Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 31 de maio de 2009

Donkey Xote

Uma releitura cômica de uma obra clássica da literatura mundial. Esse é o mote principal de “Donkey Xote”, animação espanhola que adapta as páginas do romance de Miguel de Cervantes y Saavedra, “Dom Quixote de la Mancha”. Realizado com o objetivo de levar a história ao conhecimento das crianças, o filme, no entanto, não faz jus (nem de perto) ao livro em que se inspirou e não vale nem mesmo como mero entretenimento.

Eleito, em 2002, como a melhor obra de ficção de todos os tempos, em votação organizada pelo Clube dos Livros Noruegueses, em que participaram escritores de reconhecimento internacional, “Dom Quixote de la Mancha” conta a saga de um cavaleiro sonhador e de seu inseparável amigo Sancho Pança por terras espanholas. O primeiro é um ávido leitor de romances de cavalaria que tenta construir sua vida à maneira de seus livros favoritos, seguindo à risca os valores cavalheirescos e buscando o seu idealizado amor. As séries de aventuras em que se envolve, levado por esses ideais fantasiosos, fazem Quixote se deparar com a realidade não tão boa do dia-a-dia. Amparado pelo realista amigo Sancho e cavalgando o preguiçoso cavalo Rocinante, o cavaleiro, entretanto, nunca parece desistir e continua à procura de sua companheira utópica, a simples camponesa Dulcinéia Del Toboso.

Já “Donkey Xote” possui uma trama mais simples e incrustada de personagens e fatos cômicos. A história é centrada em Rucio, o burro com pretensão de ser cavalo de Sancho que está cansado da falta de excitação em La Mancha. Ao saber que o Cavaleiro da Meia-Lua o desafia para um duelo em Barcelona em que o prêmio é Dulcinéia, Dom Quixote chama o seu fiel escudeiro Sancho e os dois, juntamente com os seus “cavalos” Rocinante e Rucio, partem em direção ao tão esperado sonho do cavaleiro.

No entanto, a aventura é um pretexto para que o invejoso amigo de infância de Sancho e Quixote, Sinistro, desconstrua a fama de heróis que os dois possuem na região, já que ele deseja ser tratado respeitosamente pelos moradores locais. Com isso, os amigos enfrentam ciladas e pegadinhas no caminho rumo à Barcelona, mas a amizade e o companheirismo entre os quatro personagens principais (e mais uma galinha metida) não os deixarão serem batidos pelos perigosos inimigos. Mal sabe Quixote que uma excelente surpresa o espera depois que as várias batalhas e as diversas mentiras forem vencidas e descobertas.

O longa tem início com a narração da história contada por Cervantes, que logo é interrompida pelo burro Rucio que se demonstra conhecedor da “verdadeira” trama que levou o escritor a produzi-la. A sequência que possui um ótimo ritmo e possui boas sacadas do roteiro funciona como uma espécie de falsa expectativa para o que está por vir. A falta de graça nessa película que se diz realizada por “produtores que assistiram a 'Shrek'” é o que mais chama a atenção, principalmente por se tratar de uma sátira.

Para começar, o roteirista Angel E. Pariente é incapaz de criar carisma em seus personagens. Mesmo o burro, que se mostra “despachado” na primeira cena, não mais causa risos no espectador até o desfecho do filme. A impressão é de que a produção não conseguiu retirar a seriedade dos personagens do livro, pois Quixote e Sancho nunca fazem nenhuma piada, e muito menos riem de alguma situação cômica. A opção pela não interatividade dos humanos com os animais impossibilita algumas piadas que poderiam ser feitas, além do desenvolvimento dos laços de amizade entre os personagens.

O roteirista também acaba escrevendo uma trama cheia de furos, em que cada ato subsequente não é justificado. A razão que leva Sinistro a tentar destronar Quixote de seu posto na cidade é o maior desses erros. Quando o personagem subitamente surge na sequência final de luta e é facilmente batido pelo cavaleiro, não conseguimos mais entender qual era o seu verdadeiro plano. Além disso, outros vilões que podemos chamar de “rebeldes sem causa” aparecem e desaparecem durante o filme apenas para aumentar o número de aventuras vividas pelos protagonistas. A previsibilidade do argumento é outro fator que prejudica bastante a qualidade da película. Por mais que seja uma releitura, faltou ousadia e criatividade para Pariente.

Já a direção de Jose Pozo também contribui consideravelmente para o fracasso da animação. As poucas cenas de ação que o roteiro lhe proporciona são dirigidas de uma maneira tão lenta, que logo pela metade do filme já olhamos desesperadamente para o relógio esperando pelo seu imediato fim. Nenhum novo recurso, que só as tecnologias atuais permitem, é utilizado por Pozo, de uma maneira que “Donkey Xote” possui um visual muito retrógrado se comparado com outras produções do gênero.

O fato de ser uma animação européia também não o insere entre longas artisticamente compromissados com inovações cinematográficas, como tivemos recentemente “Persépolis”. Para piorar a situação, o diretor também conta com uma trilha sonora repetitiva e que aposta muitas vezes em músicas românticas americanas para tentar conquistar um público pré-adolescente. Mas nada funciona.

Infantil, até mesmo para as crianças, “Donkey Xote” é um verdadeiro martírio para os espectadores ao longo de seus 90 minutos de duração. Será difícil alguma criança assistir ao filme e se interessar pelo romance original de Cervantes. Se algum pai quiser que o filho conheça a obra, a melhor dica é presenteá-lo diretamente com o livro e não levá-lo ao cinema.

Darlano Didimo
@rapadura

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