Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 17 de março de 2007

Pecados Íntimos

Um filme que faz jus aos elogios que vinha recebendo mesmo antes de sua estréia no Brasil. "Pecados Íntimos" traz um roteiro maduro e personagens surpreendentemente reais aliados a uma produção muito bem cuidada. Com tantas partes competentes, o resultado é exatamente o esperado: quase nada dá errado.

É sempre notável quando um roteiro consegue impressionar abordando o ordinário de nossas vidas. Digo isso porque é bem mais fácil criar em cima de algo sem compromisso com a realidade do que mostrar, ainda que com sutileza, as nuances presentes em cada ser humano, mesmo que em diferentes proporções. Dessa forma, a princípio, "Pecados Íntimos" parece não ter capacidade de empolgar, já que traz em sua trama nada mais que acontecimentos cotidianos na vida de pessoas tão comuns que chegamos a nos colocar no lugar delas em alguns momentos. No entanto, quem não esperava grandes surpresas acaba se vendo diante de uma trama bastante interessante e bastante profunda sob o disfarce de sua aparente simplicidade.

Sarah é uma dona de casa que sofre com a mediocridade de sua vida, que consiste basicamente em cuidar da filha, a pequena Lucy, e ainda por cima tem que lidar com o marido omisso que tem um duvidoso vício em pornografia pela Internet. Enquanto isso, Brad vive uma situação similar, já que é ofuscado pelo sucesso da mulher sempre ocupada e com a sua frustração com a própria profissão. O que poderia acontecer a duas pessoas tão iguais a tantas outras da chamada "vida real"? Um encontro ocasional que caminhará para algo mais denso e perigoso. Durante passeios com os respectivos filhos ao parque e à piscina pública do bairro, Brad e Sarah acabam descobrindo um no outro um elemento para suprir o vazio de suas vidas afetivas. Assim, os dois iniciam um tórrido caso extra conjulgal à procura de uma plenitude aparentemente inalcançável.

Logo no começo somos apresentados aos personagens principais de uma maneira um tanto inusitada, mas ao mesmo tempo eficiente para que a história logo se desenvolva. Através de um narrador, somos introduzidos a informações básicas sobre os protagonistas, o que permite mais tempo para que se desenrole a trama porpriamente dita. É no início, também, que ficamos sabendo o porquê de tanto alarde da crítica quanto às atuações no longa. A partir do momento em que começam a ser desenvolvidos os personagens, vemos no elenco (tanto principal quanto secundário) o grande ponto forte do filme.

Kate Winslet, que consegue ser uma das poucas atrizes a atingir tamanha maturidade profissional com tão pouca idade, dá vida a uma Sarah impulsiva e contraditoriamente comedida ao risco de envolver-se em tal "aventura". Patrick Wilson, que interpreta Brad, apesar de não ser tão experiente, tem em seu currículo produções notáveis como "O Fantasma da Ópera" e a série de TV "Angels in America" e se mostra bastante competente ao assumir o personagem. Enquanto isso, a bela Jennifer Connelly, apesar de estar em um papel pequeno, completa o time, vivendo a esposa de Brad.

Outro personagem destacável dentro de sua ordinaridade é o pedófilo Ronnie. Mostrado como o terror das mães da vizinhança que entram em pânico ao menor indício de sua aproximação, ele parece ter econtrado no ator Jackie Earle Haley o intérprete perfeito. Com uma preparação que envolveu desde a construção de um visual doentio a trejeitos peculiares, Haley dá vida a um riquíssimo personagem e consegue despertar, em monentos distintos, as mais extremas emoções no público: da repugnância à compaixão.

No mais, uma importante observação ainda deve ser feita. Apesar da tradução do título para o português ter sido competente ao fazer referência às atividades excusas dos personagens, o título original ainda oferece outras possibilidades de interpretação, que ficam bastante claras ao assistirmos ao longa. "Little Children" que, ao pé da letra, seria algo como "Pequenas Crianças", não diz respeito apenas aos filhos dos protagonistas, que acabam sendo o elemento desencadeador de todo o resto do persurso. Muito além disso, o nome do filme faz uma alusão à intensidade dos tais desejos de Brad e Sarah, que se assemelham a crianças em sua forma de querer e de se entregar de uma forma quase infantil, inconseqüente.

Um filme notável, sem dúvida, que prova mais uma vez a máxima de que "a arte imita a vida". Afinal, se analisarmos mais a fundo, para que fonte de inspiração mais rica?

Amanda Pontes
@

Compartilhe

Saiba mais sobre