Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 04 de março de 2007

Motoqueiro Fantasma (2007): Nicolas Cage é o único que se diverte

Sou fã de quadrinhos desde que me entendo por gente, mas não li muita coisa do "Motoqueiro". Isso me fez ir assistir ao filme com a cabeça mais aberta, pensando que, se fosse bom, eu iria a uma loja de quadrinhos e compraria algumas edições antigas de revistas da Marvel com o personagem. Isso não aconteceu, e duvido que alguém crie interesse pelo cabeça-de-fósforo com esse filme medíocre, escrito e dirigido por Mark Steven Johnson, que também realizou o mediano "Demolidor".

Em “Motoqueiro Fantasma”, a única pessoa que parece estar se divertindo é Nicolas Cage, que interpreta o personagem-título. O ator sempre sonhou em interpretar um personagem vindo das HQs em uma adaptação cinematográfica, mas escolheu o pior projeto para realizar seu desejo. Num filme que era vendido como uma aventura com toques de horror, temos um trash involuntário, cheio de piadinhas fora de hora, com pitadas de comédia romântica, furos de roteiro gritantes e personagens completamente desinteressantes. Seria cômico se não fosse trágico.

O pior é que a premissa é interessante. O jovem Johnny Blaze (Matt Long) vende sua alma ao demônio Mefisto (Peter Fonda) para salvar a vida do seu pai, um dublê motociclista que está com câncer. Enganado pelo diabo (seu pai morre, vítima de um acidente, logo depois de ter o câncer curado), Blaze fica nas mãos de Mefisto e recebe deste o aviso de que, algum dia, ele irá cobrar sua parte no acordo. Anos depois, Johnny (agora mais velho e vivido por Cage) é um astro. Seguindo a carreira de seu pai, suas acrobacias motorizadas lhe renderam fama e fortuna. Mas Mefisto ressurge e o transforma no Motoqueiro Fantasma, seu “caçador de recompensas”, e lhe dá a missão de impedir que Coração Negro (Wes Bentley), seu rival e filho, se apodere de um poderoso contrato demoníaco firmado há 150 anos e assuma o poder no inferno (ou destrua o mundo, ou ambos, o filme não deixa isso lá muito claro). Em busca de salvação, Johnny recebe a ajuda de um coveiro (Sam Elliot) que parece saber demais tanto sobre sua maldição quanto sobre o contrato.

Uma história dessas com o visual certo não tinha como dar errado, certo? Mas deu. O roteiro beira ao patético. As piadinhas que mencionei acima são todas feitas nos momentos mais inadequados possíveis. Imaginem que, no meio de uma seqüência de ação envolvendo o nosso esquentado protagonista, sua corrente e um helicóptero, o Motoqueiro grita, “Segura, peão!”. É desse tipo de coisa que estou falando. O filme é mais cheio de furos que um queijo suíço. Alguns exemplos? Johnny, de uma hora para outra, aprende a controlar sua transformação no Motoqueiro (algo que, pelas suas duas primeiras metamorfoses, era extremamente doloroso se torna instantâneo!) e a saraivada de balas que o herói leva da polícia, quando transformado, nada faz com ele na forma humana enquanto, algumas cenas antes, ele havia levado uma facada na forma demoníaca e precisou levar pontos no ferimento ao voltar à sua forma normal. O plot envolvendo Johnny e a repórter Roxy (Eva Mendes) não deixa nada a desejar em relação as comédias românticas com Hugh Grant, contando até com o ridículo clichê do casal escrevendo seus nomes numa árvore! Por falar nela, a personagem de Eva Mendes está lá somente para que Blaze banque o idiota (algo que, realmente, não deveria acontecer num filme desses) e ser oportunamente seqüestrada pelo vilão e seus comparsas. Por falar neles, os tais capangas possuem visuais e poderes tão ridículos quanto os dos malvadões presentes em “Elektra”. Aliás, os vilões do filme são tão apagados que, em momento algum, sentimos que o Motoqueiro está em perigo ou tememos por seu destino, o que num filme de ação (principalmente num baseado em HQ’s) é imperdoável.

