Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 26 de abril de 2007

Titanic

James Cameron consegue criar em Titanic um dos romances mais notáveis e inesquecíveis da história moderna do cinema, que com o tempo, acabou por cair no comum devido a sua superexposição na mídia, mas ainda assim, impressiona com o seu visual grandioso, e a força das interpretações do projeto cinematográfico.

Antes que eu comece a falar sobre o filme em si, é necessário que o leitor simplesmente abra a mente e esqueça a superexposição do filme que o transformou em um romance batido e que levou ao público a fazer chacotas. Não é a toa que o filme hoje é um dos mais copiados, tanto em falas como em cenas.

O começo do século XX era caracterizado por uma sociedade em ascensão, ainda mais na Europa. Os Estados Unidos começa a crescer, e a sociedade só dispunha de um meio de transportes entre os continentes: os navios. Essa disputa na Europa era acirrada por duas grandes companhias inglesas: a Cunard Line e White Star Line. As duas disputavam de forma acirrada pelo meio de transporte mais rápido, além do mais suntuoso, que pudesse realizar os sonhos de uma sociedade ávida por luxo e grande estilo. Até 1909, a White Star Line viu a sua concorrente dominar este mercado da travessia marítima pelo Atlântico Norte. Foi então que a empresa decidiu ganhar mercado com a construção de três navios que seriam considerados os maiores do mundo: Olympic (lançado em 1911), Titanic (primeira e última viagem em 1912) e Gigantic (1915).

O furor da época com relação ao segundo navio que estava segndo construído era justamente pelos seus números impressionantes: 273 metros de comprimento (equivalentes a 4 campos de futebol), 30 metros de largura, uma altura que equivalia a um prédio de 15 andares, além dos inúmeros motores e as paredes das anteparas de meia polegada, que dividiam o casco do navio em 16 compartimentos estanques caso o casco do navio fosse danificado. Foi justamente esses compartimentos que levaram a imprensa a mencionar o fato de que “nem Deus poderia afundar esse navio”. Lançado ao mar em 1910, o navio ainda levou alguns anos para poder ficar completamente pronto no que diz respeito ao nível mais luxuoso que poderia ser usufruído pelos 735 passageiros da primeira classe. A segunda classe ficaria destinado 674 lugares e à terceira classe, 1024 lugares. Saindo de Southhampton, na Inglaterra o navio ainda passaria pela França e pela Irlanda para então seguir para os Estados Unidos. Estavam à bordo na fatídica viagem 1.316 passageiros e 891 tripulantes.

É a esse cenário que, apesar de não sermos introduzidos por completo (e de certa forma desnecessário ao filme, já que estava sendo retratado um dos acidentes mais famosos da história), somos apresentados no início da história escrita por James Cameron, que também assina a direção do filme. Misturando personagens fictícios com reais, Cameron nos apresenta aos seus personagens principais, Rose e Jack. Vindo de classes completamente diferentes, Rose está à beira de um casamento forçado com o magnata do aço Caledon Hockley de forma a tentar tirar ela e sua mãe da miséria que só poupou o nome da família, DeWitt Bukater. Jack é um pobre artista americano nascido em Wiscosin que vai tentar a vida na Europa, e em suas viagens pelo velho mundo, exercitou seus traços como desenhistas e agora retorna para casa, ao lado do amigo italiano Fabrizio. Separados por vários níveis do navio, o único local onde Jack poderia ver Rose era no convés principal do navio.

Oprimida pelo destino que não deseja, cercada por pessoas que não conseguem ser elas mesmas, regradas por uma conduta social ao qual ela pertence, mas não se encaixa, Rose e Jack se encontram pelo golpe do destino quando esta tenta se jogar do navio, como única forma de escapar desta “prisão”. O embate de valores sociais onde a riqueza oprime e a pobreza disfarça o seu sofrimento com a alegria, Rose e Jack acabam apaixonando-se e encontra-se aí o velho clichê do amor proibido criado desde Shakespeare em Romeu e Julieta. Enfrentando a todas as convenções sociais, ao noivo ciumento e ao mundo em que ela sempre fora criada, Rose e Jack ainda terão mais um embate à sua frente, a fatídica noite de 14 de abril de 1912, quando Titanic chocou a sua lateral direita a um iceberg e veio a afundar duas horas e meia depois, tornando-se então o desastre marítimo mais famoso do século XX e até hoje.

