Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 06 de março de 2009

Watchmen (2009): um trabalho quase impecável de Zack Snyder

"Watchmen" foi feito para os fãs e não decepciona. Fiel à graphic novel, o filme respeita os enquadramentos, cores e falas que tornaram a obra tão especial. A história fantástica deve surpreender o público acostumado com os clichês dos heróis clássicos e formar novos admiradores.

Quem já teve o prazer de ler a graphic novel “Watchmen” sabe o desafio que o diretor Zack Snyder tinha em mãos ao realizar a adaptação para as telas. Dividida em 12 volumes, a criação de Alan Moore, autor do aclamado “Do Inferno”, e Dave Gibbons narra a saga de um estranho herói, Rorschach, ao desvendar a série de assassinatos cometidos contra vigilantes do passado. A medida que a história se desenvolve descobrimos as diferentes facetas dos policiais que decidiram fazer de Nova York um lugar mais seguro vestindo fantasias.

Os vigilantes, que formam o grupo Homens do Minuto, são pessoas comuns, bem treinadas e bem equipadas para impedirem que atrocidades sejam cometidas. Apenas um deles, Dr. Manhattan tem poderes. Vítima de um acidente nuclear o físico Jon Osterman, interpretado por Billy Crudup, se transformou em um poderoso ser azul, capaz de se transportar para qualquer parte do universo, movimentar objetos, realizar disparos de energia e prever o futuro, bem como reviver o passado.

É com a ajuda de Dr. Manhattan que os Estados Unidos vencem a guerra do Vietnã. A ameaça de um ser com poderes nucleares torna a relação entre Estados Unidos e União Soviética frágil. Com poderosas ogivas nucleares e em plena Guerra Fria, os dois países indicam ataques iminentes. A guerra pode destruir todo o planeta.

É no contexto pré-apocalipse que Rorschach percorre as ruas escuras de Nova York e tenta alertar Dr. Manhattan, Espectral II, Ozymandias e Coruja II das intenções de um vilão desconhecido. O Comediante, o anti-herói entre os vigilantes, é o primeiro a morrer. Não há pistas de quem será o próximo.

“Watchmen” é um filme sobre heróis. Sem poderes e, muitas vezes, sem escrúpulos, os vigilantes parecem agir mais por diversão do que por vontade em fazer do planeta um lugar melhor. Como pessoas comuns, os mascarados precisam lidar com problemas pessoais e aprender a deixar o passado no passado.

É essa a principal dificuldade dos vigilantes. Proibidos de agir contra o crime, eles abandonam as fantasias para acolher o mundo real. Alguns, como Hollis Mason (Stephen McHattie), o Coruja original, escreve um livro sobre as histórias do passado. Outros, como o homem mais inteligente do planeta Adrien Veidt (Matthew Goode), o Ozymandias, usa as imagens que se tornaram famosas para vender bonecos e produtos com o seu nome.

A trama complexa em que se envolve cada um dos personagens merece ser dissecada com a ajuda dos desenhos e cuidado dos quadrinhos. A dificuldade da adaptação está na riqueza de detalhes e na grandiosidade criativa de Alan Moore. Até mesmo o autor questionou a possibilidade de tornar a história um filme. O desafio foi aceito por Zack Snyder, diretor que já havia mostrado sua competência e talento para adaptações em “300”. Snyder se manteve fiel aos desenhos de Dave Gibbons e traz imagens ricas em detalhes e estilo. “Watchmen” não deve decepcionar os fãs mais ortodoxos.

O tempo que demorou a levar a história às telas foi recompensador. Com Hollywood mais madura, principalmente com relação aos efeitos especiais, foi possível criar ações realistas. O Dr. Manhattan de Crudup não abandona as feições humanas, mas é irreconhecível por detrás do imóvel rosto azul brilhante. O personagem transita entre a Terra e Marte e seus poderes parecem reais, algo que era possível apenas nos quadrinhos há alguns anos.

O sucesso de “Sin City” e “300” também preparou o terreno para a criação de um longa-metragem que respeitasse a obra original e fosse aprovada pela grande base de fãs dos quadrinhos. Os leitores de “Watchmen” irão reconhecer os cenários, os enquadramentos e as falas em cada um dos frames do filme. Mesmo com alguns detalhes de fora, a essência de “Watchmen” está fortemente presente no trabalho de Snyder.

Cenas de ação não podem faltar em um filme de heróis e elas não são poucas em “Watchmen”. Como nos quadrinhos, cada golpe aplicado recebe uma atenção especial. Os movimentos são ainda mais apreciados pelo espectador, que é convidado a examinar as quedas em câmera lenta. O estilo foi bastante utilizado pelo diretor em “300” e ganha mais vigor com as cores de “Watchmen”, ambientado nos anos 80. A fotografia é cuidadosa e colabora para criar um ambiente fiel ao cenário desenvolvido por Alan Moore. Nova York é uma cidade preparada para o apocalipse.

A trilha sonora é um espetáculo a parte. A mistura de sons populares e música erudita diverte e envolve. As escolhas foram acertadas, mantendo o público sintonizado ao trajeto dos personagens e aplicando o humor nos momentos necessários. O aspecto brega dos anos 80 é precisamente retratado através das canções, algo que valoriza ainda mais a obra.

O contexto complexo de “Watchmen” torna o filme, de 163 minutos, confuso. Nem mesmo a edição dinâmica consegue explicar todos os detalhes do universo da graphic novel. O longa-metragem parece ter sido feito principalmente para os fãs. Apesar de deixar alguns aspectos obscuros para quem nunca leu a obra original, a experiência não deixa de ser válida. A ótica sobre os super-heróis proposta pela história desconstrói os clichês dos filmes baseados em quadrinhos que ganharam força na última década. O trabalho impecável de Snyder deverá convidar novos leitores a descobrir o mundo de “Watchmen”, algo indispensável.

Lais Cattassini
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