Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 08 de outubro de 2006

Bicho Vai Pegar, O

O filme de animação de estréia da Sony Pictures possui personagens carismáticos, tiradas engraçadas, mas falha por não possuir um roteiro criativo. Deve agradar em cheio as crianças e não deve fazer mal ao adultos, porém dificilmente será visto com destaque no mundo das animações.

Com o mercado dos filmes em animação cada vez mais crescente, era de se admirar que a Sony Pictutres, produtora responsável pelos ótimos filmes de "Homem-Aranha", não tenha feito sua estréia nesse ramo. Em um ano em que as animações simplesmente dominaram os cinemas – das quais, muitas serviram apenas para fazer número –, a Sony finalmente lança seu primeiro filme do estilo, "O Bicho Vai Pegar", marcando o pontapé inicial de sua filial Sony Animation. Para um filme de estréia, pode-se dizer que o resultado foi satisfatório, conseguindo se mostrar bastante superior a muitas dessas animações que chegaram esse ano – vide "Selvagem", "A Casa Monstro", entre outras. Ainda assim, o filme se apresenta uma produção imatura, que apela demasiadamente para o carisma de seus personagens, e deixa de lado um pouco a história, sem nenhuma criatividade. Mas nada que um pouco mais de experiência faça com que a Sony se consolide nesse ramo de animações, pois esse primeiro filme já é um bom "aquecimento" do que ela realmente é capaz de fazer.

Boog (voz original de Martin Lawrence) é um urso pardo domesticado que vive na pacata cidade de Timberline. Ele é a grande estrela dos shows ecológicos de sua cidade, sendo que à noite desfruta das acomodações da garagem de Beth (voz original de Debra Messing), uma guarda florestal que o criou desde que era filhote. Porém nem todos gostam de Boog. Shaw (voz original de Gary Sinise) é um deles, pois acredita que os animais estão conspirando contra os humanos. Em uma de suas caçadas, ele traz à cidade Elliot (voz original de Ashton Kutcher), um cervo de um único chifre que ainda está vivo. Após vários pedidos, Boog decide ajudá-lo e solta Elliot. Querendo retribuir o favor, Elliot segue Boog até sua casa e decide libertá-lo de sua garagem, a qual considera como sendo seu cativeiro.

Graficamente, a animação é bem sucedida. Propositalmente, os humanos mostrados são desenhados de uma maneira bem artificial, de modo a fazer um interessante paralelo entre eles e os animais. Bem feito o jeito quadrado da guarda florestal Beth quando está ao lado do perfeito Urso Pardo; do enorme e estereotipado caçador Shaw; e sem falar no bizarro casal dono de um cão "salsicha", que só de olhar para eles, já dá vontade de rir. Se o filme tem defeitos, certamente esses não são técnicos. Digo isso não só da parte gráfica, pois a direção também é bastante eficiente, afora uma certa falta de continuidade lá pelo meio da projeção, quando as piadas ficam de lado para dar espaço ao sentimentalismo barato e o filme se torna um tanto cansativo. Mas na condução dos personagens, intercalando com as piadas, a equipe faz um belo trabalho, fazendo jus a sua experiência: Roger Allers foi um dos diretores de "O Rei Leão", Jill Culton trabalhou na Pixar e ajudou no desenvolvimento dos dois "Toy Story" e "Monstros S.A."; e Anthony Stacchi que fez vários trabalhos para a Indústria Light & Magic, empresa de George Lucas.

O problema maior se aplica mesmo ao roteiro rasteiro de Steve Bencich e Ron J. Friedman, que têm no currículo o ótimo "Irmão Urso", e o fraquíssimo "O Galinho Chicken". Convenhamos, apresentar a história de um animal urbano que se transfere para a floresta e apresentar uma série de piadas baseadas em sua falta de adaptação, não é novidade nenhuma. Para piorar, a dupla de roteiristas não tentou fugir nem dos velhos clichês dos filmes de animação: mostrar o protagonista agindo de modo individualista e abandonando seus "amigos", para depois ter a chance de se arrepender e mostrar sua redenção; ninguém agüenta mais ver. Para piorar, o personagem Elliot, apesar se ser a melhor coisa mais divertida do filme, é uma cópia descarada do Burro de "Shrek", por ser um bicho de voz chata, que todos aos seu redor não o suportam, os espectadores morrem de rir dele. Mas o roteiro possui suas boas sacadas. Umas delas, certamente, os cinéfilos irão aprovar ao identificar a homenagem a "Coração Valente", no momento em que os animais resolvem duelar com os caçadores, igual a uma batalha de filme épico. Sequer o grito de "Liberdaaade" exclamado por William Wallace no épico dirigido por Mel Gibson em 1995 ficou de fora.

A produção se salva mesmo por seu bom teor cômico e uma série de personagens que conquista o público. Fora o sempre hilário Elliot, o próprio urso Boog é bastante simpático, e contagia o espectador exatamente por se mostrar um sujeito ingênuo que se mete em situações inusitadas. Ver um urso de 400kg "bêbado" de tanto comer é algo que paga o ingresso da animação. Além deles, os essenciais bichos coadjuvantes possuem seu extremo valor na história. O simpático porco espinho azul que quando aparece só fala "amigããão" é uma atração à parte, garantindo risos toda vez que aparece em cena. Fora ele, os esquilos atiradores de nozes, as gambás "encalhadas", os patos sofredores por não existirem mais mulheres de sua espécie na região, todos eles garantem um peso a mais à produção. E o principal: para quem curte humor negro, daquele de rir à beça da desgraça alheia, os coelhos que apanham mais do que saco de pancadas presentes no filme são motivos de ótimas gargalhadas. O que chega até a acontecer é de os animais coadjuvantes roubarem a cena da dupla protagonistas, pois eles possuem um ar cômico bem mais aguçado.

Ainda não tive a oportunidade de assistir ao filme com as vozes originais, por isso não posso avaliar o desempenho de Martin Lawrence, Ashton Kutcher, Gary Sinise e cia. Pelo menos na versão dublada digo com convicção que o resultado não poderia ter sido melhor. Acertadamente, aqui não tem vozes célebres de atores globais como forma de chamar ainda mais atenção para o filme, mas um time de atores e dubladores profissionais que atuam há décadas na área. Os mais atentos certamente irão reconhecer algumas vozes de algum lugar, pois essas estão presentes em várias dublagens de filmes e desenhos na televisão, além de personagens secundários de grandes animações cinematográficas (geralmente para os protagonistas são convidados atores globais). A ingenuidade do urso Boog, a irreverência do cervo Elliot… tudo foi captado com perfeição.

Cômico e cheio de personagens cativantes, "O Bicho Vai Pegar" é uma animação que cumpre bem seu intuito de divertir. Infelizmente, o roteiro raso impede que o filme ocupe um lugar de destaque em meio às inúmeras animações que surgem, apesar de possuir todos os quesitos para isso. É um bom começo para a Sony Animation, que, quem sabe com um pouco mais de experiência, concorra de igual para igual com Disney/Pixar, Dreamworks, Fox, Warner, etc. Se a tendência for aumentar a qualidade, podemos dizer que "O Bicho Vai Pegar" seja um ótimo aperitivo.

Thiago Sampaio
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