Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 27 de outubro de 2007

Jogos Mortais 4 (2007): o desgaste é perceptível, mas ainda funciona

A prática anual da franquia de horror-trash “Jogos Mortais” chega em mais um Halloween para continuar embrulhando o estômago do público com os jogos psicóticos de Jigsaw. A quarta história vem para desvendar aguns segredos do vilão sociopata e mostrar muita carnificina em cena.

Após a morte de Jigsaw e Amanda no filme anterior, muito foi questionado sobre como seria a volta dos vilões para a franquia. Certamente, “Jogos Mortais” é um dos filmes que têm o privilégio de inventar e reinventar quantas histórias forem precisas, mesmo com seus vilões mortos. E o faz. Para quem ainda tinha a esperança que a garganta cortada de Jigsaw em “Jogos Mortais 3” fosse apenas um artifício para o personagem sair ileso mais uma vez de sua obsessão, aceitem que desta vez ele morreu mesmo. O terceiro longa foi verdadeiramente um massacre dos personagens, deixando questionamentos de como seria o quarto filme. Então, finalmente chegou a hora de conferir até onde a franquia tem a criatividade de se manter original e interessante.

Em “Jogos Mortais 4”, o comandante Rigg (Lyriq Bent), da SWAT, fica perturbado quando encontra o corpo de sua antiga parceira, a detetive Kerry, em uma das armadilhas de Jigsaw (Tobin Bell). Obcecado por descobrir mais sobre o assassino e acabar com a onda de assassinatos, o comandante é acompanhado por dois veteranos do FBI, o agente Strahm (Scott Patterson) e a agente Perez (Athena Karkanis). Os dois ficam designados de traçar o perfil psicológico de Jigsaw e Amanda (Shawnee Smith), e ajudam o detetive Hoffman (Costas Mandylor) nas investigações. O que eles não sabiam (ou poderiam apenas desconfiar) é que os jogos do assassino realmente não terminaram. Todos os personagens entram em mais jogos arquitetados por Jigsaw, além de terem a responsabilidade de estourar o cativeiro de um possível ajudante do vilão.

O filme continua impiedoso. A cada nova produção imaginam-se os possíveis jogos que serão realizados por Jigsaw, mas mesmo esperando o máximo de miolos e sangue, ainda consegue impactar. Desde a autópsia de Jigsaw até o mais “simples” dos jogos, é impossível não fazer careta ou senti ao menos mal estar. Não considero que a estratégia extremista da franquia de colocar armadilhas sádicas seja desnecessário. Quem acompanha desde o primeiro longa já pode ter percebido que Jigsaw não é um assassino direto. É até por isso que seus princípios ainda são válidos para novos filmes, porque ele não mata ninguém diretamente. Ele é como se fosse o justiceiro de um mundo de criminalidade onde as pessoas escolhem se importam ou não com algumas coisas para viverem melhor. Jigsaw põe suas vítimas em uma situação onde precisam decidir entre o sofrimento, a morte e a vida. Poucas conseguem sair, e nenhuma é vista como coitadinha por não estarem ali por acaso.

A cada filme dá a impressão que Jigsaw arquitetou no mínimo cinqüenta anos de tortura, independente de sua morte. O legado do personagem se dá ao luxo de prever o futuro e usar isso para novos planos mirabolantes. Nesta quarta aventura, o diferencial está em fazer com que os personagens, diretamente ou não, participem de jogos de vida ou morte. A realidade é que todos nós estamos em situações constantes na busca pela sobrevivência. A violência social e a incerteza de se a noite estaremos em casa para ter uma boa noite de sono perturba a atual condição da sociedade. Em “Jogos Mortais 4”, tanto o comandante Rigg quanto os agentes do FBI participam e provocam novos jogos. É como se Rigg estivesse sendo recrutado para aderir à mente de Jigsaw e, quem sabe, continuar com seus planos mirabolantes. Já os agentes do FBI passam por armadilhas nas quais precisam escolher entre o bem o mal. Em paralelo, máquinas de morte são mostradas para os personagens secundários.

