Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 24 de janeiro de 2009

Um Faz De Conta Que Acontece

Histórias fantásticas que se refletem no mundo real. Por mais que a premissa pareça batida e o título não seja nem um pouco atrativo, esta comédia de Adam Sandler consegue ser um bom programa para todas as idades.

Assistir aos filmes para às crianças durante o período de férias tem sido uma tarefa bem desgastante para os pais ou qualquer adulto que queira ter muitas opções nos cinemas. Isso porque o que não faltam são produções que parecem testar o nível de infantilidade do público-alvo. Eis que surge este “Um Faz de Conta Que Acontece” (infeliz tradução de "Bedtime Stories"), primeira excursão do comediante Adam Sandler pelos estúdios Walt Disney. Aquela velha história de conto de fadas que acaba virando realidade pode ser mais do que ultrapassada (só em 2008 tiveram dois filmes do tipo: “Viagem ao Centro da Terra” e “Coração de Tinta”), mas, o modo como a trama é apresentada, acaba sendo um tanto diferente, e, juntamente com o humor típico de Sandler, fazem desse longa uma grata surpresa.

Na trama, Sandler vive Skeeter Bronson, o faz-tudo de um hotel, cuja vida muda para sempre quando as histórias que ele conta quando põe sua sobrinha e seu sobrinho para dormir misteriosamente começam se transformar em realidade. Ele tenta tirar vantagem do fenômeno, incorporando suas próprias aspirações pessoais em histórias cada vez mais bizarras, porém são as contribuições inesperadas das crianças que viram a vida de Skeeter de cabeça para baixo. Ao mesmo tempo, ele recebe uma proposta para concorrer ao cargo de gerente de um hotel de luxo que será construído, e ele tentará tirar proveito dos acontecimentos estranhos.

O grande mérito de “Um Faz de Conta Que Acontece” é que, mesmo sendo um filme voltado para as crianças, em nenhum momento ele deixa de canto de parede os adultos. Para isso, o roteiro de Matt Lopez e Tim Herlihy (este, um velho conhecido de Sandler, pois trabalhou com ele em “Afinado no Amor” e “Click”) prima por manter os acontecimentos sempre dentro da realidade, fugindo do fantástico.

Aqui, nada de os personagens se transportarem para o mundo da fantasia e encararem aventuras de outro mundo. O que acontece é que Sandler conta uma história fantástica e, no dia seguinte, fatos semelhantes acontecem ao seu personagem, porém, tudo dentro de um contexto factual. Por isso, sempre fica interessante para o espectador assistir à historinha, deixando a curiosidade no ar de como ela irá se desenvolver em seguida com o personagem propriamente dito. Assim, nada é óbvio demais: a mulher que ele imagina na história pode ser outra na vida real, personagens podem aparecer em forma de objetos, etc. Vale ressaltar, a brincadeira do paralelo entre o mundo real e o fantasioso é muito bem refletida na criativa cena da chuva de bolas de chiclete.

Para incrementar a produção, piadas típicas dos filmes de Sandler estão presentes aos montes (com exceção das de apelos sexuais), dando um grande chamariz aos seus admiradores. Ver um Porquinho da Índia soltando flatulência, ver um anão o agredindo gratuitamente, ver o protagonista empurrar um malabarista de fogo na piscina sem piedade, vê-lo falando em um momento crucial com a língua de fora sem o público entender nada do que ele diz… acabam sendo momentos que certamente irão agradar os apreciadores do bom e velho humor pastelão. O simples visual do tal Porquinho da Índia chamado Zoiudo (o nome já explica a piada) é repetida aos montes e nenhum momento deixa de ser cômica. Como não poderia faltar, o eterno parceiro de Sandler, Rob Schneider, faz sua tradicional participação especial, novamente em um personagem picareta.

Depois dos fracos “Operação Babá” e “Doze é Demais 2” (detalhe que os dois mostravam as dificuldades de algum adulto ao lidar com crianças, algo que se repete aqui), o diretor Adam Shankman usa e abusa de seu “conhecimento” sobre comédias infantis, deixando o tom sempre leve durante a projeção e com aquela cara típica de Sessão da Tarde, pegando também um pouco do visual exagerado e muito colorido usado por ele em “Hairspray – Em Busca da Fama”. Esse exagero visual é mais do que visível nas sequências de encenação das histórias fantasiosas, adotando uma visão quase de teatro infantil, algo um tanto incômodo para os mais velhos. Mesmo assim, ele se redime com a série de referências pop distribuídas ao longo da projeção, como a "Star Wars", "Gladiador", e Buzz Lightyear, de "Toy Story". Sem falar na personagem de Teresa Palmer, estereotipada como a patricinha loira, filha de um grande dono de rede de hotéis, que vive cercada por paparazzi por causa da sua badalada vida noturna. Será que isso lembra alguém?

Uma pena que, ao mesmo tempo em que o longa proporciona muitos momentos engraçados, também existem muitos dispensáveis. O personagem débil mental Mickey (vivido de maneira bem exagerada por Russell Brand), por exemplo, chega a ser irritante toda vez que aparece em cena e poderia muito bem ser cortado. Vê-lo passando batata-frita na testa ou dando surtos enquanto dorme não causam risos algum. Muitas tiradas são bem fracas, como a dos protagonistas vendo figuras nas estrelas ou do encontro com as “amigas” de infância. Não poderia deixar de citar o Transtorno Obsessivo Compulsivo de Barry Nottingham (Richard Griffiths) em não querer tocar em ninguém por causa dos vermes que não acrescenta em nada à trama, e o desenvolvimento do ato final que se dá de maneira bastante forçada e um tanto sem sentido. São detalhes que as crianças deixarão passar desapercebido, mas só elas.

Há de se convir que grande parte do mérito da produção é pelo carisma de Adam Sandler. Tudo bem, assumo que não sou nenhum fã e reconheço que ele já fez muitas besteiras por aí. Mas é inegável que ele tem aquele jeito de tiozão de família, meio distante, mas que quando chega sempre deixa um clima agradável. E, vejam só, esse é exatamente o seu papel. Novamente ele vive bem um sujeito comum, inseguro e sem sucesso com mulheres que tenta ao seu modo dar a volta por cima. Keri Russell cumpre bem o seu papel como interesse amoroso do protagonista, vivendo aquela típica mulher sem vaidades e de bom coração, algo que combinou com a eterna “Felicity”. Já Guy Pearce, como o vilão Kendall, exagera nas expressões canastronas, tornando seu personagem muito caricatural.

“Um Faz de Conta Que Acontece” consegue agradar em cheio o público-alvo que são as crianças, e certamente não decepcionará aos mais velhos. É o tipo de filme que se pode assistir sem medo para passar o tempo, se divertir durante uma hora e quarenta minutos e depois cair no esquecimento. Curioso que na sessão em que assisti, ao fim, várias crianças vibravam, aplaudiam e algumas na minha frente falavam alto “que filme legal, vai ter que ter o dois”. Nesse caso, um é bom e dois…

Thiago Sampaio
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