Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 23 de agosto de 2007

O Ultimato Bourne (2007): uma das melhores tramas de espionagem do cinema

Na explosiva conclusão da trilogia Bourne, Paul Greengrass e Matt Damon dão uma lição de como fazer um filme de espionagem, numa produção tão irretocável quanto imperdível.

Nos momentos finais de “O Ultimato Bourne”, ao serem ouvidos os primeiros acordes de “Extreme Ways”, música do Moby que virou símbolo da franquia, a primeira coisa que pensei foi na sensação que tive ao final de “O Retorno do Rei”. Não, “O Ultimato Bourne” não possui vários finais ou algo do gênero. Estou me referindo a ver uma trilogia se desenvolver, revolucionar um gênero e atingir seu clímax no último episódio, com cada exemplar sendo marcante de seu próprio jeito. São poucos cineastas que podem se dar ao luxo de criar uma obra assim, quanto mais um que já pegou o bonde andando, como foi o caso de Paul Greengrass, que só começou a conduzir as aventuras do desmemoriado personagem vivido por Matt Damon a partir do segundo filme da franquia, “A Supremacia Bourne”.

Acompanhamos o renascimento de Jason Bourne em “A Identidade Bourne” e o vimos perder a única coisa boa que ele tinha em sua nova vida em “Supremacia”. Nesse terceiro filme da série, Jason finalmente segue pistas reais que podem levá-lo a descobrir quem ele é (ou foi). As grandes perguntas de “Ultimato” são: será que Jason agüenta saber de tudo? E, mais importante, quanta poeira a resposta da questão da “identidade Bourne” vai tirar debaixo do tapete e a quem interessa manter esses esqueletos no armário? Isso nos leva a principal evolução desta fita já que, enquanto os dois filmes anteriores da série restringiam o risco a “apenas” a vida de nosso protagonista e daqueles ao seu redor, vemos neste terceiro filme que há muito mais em jogo. Não estou falando de bens materiais ou mesmo de outras vidas, mas de valores morais que, no fundo, foram o grande estopim para que Jason Bourne saísse do programa Treadstone e a caçada insana que se tornou a sua vida tivesse inicio.

Ao fim de “Supremacia”, parecia que Jason havia sido deixado em paz pela CIA, após uma tranqüila conversa – à distância – entre ele e sua perseguidora, Pamela Landy (Joan Allen). Porém, como tudo no mundo da espionagem, aquela cena não era muito bem o que parecia ser. Logo no inicio desta terceira fita, a trama retroage um pouco no tempo, nos levando de volta às ruas de Moscou, onde Bourne acabou de escapar do assassino profissional Kirill (Karl Urban) e se encontra fugindo da polícia local, determinado a chegar à casa da filha do casal que fora morto por ele em seu primeiro trabalho para Conklin, o administrador do programa de assassinatos Treadstone. Durante a escapada, no entanto, ele tem um flashback daquilo que parece ser seu primeiro contato com a Treadstone, lhe dando, finalmente, algo com que trabalhar. Paralelo a isso, um repórter inglês está prestes a desvendar o mistério que é a ligação entre outro programa secreto da agência de inteligência americana conhecido como Blackbriar e Jason Bourne, colocando-o na mira do figurão da CIA Noah Volsen. Quando os caminhos de Bourne e do repórter se cruzaram, ambos se tornam alvos por estarem na busca de informações que comprometem figuras muito poderosas que podem ser reveladas, o que coloca Pamela Landy de volta ao jogo e dividida entre a lealdade à Agência e às suas convicções.

Antes de qualquer coisa, os devidos elogios devem ser dados ao roteirista Tony Gilroy. Responsável pelo texto de toda a trilogia do personagem criado por Robert Ludlum, ele consegue aproveitar elementos de “Identidade” e “Supremacia” de maneiras incríveis. Além do modo surpreendente no qual “Ultimato” é encaixado na cronologia da franquia, alterando nossa percepção de uma das cenas do filme anterior, as diversas menções que ocorrem aos longas passados do personagem tornam única a experiência de acompanhar essa trilogia. Só para citar um exemplo, a operação Blackbriar, que é o cerne narrativo do filme, tivera sua origem mostrada nos momentos finais de “Identidade”, quando o agora falecido Ward Abbott (Brian Cox) a apresenta perante um comitê do senado para aprovação, logo após o projeto Treadstone ser desativado.

