Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Paraíso

Com uma história extremamente simples, que poderia ser descrita em apenas uma frase, "Paraíso" traz a direção maestral de um roteiro magnífico que explora os diversos e altos níveis do lirismo, da subjetividade, da redenção e do amor incondicional. Certamente não é um filme para apenas ser assistido. É um filme para ser absorvido.

Em seu ano de lançamento, "Paraíso" abriu o Festival de Berlim. Tal fato sugere o caráter notório do filme e, diga-se de passagem, não é exagero. Estamos falando do primeiro filme da segunda trilogia de Krzysztof Kielowski, diretor que ficou famoso por sua Trilogia das Cores ("A Liberdade é Azul", "A Igualdade é Branca" e "A Fraternidade é Vermelha"). "Paraíso" chega precedendo os outros dois filmes do conjunto, "Inferno" (2005) e "Purgatório", que já estavam com os roteiros finalizados quando o primeiro começou a ser filmado. Infelizmente, Kielowski faleceu antes do início do pré-produção do início da nova trilogia. Todavia, seu talento ficou eternizado, novamente, em "Paraíso".

"Paraíso" traz Cate Blanchett ("Notas Sobre um Escândalo") como uma professora de inglês atormentada e perdida. Preocupada em solucionar a questão do tráfico de drogas entre os alunos de sua escola, ela tenta incessantemente contatar a polícia da cidade, no caso a italiana Turim. Infelizmente, seus esforços são todos em vão. Sem mais saídas, ela resolve apelar para uma ação drástica: explodir uma bomba na sala do empresário que usa sua empresa como fachada para o tráfico de drogas. Tragicamente, o plano sai errado e a bomba que sua personagem, Phillipa Paccard, coloca na sala do alvo, é recolhida pela faxineira e acaba matando a própria faxineira e um pai com suas duas filhas pequenas. Phillipa é presa. E é na delegacia que toda a maravilha do filme começa a desabrochar.

Phillipa Paccard é tratada como terrorista. Ao descobrir, durante seu interrogatório, que seu plano não havia saído como o planejado e que pessoas inocentes haviam morrido, ela sofre um colapso nervoso. É quando Filippo (Giovanni Ribisi), policial que estava traduzindo as declarações de Philippa do inglês para o italiano, resolve ajudá-la. Ele arquiteta um plano de fuga. A partir de então, uma série de seqüências poéticas segue naturalmente pelo filme, anulando toda a tensão pela suposta busca da polícia, o choque pelos assassinatos ou o perigo iminente. O roteiro é, sem dúvida alguma, magistral. Eis uma das pérolas do filme: colocar totalmente em segundo plano a narrativa policial, contexto do filme, e impregnar tudo com um lirismo profundo, como se aquilo fosse o único jeito certo de se contar a história daqueles personagens. Simplesmente surpreendente.

Cate Blanchett e Giovanni Ribisi trabalham juntos pela segunda vez. Em "O Dom da Premonição" (2000), eles haviam interpretado personagens que também mantinham uma relação afetuosa e cúmplice. A química entre os dois é linda, muito provavelmente justificada pelo carinho e a admiração que nutrem um pelo outro. Isso pode ser comprovado nas cenas em que atuam juntos, o que ocupa a maior parte da segunda metade do filme. Blanchett prova, mais uma vez, que é uma das atrizes mais notórias de sua geração. Completamente tomada por sua personagem, ela emociona com simples tremores dos lábios ou olhares quase que transcendentais. Ribisi, que desde o princípio quis pegar o papel, faz jus às inúmeras tentativas de ser escalado para tal. Ele exala a bondade que o personagem de Filippo deveria transparecer. É impressionante como ele, mesmo imóvel e sem muitos movimentos, passe tanta emoção com tão pouco.

A fotografia de "Paraíso" é algo que vai além do belo. É magnífica. Para mim, surtiu efeito tal qual uma dose de calmante destilada em subjetividade em movimento. As locações no interior italiano são estupendas. Colaboram para a sensação de leveza do filme. A iluminação entra com um toque decisivo, com cenas notórias, como a que Filippo encara sua mão, insinuando uma adoração por Phillipa. Ou a cena do túnel, que marca subjetivamente o contexto da história. Ou a cena em que os dois se fundem em uma paisagem digna de um quadro de arte. Tudo é belo no filme. Os movimentos de câmera são precisos. A trilha sonora é, além de linda, completamente sintonizada com as sensações intencionais da produção. Com notas simples e instrumentos clássicos, junto com a fotografia, a trilha sonora assume um papel essencial na criação do clima e na passagem da mensagem em “Paraíso”.

Se tivesse que resumir “Paraíso” em uma única palavra, resumiria em "poesia". Ele transpira poesia. E o diretor Tom Tykwer provou ser dono de uma sensibilidade gigantesca, utilizando planos que repassam a emoção de cada seqüência sem muitos efeitos ou jogadas amplas, mas com uma precisão quase matemática.

Certamente não é um filme para apenas ser assistido. É um filme para ser absorvido. Tudo é interligado. Desde a cena inicial, absolutamente descontextualizada em princípio, com uma simples e ambígua pergunta: “quão alto posso subir?”, até a cena final. Tudo tem uma explicação poética. Nada é exatamente óbvio. O que está ali, na frente de nossos olhos, não é o que precisamos ver para captar a maestria de “Paraíso”. É o que está nas entrelinhas, é o que exala dos personagens, é o que a câmera mostra aparentemente ao acaso que vai nos guiar até “Paraíso”.

Maíra Suspiro
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