Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 05 de maio de 2007

Homem-Aranha 3 (2007): concluída uma das melhores trilogias da história

A linha tênue entre vilão e herói é colocada em "Homem-Aranha 3" e o ponto forte está mais uma vez na leva de elementos que o herói e seu mundo dão para alguém fazer qualquer coisa relacionada a ele. "Homem-Aranha 3" é um fechamento primoroso de trilogia.

Tudo vai bem na vida de Peter Parker (mais uma vez Tobey Maguire); seu namoro com Mary Jane (Kirsten Dunst) está bem, o relacionamento com a Tia May melhor ainda, e ele, como de costume, é o melhor aluno na sua turma da faculdade. Tudo também vai bem na vida do Homem-Aranha, pois, ao contrário dos outros filmes, ele é adorado pela cidade e não vive mais do dilema “herói ou vilão” sempre colocado pelos jornais. Entretanto, nada na vida, muito menos na de Peter Parker, são só maravilhas. Seu emprego no Clarim Diário começa a ser ameaçado com a entrada de Eddie Brock Jr. (Topher Grace); um novo vilão, o Homem-Areia (Thomas Haden Church), começa a tomar forma; sua amizade com Harry Osborn (James Franco) está abalada; e Paker brevemente terá que enfrentar o maior de seus desafios: ele mesmo. Essa luta interna de Parker Vs. Parker é por conta do simbionte que dará origem ao grande vilão do filme: o Venom.

O clima não poderia ser diferente para o terceiro filme do Aranha. No primeiro, tivemos a apresentação de um novo herói. No segundo, as incertezas de Peter Parker entre ser ou não ser tal herói. No terceiro, já se tendo aceitado como herói, nada mais justo do que uma disputa interna em que tipo de herói: aquele que salva a vítima e não faz justiça com as próprias mãos contra o bandido, ou o que salva tal vítima, mas também faz justiça com as próprias mãos. É uma escolha que Peter, e mais ninguém, haverá de fazer.

Relevante a presença de Gwen Stacy (Bryce Dallas Howard). Uma das maiores tristezas que tive com relação ao primeiro filme foi o fato da Mary Jane ter sido abordada com as características da loirinha simpática. Nas HQs, Gwen era aquela garotinha carismática, simpática etc. Mary Jane não. Antes de ela se envolver com Peter nos quadrinhos, os fãs (eu estou nessa leva) a achavam inútil para a vida do herói. Foi daí uma das maiores sacadas dos roteiristas da Marvel. Transformaram a M.J. na nova amada do Parker e, mais sacada ainda, foi a dos roteiristas do filme ao transformarem em uma, digamos, Mary “Stacy” Watson, pois a M.J. que vemos nos filmes tem muito da personalidade de Gwen Stacy. De uma forma ou de outra Gwen precisava aparecer nas telonas, e teve um destaque muito bem encaixado na cronologia da trilogia.

O retorno de Duende Verde pode parecer bizarro para os não-leitores. Nos quadrinhos, entretanto, vários foram os personagens que serviram de alter-ego do Duende Verde. Cerca de cinco vilões do Aranha tiveram Duende no nome. Dentre eles, um é o filho do Norman (o primeiro Duende), no caso Harry Osborn tal como fora abordado no filme. Creio que essa tenha sido a última abordagem a Duendes no filme do Aranha, pois os outros que aparecem nos quadrinhos foram mediantes a apelos fanáticos de pessoas que cultuavam tal vilão, daí fizeram roteiros tão macabros quanto o Duende Macabro (um dos vilões dos quadrinhos) para encaixarem outros alter-egos do Duende Verde.

Nesse terceiro filme é onde temos várias referências nos levando ao Duende Verde/Harry Osborn dos quadrinhos. Fãs que leram a saga do às vezes amigo, às vezes inimigo saberão do que eu estou falando. Certos diálogos entre ele e Peter e certas disputas criaram um clima de nostalgia, fazendo os leitores de HQ’s relembrarem momentos marcantes dos dois nas revistas. Para quem não é tão fã assim, faz também relembrar o relacionamento de Harry e Peter dos filmes passados. Nenhum final poderia ter sido melhor do qual foi dado a Harry. E o tema que o roteiro aborda – sobre escolhas, como falei no terceiro parágrafo – foi também aplicado nesse ótimo personagem, que só poderia ser melhor caso James Franco fosse um bom ator, pelo menos.

