Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 08 de novembro de 2007

Vida Secreta das Palavras, A

Da produtora de Pedro Almodóvar, “A Vida Secreta das Palavras” é um filme sensível e delicado sobre as diferentes formas de sentir dor e o poder que o amor tem de, senão curá-la, amenizá-la. As atuações marcantes de Sarah Polley e Tim Robbins são, sem favor algum, o melhor da película.

Hanna (Sarah Polley) é uma jovem mulher que trabalha em uma indústria têxtil. Portadora de deficiência auditiva, ela parece viver em um mundo só seu. Introvertida e solitária, não interage com os outros funcionários. Hanna ainda mantém hábitos comuns a uma pessoa que sofre de transtorno obsessivo-compulsivo. O sabonete em sua casa é trocado a cada novo uso dele e seu almoço é sempre o mesmo: arroz, frango e maçã. Um dia, a rotina de Hanna é quebrada quando o diretor da fábrica a convoca para uma reunião. Imaginando-se demitida, ela descobre que, na verdade, precisa tirar um mês de férias, já que nunca o fez nesses quatro anos de emprego. Caso contrário, a fábrica poderá ter problemas com o sindicato.

Seguindo o conselho do diretor, Hanna vai para longe. Porém, ao invés de sombra e água fresca, ela acaba aceitando um novo trabalho por um breve período. Em uma plataforma de extração de petróleo, houve um incêndio que deixou um morto e um outro gravemente ferido. Ela fará às vezes de enfermeira cuidando de Josef (Tim Robbins) enquanto seu quadro não se estabiliza e ele pode ser transferido até um hospital. Ao chegar, Hanna é a mesma que trabalhava em terra firme, mas alguma coisa naquele local, provavelmente a sua semelhança com aquelas poucas pessoas tão isoladas quanto ela, a faz pouco a pouco mudar. Em alguns dias, ela será capaz de sorrir, comer outros pratos e até esboçar conversas.

É certo que sua relação com Josef se torna fator mais decisivo nesta mudança. Através do convívio com ele, ela deixa de lado o silêncio e a cara amarrada até se entregar por completo em uma das cenas mais comoventes que o cinema já viu. Assim, as palavras do título surgem para revelar o passado de terríveis segredos dos dois protagonistas. A diretora Isabel Coixet constrói um trabalho delicado sobre temas delicados e não poderia haver melhor escolha para a dupla principal do que Robbins e Polley. Os dois são brilhantes e generosos. Cada um faz à sua maneira a escada para o outro, garantindo cenas de destaque para ambos sem a disputa pelo centro das atenções.

Outras escolhas, no entanto, parecem equivocadas. Apesar de nomes como Antony and the Johnsons e Blood, Sweat and Tears, a trilha sonora parece fora do lugar. As ótimas músicas surgem nos momentos mais inesperados e não encaixam com o que é visto ou vinha sendo contado. Uma amiga sugeriu que talvez fosse essa a intenção de Coixet. Talvez, mas me pareceu não usual. Outro detalhe que chama a atenção é a câmera parada, quando a ação se dá quase em sua totalidade em uma plataforma sobre o mar. O roteiro, também da diretora, ameaça aprofundar-se nos outros personagens em cena, mas desiste. A sensação que fica é a de que podíamos ter tomado conhecimento do que os movia e os mantinha ali, naquele local. Em alguns casos, como o do personagem de Javier Cámara, parece que vamos chegar lá. Em outros, a câmera nem se dá ao trabalho de demorar-se.

Apesar dessas falhas, Isabel Coixet faz de seu “A Vida Secreta das Palavras” uma história de amor entre aqueles que passaram por tanto que já nem mais imaginavam que o amor era passível de existir e ser permitido a eles. Sem parecer piegas nem sensacionalista, o relacionamento de Hanna e Josef mostra-se dos mais possíveis de acontecer e comove a platéia facilmente.

Igor Vieira
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