Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 04 de julho de 2008

Kung Fu Panda (2008): uma homenagem aos bons e velhos filmes de kung-fu

Apesar de não ser um novo clássico do cinema - e nem se propor a tanto -, "Kung Fu Panda" é uma animação bastante agradável e divertida, bem como uma ótima homenagem aos filmes de kung-fu de outrora.

Momento de confissão pessoal: Eu adorava aqueles filmes de kung-fu de antigamente. Tinham dublagens toscas, lutas impossíveis e atuações exageradas, mas eram simplesmente emocionantes de ver. As tramas eram diretas e francas, contando com personagens bastante simples, guiados por valores como honra e justiça, sem contar os vilões altamente estilosos. Pois bem, “Kung Fu Panda” possui tudo isso, além de ter um visual altamente rebuscado, como somente os melhores computadores e técnicos da Dreamworks Animation poderiam prover.

Vamos à trama: no idílico Vale da Paz, vivia um panda chamado Po. Seu pai, por incrível que pareça, é um marreco, dono de um restaurante no qual nosso herói passa seus dias servindo clientes. Em seu tempo livre – e nos seus sonhos -, Po fantasia com os Cinco Furiosos, os maiores lutadores de kung-fu do mundo e seus ídolos, que vivem em um templo acima de uma montanha, logo a seu lado. Os guerreiros são o tranqüilo Garça, o ágil Louva-a-deus, a Víbora, o zen Macaco e a habilidosa Tigresa.

Certo dia, o sábio e velho mestre Oogway prevê o retorno do maligno Tai Lung, antigo discípulo do amargo Shifu. Ao ser alertado de tal profecia, Shifu logo coloca os Cinco Furiosos em prontidão, para que um deles se mostre merecedores dos conhecimentos contidos no pergaminho do dragão e possa enfrentar o vilão. O escolhido seria apontado por Oogway em uma exibição pública de habilidades dos lutadores.

No entanto, por conta de uma série de incidentes bizarros, o atrapalhado Po acaba por ser escolhido como aquele que receberá o pergaminho e enfrentará Tai Lung. Como o mestre Oogway aponta, “não existem acidentes“, o que obriga Shifu a treinar o grande e desastrado panda, que não é bem-visto pelos Cinco Furiosos. Visando fazê-lo desistir, Shifu o coloca em rigorosas sessões de tort… opa, treino. No entanto, Po está feliz apenas em estar lá, junto de seus ídolos, sem saber que Tai Lung está cada vez mais próximo e ansioso em tomar para si os misteriosos ensinamentos do pergaminho do dragão.

Como vemos, a história é bastante parecida com a de tantos filmes de artes marciais já vistos e revistos. O que muda aqui é justamente a personalidade do protagonista. Po é o típico fanboy, colecionando pinturas e bonecos de seus ídolos e sonhando ser um grande lutador. Quando a chance aparece, ele a agarra, não ligando em passar por tudo que Shifu coloca em seu caminho. Pelo contrário, ele parece estar adorando ser espancado periodicamente pelos Cinco Furiosos em seu “treinamento”.

Atrapalhado e glutão, as únicas coisas que interessam para ele são Kung-Fu e comida – não necessariamente nesta ordem. O mais interessante sobre o Po é por ele ser alguém que definitivamente não se encaixa no mundo do seu pai – nem o tamanho do restaurante é adequado para ele, e o fato de pai e filho pertencerem a diferentes “espécies” explica, de maneira muito gráfica, suas diferenças.

O outro grande personagem do filme é o sofrido Shifu. Após ter investido muito – emocionalmente falando – em Tai Lung, tendo-o como um filho, ele não conseguiu perceber a tempo no que seu discípulo estava se tornando. Sua trajetória é bastante trágica e ele sabe que grande parte do mal causado pelo vilão é culpa sua, o que torna a sua missão bem mais pessoal e o treinamento para com seus outros pupilos deveras frio. Quando Oogway escolhe Po como merecedor dos conhecimentos secretos, ele toma isso como um insulto para tudo o que passou, o que reflete diretamente em seu tratamento com o recém-chegado.

A dinâmica entre esses dois personagens, o cômico e o dramático, é que dão ao filme todo um ar especial. Infelizmente, pouco sobra para os coadjuvantes do longa. Os Cinco Furiosos possuem tempo insuficiente em cena e, embora estrelem uma fabulosa seqüência em uma ponte, são deveras desperdiçados, principalmente nos casos do Macaco e da Víbora, que passam o filme praticamente em branco. Isto é uma pena, já que a mais proeminente dentre os Cinco Furiosos, a Tigresa, realmente possuía uma história com potencial a ser explorado. Já o vilão, Tai Lung, ganha algum destaque justamente por seu envolvimento com Shifu e o tememos por este ser capaz de intimidar o experiente lutador.

Nos aspectos técnicos, “Kung Fu Panda” surpreende. Adotando um visual mais caricato em seus personagens, a animação se desprende de qualquer compromisso com o realismo – como um bom filme de artes marciais dos anos 1980. No entanto, os animadores capricharam na movimentação dos personagens, que possuem uma musculatura que responde muito bem aos movimentos, com tal característica se destacando principalmente em Po, já que ele possui uma massa corpórea bastante evidente.

Além disso, as seqüências de ação desenvolvidas pelos diretores Mark Osborne e John Stevenson são de tirar o chapéu por sua beleza plástica. Por falar nisso, a direção de arte do longa incorpora elementos visuais da cultura chinesa em cada fotograma da produção.

Não posso deixar de falar da dublagem brasileira, que cometeu alguns pecados bastante graves na escolha do dublador do protagonista. Enquanto Jack Black se mostrou descontraído como a voz original de Po, Lúcio Mauro Filho (“Os Porralokinhas”) parece não conseguir se soltar no personagem, sem impor metade da energia do extrovertido Black. Já a Tigresa, com voz de Juliana Paes (“Mais Uma Vez Amor”), parece sofrer de uma apatia incrível, simplesmente não tendo presença nenhuma, ao contrário da voz mais selvagem dada por Angelina Jolie na versão americana da fita.

Porém, o experiente dublador Leonardo Camillo (o Ikki em “Cavaleiros do Zodíaco”) foi capaz de colocar em Shifu toda a força e a carga dramática do personagem, não fazendo feio na comparação com Dustin Hoffman. Honestamente, é hora dessa política adotada pelas distribuidoras de colocar atores “globais” dublando personagens-chave em animações ser revista.

Apesar de suas pequenas falhas, “Kung Fu Panda” possui virtudes de sobra para agradar tanto aos pequenos, que irão adorar as estripulias de Po, quanto aos mais velhos, que se deleitarão com as referências aos bons e velhos filmes de kung-fu produzidos por Hong Kong. Recomendado.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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