Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 14 de janeiro de 2007

Caminho Para Guantanamo

Com toques de documentário mesclados com a ficção, "Caminho para Guantánamo" surge nas telas como mais uma denúncia à incompetência e falta de caráter do governo americano.

Já ficou mais que comprovado que a falada guerra no Iraque foi uma grande fraude, certo? Muito foi comentado sobre as não tão nobres intenções americanas, que a princípio diziam querer libertar o povo da tirania, da falta de respeito ao cidadão e desonra de tratamentos. Mas o que aconteceu não foi exatamente isso, a começar pelas intenções dissimuladas, que pendiam na verdade para a exploração de uma das riquezas que atualmente movem o mundo: petrólio. Com seqüências impressionantes, o filme chega a prender o fôlego e quase tirar o sono. Nasce em nós então uma sensação de que o absurdo que vemos só tende a piorar.

Tudo começa quando um dos personagens, Asif, recebe por sua mãe a notícia de que ela arrumou para ele uma noiva no Paquistão e que ele deverá ir até lá casar-se com ela. Vivendo na Inglaterra com alguns amigos (Shafiq e Ruhel), Asif resolve ir e os convida para ir com ele. Matando a saudade do Paquistão, os três acompanham o que mais tarde se tornaria um marco triste na história: Estados Unidos e Afeganistão estão no meio do que pode vir a ser uma guerra. Com intenções de ajudar, os rapazes embarcam para o Afeganistão nas vésperas do casamento, juntando-se a dois outros amigos e, logo que chegam, descobrem que o país está sendo bombardeado. Imediatamente, aquela viagem que seria apenas passageira transforma-se num pesadelo que parece não ter fim, pois a suas estadias viriam a ser interrompidas pela injusta prisão dos amigos – acusados pelas tropas americanas (e mais tarde também as britânicas) de serem terroristas – o que mudaria para sempre suas visões de mundo.

O cineasta Michael Winterbottom, experiente em filmes que narram a complexidade da comunidade árabe – tendo feito trabalhos como "Neste Mundo", também é reconhecidamente um diretor que sabe trabalhar a mistura de gêneros, tais como os usados nesse longa, mostrando competência ao trabalhar no drama de rapazes que acabam perdidos no meio de tamanha confusão, fazendo deste quase documentário uma oportunidade de dar vozes a histórias que dificilmente poderiam ser contadas e ainda por cima ouvidas por milhares de pessoas! É bem claro no filme que tudo que acontecia nas prisões de guerra (quase campos de concentração) era desconhecido por grande parte do mundo, tendo a mídia forte culpa pela manipulação e censura nas informações passadas. O mundo não sabia, ou se sabia, não queria ver e nem muito mesmo se responsabilizar por aquilo. Só não podemos esquecer que, apesar de toda a busca pela realidade, é uma recriação, uma reconstituição de realidade, até porque, acima de tudo, Winterbottom é um contador de histórias – e dos melhores. Daqueles que sabe perfeitamente onde pisa, e como tirar dos fatos os toques de drama e ação que dão vida à película.

Os planos sujos dão a impressão de que todas as imagens que vemos são tiradas de filmagens transmitidas nas televisões que passaram para o mundo partes do que acontecia. Algumas seqüências são claramente objetos documentais, mas são claras algumas das passagens em que descobrimos que existe uma intenção em dar continuidade às partes reais com materiais fictícios com base na realidade que não pôde ser captada. Faz com que chegue perto da gente notícias que deveriam ter chegado, imagens que deveriam ter sido mostradas – e que infelizmente não foram.

Harhad Harun (Ruhel), Riz Ahmed (Shafiq) e Afran Usman (Asif) foram os atores que deram vida aos personagens principais, dando credibilidade ao roteiro, mostrando atuações simples e diretas.

Com boas doses de realidade e um grande alerta à comunidade mundial, "Caminho para Guantánamo" torna a ida ao cinema quase uma obrigação de cidadão, de pessoa e de conscientização. E a pergunta que permanece depois da exibição é: no meio de tudo isso, de todas as provas e abordagens já feitas, onde é mesmo que está a defesa dos direitos humanos?

Beatriz Diogo
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