Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 08 de abril de 2007

300 de Esparta, Os

Vocês sabiam que a história da batalha entre os 300 guerreiros espartanos e poderoso exército persa já teve um filme no ano de 1962? Não apenas existiu o filme, como ele serviu de inspiração para que Frank Miller escrevesse a história em quadrinhos que originou a superprodução dirigida por Zack Snyder.

"Eu fiquei chocado, porque os heróis morriam. Estava acostumado a ver o Super-Homem socando planetas. Foi uma epifania perceber que o herói não é necessariamente o cara que vence", lembra o quadrinista Frank Miller, autor de preciosidades do mundo dos quadrinhos como "O Cavaleiro das Trevas" e "Sin City". "Como escritor eu tendo a criar personagens que podem morrer esgarçados pelo mundo, que perdem os combates mas conquistam a vitória moral", completa o autor da graphic novel, intitulada igualmente "Os 300 de Esparta", lançada em 1998.

"Os 300 de Esparta", de 1962, produção da 20th Century Fox, é dirigido por Rudy Mate (que também escreveu o roteiro, ao lado de George St. George), e Richard Egan no papel de Leônidas; Sir Ralph Richardson como Themistocles; David Farrar como Xerxes; Diane Baker como Ellas; Donald Houston como o fiel guarda de Xerxes, Hydarnes; e John Crawford como o espião de Esparta, Agathon.

O filme em questão é baseado nos textos em que o historiador Heródoto narra a Batalha de Termópilas. É mais do que claro na produção as fragilidades da época: os efeitos especiais inexistem – muitas vezes é usado o velho truque de mostrar um personagem atirando uma lança, há o corte, e na outra tomada a vítima é atingida com a arma (quando, na verdade, percebe-se que o ator a escondeu debaixo do braço) -, não há figurantes suficientes de modo que em nenhum momento temos noção dos 300 de Esparta, e muito menos dos mais de um milhão de Persas, etc. Se comparado a épicos contemporâneos deste "Os 300 de Esparta" como "Spartacus", de dois anos atrás, e principalmente, "Ben-Hur", de três anos atrás, a inferioridade é visível.

O visual é bem realista, e longe da mistura de realidade com fantasia abordada por Miller em sua HQ. Inclusive o visual do imperador Xerxes é de um homem normal da época, e não aquele ar carnavalesco cheio de piercings por todo o corpo e cabeça raspada. Para a época, pode-se dizer que a direção de arte é primorosa, com armaduras e armas bem desenhadas e, mesmo com cenários precários, houve a preocupação em manter-se fiel aos detalhes de caracterização, a começar pelo fato de todas as locações terem sido na Grécia.

O foco do filme é unicamente a batalha em si, e os dias que antecederam, mostrando a rotina de alguns soldados que se preparavam para o combate. De certa forma, é uma baixa do roteiro não mostrar a cultura dos espartanos, seus treinamentos desde crianças (algo que é apenas citado de relance em um diálogo entre Agathon e sua noiva). Mesmo assim, não deixa de ser interessante conferir todo o contexto da guerra, a expansão massiva dos persas e seus fanatismos religiosos e, principalmente, a bravura dos espartanos. E detalhes importantes não foram esquecidos, como fato de o personagem Agathon, prisioneiro de Xerxes, ser poupado da morte para que pudesse voltar a seu lar e informar aos espartanos do número bastante superior de soldados do exército rival. Também, as possibilidades de ajuda dos espartanos por exércitos vizinhos, que por infelicidade de percurso não puderam ser obtidas, foram muito bem destacadas e possuem uma grande importância para que a trama se desenrole até o clímax.

O modo como a coragem dos espartanos é abordada é tão bem feita, que é entendível o porquê de Frank Miller ter se interessado tanto pela história. Por sinal, é bom ressaltar que o já clássico diálogo "– Nossas flechas encobrirão o sol! – Então lutaremos na sombra" foi usado pela primeira vez neste longa. É impossível não entrarmos no clima e torcermos bravamente pelos espartanos, mediante a confiança do Rei Leônidas (vivido de maneira firme por Richard Egan, de modo que transmite ao mesmo tempo um ar de liderança e fraternidade). E Leônidas é tratado pelo roteiro de maneira objetiva: um ser extremamente zeloso por sua família, mas que, quando o assunto é lutar pelo seu país, não teme em ir à luta até mesmo antes da hora ideal, e independente de números ou condições físicas de seus guerreiros.

Realmente chegamos a acreditar que os meros 300 terão chances contra o império persa, pois o longa ressalta muito suas habilidades e inteligência única. O momento em que eles atacam de surpresa o alojamento persa à procura de Xerxes, e em seguida incendeiam o local, é realmente impressionante! E o roteiro não falha no desenrolar dos fatos, apresentando os motivos pelos quais Xerxes, mesmo impressionado com a força dos espartanos, se recusa a recuar suas tropas – momento em que a guerra para ele deixa os cunhos políticos e vira uma vingança pessoal.

Apesar das fragilidades cinematográficas de 1962 (a tal chuva de flechas é tão fraca que não surte nenhum impacto no espectador), o filme consegue transmitir a agonia da batalha com cenas bem conduzidas, como o momento em que, enquanto os exércitos inimigos correm um em direção ao outro para guerrearem, um soldado quase kamikaze finge-se de morto entre eles para poder atear fogo no caminho. Também há cenas não tão fortes, mas chocantes, como a de um soldado tendo sua ferida cicatrizada através de um ferro em brasa.

Quando enfim chega o clímax, já sabemos o final, mas, mesmo assim, a lição de coragem e força em nome de uma nação é transmitida corretamente. Sorte nossa de Frank Miller ter visto nesse filme tamanho valor, para que futuramente obtivéssemos a mesma história com visual renovado e tecnologia de ponta. A coragem de Rei Leônidas e sua tropa realmente não merecia ficar esquecida no passado.

Thiago Sampaio
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