Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Emma

Com ares de filme feito para a televisão, “Emma” talvez seja a adaptação mais fraca para os cinemas de um dos livros de Jane Austen. Apesar de ser praticamente capítulo por capítulo, não existe nada que realmente chame a atenção, e pior: o carisma de seus personagens principais é quase zero.

Com um lugar privilegiado na sociedade britânica da época, Emma Woodhouse (Gwyneth Paltrow) tem certeza de que casar não é uma de suas prioridades. Por ser extremamente rica e ter direito à herança que virá a receber do pai, diferente das moças da época (que em sua maioria só pensavam em encontrar um bom marido), ela prefere treinar arco e flecha a ter de encarar um possível pretendente. Portanto, ela decide que, já que não precisa de um marido, tentará usar de sua boa posição para conseguir um bom partido para sua amiga Harriet Smith, já que esta está prestes a se casar com um homem que Emma desaprova: um “reles” fazendeiro. Porém, jogar com o coração alheio nem sempre é fácil como parece.

Geralmente, obras de Austen adaptadas para as telas revelam o melhor do universo britânico nos cinemas: os atores são impecáveis, a trilha sonora é um daqueles marcos que engrandecem a trama e a fotografia é de encher os olhos de qualquer espectador. Essas são, respectivamente, as principais falhas deste trabalho. Onde deveria primar, ela peca. Isso sem falar da ironia fina, uma marca registrada da autora que é simplesmente inexistente nessa película. É tudo muito fraco, sem imaginação e, portanto, sem vida: exatamente o contrário do que se geralmente é extraído de histórias da britânica.

A Emma de Gwyneth Paltrow não poderia ser mais enjoativa e sem atrativos. Além de interpretar de maneira débil a problemática Emma, que acredita ter o mundo em suas mãos, Paltrow ainda força a paciência de quem assiste ao tentar usurpar o usual e tradicional sotaque britânico. Somado a isso, coloque o fato de que Jeremy Northam, seu par romântico em cena, tem química zero com ela. Uma comédia romântica que não traz uma forte química entre seus personagens principais está fadada a ser mal-sucedida, essa é quase uma regra geral e básica. Ainda sobre o elenco, Toni Collette e Ewan McGregor talvez sejam os únicos elementos capazes de serem salvos nesse ilógico filme. Collette como a inocente e cabeça-oca Harriet e McGregor como o deselegante Frank Churchill.

Emma, que deveria girar o filme inteiro em si mesma (já que tudo é voltado para o universo que acontece ao seu redor e as histórias que ela modifica com pequenos toques), perde-se na falta de criatividade de um roteiro que, por si só, já amarra seus atores. Onde já se viu matar diálogos daquela maneira? Entre outras qualidades, o texto mundialmente conhecido de Austen trazia de maneira sutil uma crítica severa à futilidade e hipocrisia da sociedade da época, que muitas vezes não precisavam sequer ser escritas no papel para serem entendidas. Isso faz com que a história seja quase divertida, quase romântica, quase interessante; mas é isso: uma sucessão de “quases”, já que o principal falta.

Até o longa-metragem teen “As Patricinhas de Bervely Hills” consegue ser mais interessante de ser assistido. E aqui vale uma pequena observação: na época, a diretora e roteirista de “Patricinhas”, Amy Heckerling, disse ter se inspirado em “Emma” para a produção de seu trabalho. Mas não se engane: o filme é inteiramente pautado no livro, de cabo a rabo, modificando apenas os nomes dos personagens e uma besteirinha aqui e outra ali.

Correndo o risco de ser ainda mais chata em relação aos pecados cometidos aqui, resta adicionar a falta de tato e bom senso da fotografia e do figurino. A imagem traz um daqueles efeitos de edição que faz com que fique com um brilho a mais em cena, com um tom amarelo que quase dói na vista de tão forçado. Nem mesmo os belos campos, castelos e casas inglesas conseguem salvar a fotografia.

No final das contas, é frustrante ver um ótimo enredo ser reduzido a um filme onde o diretor parece não saber onde pisa. Entre muitas bolas fora, o diretor Douglas McGrath, que, coincidentemente, também assina a adaptação, ainda cai no exagero de querer complicar tanto alguns de seus enquadramentos, que estes acabam tendo seus feitiços revirados contra o feiticeiro. Assim como Emma, ele acaba percebendo que quanto mais força a cena, pior ela fica. Pelo menos essa lição do livro ele deve ter aprendido.

Beatriz Diogo
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