostrar o sofrimento dos núcleos principais da história através de comparações. É totalmente despropositado querer expor contradições que são óbvias para o espectador, por meio dos maneirismos dos personagens, de seus cotidianos e suas personalidades, ou mesmo abusando de casualidades dentro da trama de uma forma totalmente equivocada. A narrativa é manipulativa – em muitos aspectos, de forma gratuita – quando é notório que não se trata de uma questão de bem e mal, mas sim de fatalidade e oportunidade. E dessa forma, por vezes apelativa, a história caminha para uma reviravolta que impressiona mais pela sinceridade da atuação do cast, do que pela tentativa velada de perdão que a direção tenta impor.

Este é o típico filme que encontra nas interpretações uma boa razão para ser lembrado. Joaquin Phoenix vive aqui um de seus melhores desempenhos. O ator soube utilizar sentimentos como raiva, impotência e obsessão de forma honesta e consegue fazer deste, um grande momento da sua promissora carreira. Jennifer Connelly encontra a dose exata de emoção para a sua Grace, manchada apenas pelas falhas da condução narrativa, já que há momentos em que as discussões do casal Leaner soam falsas e desprovidas de qualquer emoção. Realmente irretocável está Mark Rufallo que, com um personagem complexo, faz uma interpretação enérgica e comovente. E enquanto Mira Sorvino (ex-mulher de Dwight) passa incólume durante toda a projeção, Elle Fanning (irmã de Dakota Fanning) ganha pontos em uma atuação equilibrada.

“Traídos Pelo Destino” fica aquém do esperado em muitos sentidos. Peca pela falta de sutileza, ao utilizar a fórmula mais fácil ao coração do público, por parecer salvo na sala de edição e peca por manipular quem o assiste. O filme só ganha vida através dos personagens e, mesmo não sendo uma obra-prima, também não é uma produção descartável. Tem seus méritos… E eles são justos!

Debora Melo
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