A mudança de roteirista deste quarto filme para os novatos Marcus Dunstan e Patrick Melton podia ter desnivelado a franquia. Nada como os criadores originais para dar vida ao universo fantástico do vilão. Entretanto, percebemos que Dunstan e Melton tiveram o cuidado em conhecer a fundo cada passo da série. Isso fica claro por terem conseguido incorporar elementos dos filmes anteriores, podendo misturar com eficácia elementos antigos com novos. Com isso, os roteiristas estabelecem que é preciso ter um conhecimento básico da franquia para que “Jogos Mortais 4” seja entendido. Mesmo assim, a falha da história está em justamente tratar essas questões anteriores com muita rapidez, sem dar o tempo certo para os espectadores compreenderem o que está acontecendo. Esta corrida contra o tempo pode embaralhar a cabeça de muita gente, mas ao final da projeção tudo parece se amarrar corretamente. Com essa estratégia, inúmeros flashbacks são plantados na trama, uns para situar, outros inéditos para revelar o passado do Jigsaw. Na primeira metade do filme, os flashbacks são bem posicionados, mas nos momentos finais, aumenta a pressão do filme e já não parecem tão didáticos.

Dunstan e Melton se afastaram do amadorismo e mostraram a capacidade em fazer interligações interessantes dos personagens. Os dois brincam com as ironias dos jogos e mostram-se sádicos por revelarem mais de perto ainda os planos de Jigsaw. Outro acerto está em trazer finalmente à tona os motivos pelo qual o vilão começou seus jogos. Vê-lo montando a primeira armadilha, capturando a vítima e proferindo suas primeiras falas que, mais tarde, estariam ameaçando novas vítimas nas fitas, é simplesmente assustador. Desde o segundo filme é possível perceber que Jigsaw vem sendo humanizado justamente para revelar os segredos de seu passadoe justificar suas ações. Isso faz com que ele não seja visto como o assassino em série que mata com as próprias mãos e como é visto pelas manchetes de jornal, mas sim uma pessoa que encontra uma forma auto-suficiente de mostrar aos outros o valor da vida. Aí o espectador decide se compactua ou só assiste e incrimina. A ex-esposa do personagem, Jill (Betsy Russell), é a responsável por revelar o que atormentou o marido para que os jogos começassem.

O diretor Darren Lynn Bousman se tornou um expert na franquia. Sendo o terceiro filme que pega para comandar, Bousman brinca com a câmera e os artifícios de edição. O cineasta continua analisando de perto o sofrimento das vítimas e utiliza mais do que nunca a aproximação inesperada da câmera para causar ruptura em alguns momentos estáticos de filmagem. Os planos parecem estar perfeitamente ensaiados e a criatividade de Bousman continua a mil, sendo quase inaceitável se outro assumir o cargo nos próximos filmes da franquia. Bousman criou sua identidade e está diretamente atrelado a direção, mostrando como fazer temer, ter nojo, chocar e dramatizar. Além disso, a consciência inteira acerca do roteiro facilita uma flexibilidade maior de suas imagens.

Como tem acontecido, a direção de arte, a maquiagem e a trilha sonora continuam eficientes na franquia. Os cadáveres, as armadilhas e os atores secundários ajudam para que tudo pareça natural. O realismo exacerbado é que mantém o feiticismo do público em continuar se contorcendo a cada novo “Jogos Mortais” que apareça. O destaque fica para a autópsia de Jigsaw, completamente competente e de embrulhar o estômago. A trilha sonora aparece para dar ritmo à trama, nunca para tirar a atenção do espectador. Ela sempre está em segundo plano, e só avança quando os momentos finais estão acontecendo e as reviravoltas surgem. Neste ponto, o roteiro de Dunstan e Melton é metódico, e não causa tanto espanto como nos anteriores, justamente por já ter condicionado o público de que alguma reviravolta acontecerá.

Mesmo demonstrando desgaste, que já acontece desde o filme anterior da franquia, “Jogos Mortais 4” ainda é um filme a ser conferido. Os amantes do trash moderno devem delirar com o sadismo de Jigsaw. Por mais que não seja o melhor da série, ainda causa calafrios em quem assiste. E enquanto colocarem idéias no papel, a franquia parece realmente não querer acabar.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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