Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 02 de janeiro de 2008

Xuxa Em Sonho de Menina

A tortura anual de filmes da Xuxa presenteia este período natalino com “Xuxa Em Sonho de Menina”, mais uma investida fracassada da apresentadora infantil no cinema.

Poderia fazer toda uma análise para Xuxa e seus projetos sem sucesso, mas estaria sendo repetitivo, já que não se difere muito do que eu escrevi na crítica de “Xuxa Gêmeas” em 2006. Fazendo filmes para as crianças e esquecendo de investir em qualidade, acho até ilógico uma crítica apurada de produções indignas. Mas o que então gera os investimentos em mais e mais filmes da loira? A arrecadação. Não que todas as crianças fiquem ansiosas todos os anos por um filme da Xuxa, mas porque é uma opção que os pais têm em levar os filhos ao cinema, e aí são dois bilhetes pagos. Considerando que filmes infantis demoram semanas para sair de cartaz, acaba rendendo bastante para os produtores e para a própria Xuxa..

Em “Sonho de Menina”, Xuxa interpreta Kika (não entendo as mudanças de nome, todo mundo sabe que ela é ela), uma professora de matemática que é adorada por seus alunos por ensinar a matéria de uma forma impossível de não aprender. Mesmo feliz na profissão, Kika tem o sonho de ser atriz. Para isso, acaba seguindo os conselhos da amiga Lara (Alice Borges) e pretende ir ao Rio de Janeiro para um teste. Na rodoviária, Kika acaba conhecendo a Vozinha (Dirce Migliaccio) e sua neta Juju (Raquel Bonfante), além de um grupo de alunos prestes a entrar em uma excursão. Tendo perdido a carteira com dinheiro e documentos, Kika acaba recebendo a ajuda de Vozinha para comprar sua passagem. Antes de embarcar, a protagonista tira um cochilo e… sonha! É na não-originalidade do sonho que tudo acontece, uma aventura onde Kika volta a ser criança e se mete em confusões.

Rudi Lagemann teve o pepino nas mãos de dirigir a história escrita por Flávio de Souza, que já é familiarizado com filmes infantis e comédias meia-boca, como o próprio “Xuxa Gêmeas”, “Didi e o Caçador de Tesouros” e a adaptação para o cinema de “Trair e Coçar, é Só Começar”. Lagemann se destacou ano passado ao conduzir o bem aceito “Anjos do Sol”, e logo no início da carreira já consegue se sujar. No novo filme da Rainha dos Baixinhos, não é possível perceber o mínimo de apuro técnico, deixando claro que o diretor ficou tão perdido quanto o roteirista. Lagemann até tenta entrar em processo criativo para algumas cenas, como a do começo, em que a câmera acompanha o quarto de Kika criança e termina no de Kika adulta, demonstrando passagem do tempo, mas o máximo que ele consegue é entediar nos créditos iniciais.

A história de Flávio de Souza tem mais qualidade do que o péssimo “Xuxa Gêmeas”, mas ainda assim faz questão de ressaltar a apresentadora como criança. Há sempre o momento em que Xuxa se iguala ao público, seja no modo de se vestir ou de conversar por telepatia com um ursinho chamado Bebeto. Xuxa já tem quarenta e tantos anos e o principal motivo do fracasso em suas investidas televisivas ou cinematográficas é permanecer no de sempre. Se for analisar os últimos filmes e especiais da loira, todos seguem o mesmo formato, só mudam o cenário e os atores. A história é a mesma, os momentos de redenção são os mesmos e as lições nunca mudam. Em tempos onde crianças crescem assistindo a entalados como “High School Musical” e “Rebelde”, ou até mesmo seriados onde a inocência não é permitida, é bastante raro achar que este público vai se enganar com as histórias patéticas que a Xuxa se mete a fazer. Isso pode ser comprovado com a reação das crianças nas salas de projeção. As piadas não funcionam e o elenco não tem carisma. O máximo que elas podem aprender é a soltar pum com o cotovelo, como a loira faz questão de ensinar em determinado momento do filme.

O elenco adulto é desperdiçado em uma história que nenhum personagem é aprofundado, a não ser a própria Xuxa ou sua miniatura, a simpática Letícia Botelho. Nomes como Betty Lago e Dirce Migliaccio são jogados ao léu como se fossem meras iniciantes no audiovisual. Acima de tudo, existem atores nacionais que merecem ser preservados, e não ridicularizados. De onde tiraram a idéia de que a Vozinha, papel de Migliaccio, é praticamente a mesma da Chapeuzinho Vermelho? O interesse amoroso de Kika é vivido pelo talentoso Carlos Casagrande, mas só aparece duas vezes em cena e pouco convence que eles serão felizes para sempre. Por sinal, na cena final eles se reencontram em uma manifestação e… começam a pular alegremente. Sim, eles estavam em uma manifestação social… e pulam alegremente! O comediante Serjão Loroza pouco tem o que fazer e é mais um talento fora do barco. O elenco infantil é deprimente, salvo alguns dos garotos do Clube do Bolinha. As crianças não passam de protótipos de bonzinhos e malzinhos que se entendem no final.

Outro detalhe irritante no longa é a trilha sonora. Na realidade todos os aspectos técnicos são lamentáveis, mas a trilha e a sonoplastia consegue ser vergonhosa. Além das músicas invariáveis que acompanham os heróis na história, o público ainda tem que presenciar o uso constante de BGs de ‘toin’ e coisas do tipo para “fazer graça” na história. Chega a aparentar que a equipe técnica está fazendo um daqueles quadros do programa infantil da Xuxa, sem a mínima responsabilidade de ter uma postura cinematográfica. Além disso, a direção de arte e a edição são inadequadas, estourando a tonalidade de vários quadros ou não conseguindo dar o caminho certo para a história. Os efeitos visuais são amadores, mas pelo menos a protagonista consegue ensinar uma Regra de Três no ar (em uma conta que qualquer criança de doze anos faz de cabeça).

Como declarei em “Xuxa Gêmeas” e venho adotando isso nestas cento e tantas críticas que já escrevi para o CCR, não acho que um filme, por pior que seja, mereça a nota Zero. Sempre há algo que se salve, ou até o esforço em fazer algo digno para o público alvo. Entretanto, “Xuxa Em Sonho de Menina” será aclamado com essa nota redonda. E Xuxa, se você estiver lendo, move on, baby!

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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