O elenco está simplesmente irretocável. Matt Damon, mais uma vez, é o grande destaque. Além de acompanharmos sua trajetória em busca da verdade como Jason Bourne, temos leves relances de como ele era em sua existência passada, algo que o ator soube aproveitar muito bem. Destaco uma ótima – e curta – cena entre ele e Daniel Brühl, que vive o irmão da amada de Jason, Marie. O verdadeiro “Ultimato” de Bourne jaz justamente neste diálogo, além da fenomenal cena onde temos na tela Damon e o extraordinário ator Albert Finney, que faz uma participação especial na fita. Acredite, ela é o ápice interpretativo da trilogia, com dois atores no auge de suas capacidades e extremamente bem editada e quanto menos se souber dela antes, melhor. Julia Stiles retorna como Nicky Parsons e, apesar de sua personagem aparecer no filme meio que de repente, ela é essencial para a condução da trama. O grande detalhe de suas aparições são as rimas narrativas entre suas cenas e as de Franka Potente em “A Identidade Bourne”, que traçam um paralelo bem interessante entre Nicky e Marie, deixando em aberto uma possível ligação anterior entre a antiga agente burocrática da Treadstone e Bourne. Joan Allen consegue desenvolver melhor sua Pamela Landy, uma mulher extremamente complexa, presa no dilema de ou seguir suas ordens ou sua consciência. A sua busca pela verdade se torna quase tão complicada quanto à de Jason, justamente por ela estar realmente na barriga do demônio.

O grande vilão da produção, Noah Volsen, é magistralmente vivido por David Strathairn. O ator, indicado ao Oscar por seu trabalho em “Boa Noite e Boa Sorte”, está adequadamente ameaçador no filme, vivendo um personagem que não é movido por ambição ou quaisquer outros motivos pessoais, mas sim por patriotismo, tema recorrente daqueles que cruzam o caminho de Jason Bourne. Edgar Ramirez vive Pax, um dos operativos da Blackbriar. Ramirez não chega a causar grandes impressões, sendo apenas mais um dos inimigos “físicos” de Bourne, já que seu um papel fora bastante reduzido após a recusa de Gael Garcia Bernal para interpretar o personagem.

Mantendo o alto nível da série, Paul Greengrass assume o clímax da trilogia com a complicada missão de superar o próprio trabalho em “Supremacia”, objetivo alcançado com louvor. Além de conseguir contar uma trama altamente complexa de maneira soberba, Greengrass ainda criou duas cenas de ação que já nascem clássicas. São elas a perseguição nas ruas de uma cidade marroquina envolvendo Bourne, Nicky e um operativo da Blackbriar, que possui vários níveis de ação ao mesmo tempo em um fenomenal trabalho de câmera feito pelo diretor, superado apenas pelo caos automobilístico que ocorre em Nova York no último terço do filme. Tal cena conseguiu colocar a perseguição que marcou o segundo filme da franquia no chinelo, já nascendo clássica. Mais uma vez trabalhando com Greengrass, o editor Christopher Rouse conseguiu dar o ritmo certo não só a essa complicadíssima cena, mas a todo o filme, dando uma sensação de urgência até mesmo às cenas mais “calmas”. Outro ponto a ser tocado é em relação à direção de fotografia de Oliver Wood. Entendendo que, de certo modo, a fita não é uma continuação de “A Supremacia Bourne”, mas na segunda metade da mesma película, ele mantém o padrão estabelecido no longa anterior, algo extremamente relevante. A trilha sonora de John Powell continua a dar o clima certo às tensas cenas de ação do filme, em um trabalho elogiável do compositor.

Encerrando magistralmente este arco narrativo do personagem, fica a expectativa de se veremos ou não Jason Bourne novamente, seja em uma nova aventura ou em uma prequel. De qualquer modo, o personagem já entrou para a história como protagonista de uma das melhores tramas de espionagem da sétima arte.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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