James Cameron, quando chegou aos cinemas americanos com "Titanic" no final de 1997 (ainda para se tornar apto a concorrer ao Oscar do ano seguinte), estava há três anos parado. Seu último trabalho havia sido a ação “True Lies”. Seu currículo também contava com outro sucesso nos cinemas em 1991, “Exterminador do Futuro 2”, ao qual também roteirizou e dirigiu. Foi com esse currículo que, o diretor conseguiu a liberação da produção que viria a ser uma das mais caras da história dos cinemas na época (e que ainda hoje continua sendo um dos filmes mais caros do cinema): 200 milhões de dólares. (a nível de informação, quase 10 anos depois, o filme mais caro da história "Superman – O Retorno", gastou 60 milhões a mais do que Titanic)

As excessivas exibições do filme, brincadeiras e paródias à parte que acabaram por tornar o filme um tanto piegas, Titanic conseguiu ser um dos maiores filmes da história cinematográfica moderna. Com visual impressionante e uma impecabilidade com relação à grandiosidade do desastre, Cameron, que é conhecido por suas histórias carregadas de clichês (tanto em frases quanto em situações, e não basta ser expert para notar isso, é só assistir a “True Lies”, ou “Exterminador do Futuro 2”), consegue, mesmo com todos os clichês do romance shakesperiano, criar (como sempre criou), frases e motes que até hoje são repetidos (“hasta La vista baby”, “I’m the king of the World”…), dar força a uma história de romance em uma época em que havia uma falta de projeções cinematográficas com tal força.

A primeira parte do filme, toda dedicada ao romance, não perde em nenhum momento o ritmo e se mostra até mesmo necessária para o segundo momento do filme, quando depois de uma hora e quarenta minutos de filme, o navio colide com o iceberg. Todos os momentos de romance, que para muitos se tornaram desnecessários, se mostram de uma força vital para que o filme não caia em um lugar comum, já que durante o segundo momento, onde a necessidade da sobrevivência poderia falar mais alto que um "simples" romance inventado para apenas dar cor ao filme.

O elenco do filme, que por diversas vezes correu o risco de ter Matthew McConaughey no lugar de Leonardo DiCaprio, está simplesmente perfeito e são exatamente estes que conseguem passar a força dos personagens. Apesar do que muitos dizem, Leonardo DiCaprio está bem no filme, já que por nenhum momento surge a dúvida dos sentimentos de Jack e Rose. Claro que como o filme é muito mais centrado na personagem de Kate Winslet, ela se demonstra excepcional, e mesmo não tendo nenhum grande destaque para a sua atuação, ela está comedida e correta para o filme. Não é uma atuação de pessoas da vida comum, ou que sofram de uma incapacidade que só merecem destaque no Oscar, e Kate mereceu sim a indicação pelo filme. É possível ver as expressões de confusão entre o amor e a sociedade e ao respeito à sua mãe nos olhos de Rose, ou mesmo o medo nos momentos finais do filme. O elenco de apoio está comedido, e nenhum deles peca nas atuações, embora também não sejam tão destacados, justamente também porque a história não os permite isso.

Cameron, novamente, apesar de descuidado ("Titanic" é um dos filmes que mais possui erros de continuismo na história do cinema – 243 erros – somente perdendo para Jurassic Park, com 272 erros), consegue criar ambientações ainda mais fortes com a trilha sonora belíssima criada por James Horner, que quase não fica com a vaga de compositor, oferecido antes a cantora Enya, que recusou. Horner e Cameron já haviam trabalhado juntos antes em “Aliens” (1986), porém a tensão entre os dois fora tão grande, que Horner achava que nunca mais voltaria a trabalhar com o diretor. Porém seu trabalho na composição da trilha de “Coração Valente” (1995), o garantiu novamente a chance de entrar para o projeto, criando também uma das mais belas trilhas sonoras do cinema, que concorreu ao Oscar (e ganhou). A música tema do filme “My Heart Will Go on”, foi criada para o filme também às escondidas de Cameron, que se negara a colocar qualquer música com letra durante o filme, incluindo os créditos finais. Porém ao receber a gravação demo com Celine Dion cantando, ele voltou atrás. O resultado é que a música acabou ganhando o Oscar de melhor canção em 1998.

O filme, chegou ao Oscar indicado em 14 categorias: Direção de Arte, Fotografia, Figurino, Direção, Efeitos Sonoros, Efeitos Visuais, Edição, Trilha Sonora, Música, Filme, Som, Atriz Coadjuvante, Atriz e Maquiagem. Levou para casa, 11 dos 14 prêmios, perdendo apenas as três últimas categorias citadas.

Ainda assim, mesmo com suas falhas, mostrando que James Cameron, em questão de detalhes e roteiro, se mostra um pouco relapso, ele consegue mostrar seu valor quanto à direção de cenas, principalmente envolvendo efeitos e tensões. Mesmo com sua excessiva massificação, "Titanic" é um filme que ficará para a história do cinema mundial. Não é a toa que ele é o filme quee mantém, até hoje, a liderança na bilheteria mundial, com seus 1 bilhão, 845 milhões, 34 mil e 88 dólares.

Leonardo Heffer
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