Nicolas Cage tem a atuação mais canastrona de sua carreira, com uma série de caras e poses hilariantes. Destaque para a cena que ele conta sobre sua maldição a Roxy, seus monólogos na frente do espelho e os momentos em que tenta bancar o durão. Pior que isso, só a peruca que ele usa. Eva Mendes está lá apenas para enfeitar a tela com sua beleza (e que beleza, aliás!). Sam Elliot encarna o clichê do mentor misterioso, numa atuação monocórdica. Agora, realmente, os vilões marcam o desastre do filme. Wes Bentley vive seu Coração Negro de maneira tão afetada e patética que o personagem mais parece membro da banda “My Chemichal Romance” (o figurino e a maquiagem também não ajudam, é verdade…) e Peter Fonda é a maior decepção do filme. O Mefisto vivido pelo ator indicado ao Oscar por “Easy Rider” não possui presença, carisma, nada! Até o demônio vivido por Adam Sandler em “Little Nicky” conseguiria se impor mais em cena!

A coisa não melhora nos aspectos técnicos. Se, como roteirista, Mark Steven Johnson explora o limite do ridículo, como diretor ele mostra como NÃO fazer um filme. O diretor usa e abusa de planos deselagantes, zooms patéticos e despropositados e de saídas visuais totalmente sem imaginação (como a transformação de Johnny ou o “Olhar da Penitência”). Só a cena da sombra de Mefisto quando este vai fazer o contrato com Johnny já merecia que o “diretor” nunca mais fizesse alguma coisa em Hollywood! A edição é frouxa e desorganizada, como mostra a seqüência de cenas em que Johnny, num diálogo com Roxy, começa a conversa vestindo uma camiseta, mas termina usando uma jaqueta que sabe lá Deus de onde veio. A direção de arte parecia mais saída do último filme do Zé do Caixão (repare só a cena da mata…) e a fotografia excessivamente colorida não ajuda em nada a criar um clima mais forte para o filme. Os efeitos em cena variam do ótimo (nas cenas com o Motoqueiro em ação, todas muito bem feitas – apesar de não empolgarem) ao constrangedor (nas cenas com zoom no rosto de Nicolas Cage, enquanto pilota, com um fundo em tela azul atrás).

O filme anterior de Johnson, “Demolidor – O Homem Sem Medo”, melhorou bastante em sua versão sem cortes lançada em DVD (bom, com exceção da luta no parquinho…). Para que o mesmo aconteça com “Motoqueiro Fantasma”, só se refizerem o filme completamente. Para não dizer que nada se salva, gostei muito da cena em que Johnny Blaze salta o campo de futebol e de… hã… acho que só disso (bom, a Eva Mendes é um colírio, mas isso não entra no mérito do filme). O ano começa mal para as adaptações de HQ’s para a sétima arte, mas tende a melhorar. Depois de “Motoqueiro”, é impossível piorar…

Observação: Algo que conseguiu piorar o filme (apesar do mesmo não ter culpa disso), foram os erros gritantes em algumas linhas de diálogo na legenda. Prestem atenção logo no início do filme, quando falam da lenda do contrato. Não sabia que existiam motoqueiros no século 19 e que estes andavam a cavalo… A palavra “rider” pode significar tanto “cavaleiro” quanto “motoqueiro”, um trocadilho que existe na trama e que, aparentemente, não foi entendido pela equipe de tradução. Um erro menor foi quando o coveiro pergunta a Johnny sobre o que o seu contrato lhe trouxe e esse responde “headache” – “dor de cabeça” e a legenda mostra “sofrimento”. Mas um erro um pouco mais grave é quanto à tradução em “devil’s bounty hunter”, termo usado para descrever o trabalho do Motoqueiro Fantasma. A tradução literal é “Caçador de Recompensas do Diabo” e fora traduzido pela legenda como “justiceiro do diabo”. Sei não, mas não acho que haja muita justiça nas intenções de Mefisto…

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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