O que faz “Homem-Aranha 3”, a meu ver, não ter conseguido atingir o seu dez, deixando-o ao mesmo nível de “Homem-Aranha 2” (ou um pouquinho acima), é que nessa ânsia de colocar muita gente importante em um filme só, acabou que faltou aprofundar melhor tais personagens. No segundo filme, o ponto forte é justamente esse. Personagens que pareceriam rasos a uma primeira olhada, ganham força na continuação. Logicamente, ao colocar tanta gente interessante do universo dos quadrinhos no terceiro longa, essa parte iria ficar um pouco a desejar. Isso era algo que eu tinha como expectativa e acabou se confirmando, pois via que o enredo às vezes perdia o foco. Foi um roteiro complexo, até mais que os dois primeiros filmes? Foi! Porém a complexidade não traduz em uma melhor abordagem dos personagens em si, o que não exclui de termos sido apresentados ao melhor roteiro, em termos de história, dos três. Repito para que fique bem claro: o melhor roteiro dos três em termos de história, mas não em termos de destaque para cada personagem individualmente falando. Uma falha simples, mas que não pode ser passada em branco. Falha essa que pode ser plenamente consertada em um possível quarto filme – se é que vai acontecer.

Alguns podem atribuir tal defeito pela entrada do criticado Homem-Areia na história do filme. O vilão vinha sendo cogitado desde as primeiras linhas de roteiro, logo eles não iam abandonar tal idéia por conta da inclusão dos outros vilões. Deixando isso de lado, o que me criava muita expectativa era quanto a origem de vilão. Nos quadrinhos, ele é um bandido procurado até pelo FBI. Ora, todos os vilões abordados por Sam Raimi (o diretor) e seus roteiristas tiveram um motivo interessante para acabarem escolhendo o lado da vilonice. Como seria com o Homem-Areia, ou melhor dizendo, como seria com Flint Marko (o alter-ego do arenoso)? A trama criada para o Homem-Areia foi brilhante. Ela dá margens a fazer um ótimo desenvolvimento do personagem. Primeiro porque não colocaram o Flint Marko como o bandido ao nível das HQ’s que fugiu de prisão, mudou de nome, era super procurado pela polícia e etc, mas sim como alguém que tem um motivo pessoal muito forte, e esse motivo faz-nos entender sua ideologia de ser vilão. Sem falar no final digno que Flint Marko teve. Peter e Marko travaram um diálogo irreparável.

Apesar de minha nota não ter sido o dez, vejo a franquia Homem-Aranha, agora com sua trilogia encerrada, como a melhor adaptação, até agora, de quadrinhos para cinema. Muitos vão discordar, mas isso é completamente pessoal. Eu espero uma adaptação que tenha, além dos elementos principais dos quadrinhos bem abordados, o jeito de quem a está fazendo, no caso o diretor Sam Raimi, que consegue colocar não apenas um herói famosíssimo muito bem em um filme, mas desenvolvimento pessoal, referências a outros filmes, referências a passagens dos quadrinhos que não conseguiriam ser encaixadas nas películas, referências ao próprio Sam Raimi de outros filmes e referências a teorias de psicologia comportamental. Ora, é um filme do Sam Raimi e não da Marvel ou de quem for. É óbvio que seu estilo deve imperar, mesmo que por determinadas passagens, e isso já é visto a partir do segundo filme. “X-Men” era uma franquia que se encaminhava para isso, mas acabou perdendo o bom estigma no terceiro filme, pois mudou de diretor e muitas coisas também não permaneceram. E, hoje, o único que pode tirar esse título do Aranha é Batman em sua nova fase caso, deixo bem claro, Christopher Nolan mantenha o seu nível de direção do primeiro filme (“Batman Begins”).

Ficarei triste se pararem por aqui com os filmes do Spidey. Por outro lado, também fico contente pois a teia do Aranha já está para sempre na história do cinema, enquanto já estava muito bem nos quadrinhos, na TV e nos games.

Raphael PH Santos
@phsantos

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