Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 08 de outubro de 2006

Muito Gelo e Dois Dedos D'Água

Praticamente nada funciona em "Muito Gelo e Dois Dedos D'Água". Com personagens caricatos e um roteiro que beira o ridículo, o filme não passa de uma tentativa sem sucesso de trazer comédia às telonas.

O cinema brasileiro está crescendo. Apenas este ano, inúmeras produções advindas das terras brazucas afloraram. Entre elas, algumas realmente de qualidade, outras que visavam apenas para divertisão. Infelizmente, no meio desta gama de filmes, surgem aquelas que não servem para absolutamente nada. Aliás, servem, sim, para algo: reafirmar que há pessoas sem senso do ridículo. Não perguntem como é possível, mas confesso que até nutria uma certa simpatia por "Muito Gelo e Dois Dedos D'Água". No entanto, todo o sentimento favorável em meu ser sobre o longa se esvaeceu. O filme se mostrou uma tentativa sem nenhum sucesso de estabelecer o gênero comédia. Sinceramente, quesitos bons são até difíceis de achar, mas você verá alguns no decorrer desta crítica.

A trama até parecia possuir aspectos de uma boa comédia. Duas irmãs, Roberta (Mariana Ximenes) e Suzana (Paloma Duarte), são bem diferentes, no entanto, possuem um fato em comum: pretendem se vingar da sua avó (Laura Cardoso), uma velha má que durante a infância das duas as atormentava e torturava com conceitos rígidos de etiqueta e educação. Decidem, então, seqüestrar a senhora e fazer com que esta passe por tudo que elas foram obrigadas a passar nos cruéis finais de semana na casa de praia. No meio deste plano, o advogado certinho Roberto (Ângelo Paes Leme) se junta acidentalmente à dupla. Enquanto Francisco (Thiago Lacerda), marido de Suzana, passa a persegui-las com o intuito de resgatar a sua esposa da má influência exercida por Roberta.

Uma história simples, porém que, se bem administrada, poderia proporcionar bons momentos de risada. Todavia, neste filme, tudo parece muito amador, inclusive a direção de Daniel Filho decepciona. Os efeitos de desenhos animados usados para tirar risos do espectador são altamente desnecessários, já que não divertem e apenas expõem a produção ao ridículo. Para citá-los, em alguns momentos, a cabeça do personagem de Ângelo Paes Leme aumenta e diminui, e os olhos da avó malvada tornam-se coloridos e ficam piscando (?). Sinceramente, é tão horrível de chegar ao ponto de você se perguntar como uma pessoa achava que, ao utilizar tais recursos, o filme ganharia mais graça. Ainda, o diretor peca outras vezes durante a projeção, não possuindo algum timing para comédia e não valorizando nem um pouco os ambientes que estavam em suas mãos.

O roteiro é outro ponto desfavorável. Com personagens bastante caricatos, o texto tenta forçar um pouco o riso no espectador, mas não consegue. Sinceramente, creio que o casal Alexandre Machado e Fernanda Young poderia ter escrito algo bem melhor (até porque pior do que isso não é tão fácil). O texto é permeado por falas absurdamente ridículas que tentam reforçar que o filme está imerso no gênero comédia. Sem contar que o roteiro poderia ser bem mais "enxuto", excluindo momentos desnecessários para poupar um tempo mal empregado do espectador. O título do filme já é ruim, mas a comparação de "muito gelo e dois dedos d’água" feita pelo advogado com o coração de Roberta é ridícula. Pelo menos os roteiristas se preocuparam em explicar o porquê deste nome enorme que algumas pessoas sequer decoram.

Os personagens não estabelecem nenhuma proximidade com o público, sendo bastante caricatos no decorrer do longa. Por exemplo, Roberta é a típica garota que era excluída na escola e cresceu revoltada com a vida (que complexo e diferente, não?). Com um papel desses, era de se esperar que Mariana Ximenes não conseguisse mostrar seu talento. Ela é aquela jovem rebelde e só. Um pouco melhor está Paloma Duarte na pele de Suzana. Embora não se sobressaia (o que não é somente o caso dela), em comparação ao roteiro, até que a atriz está boazinha. Neste filme, Ângelo Paes Leme apenas veio para demonstrar que não possui muito talento para as artes cênicas. Mas, enfim, irei dar uma chance a ele, visto que nada contribuiu para que se saísse bem. Agora, extremamente deprimente é ver Laura Cardoso se submetendo a um papel ridículo desses. A atriz sequer tem espaço no filme, já que passa boa parte dele sedada e falando coisas sem nexo (que, mais uma vez, não trazem risos). Laura Cardoso é tão talentosa, não deveria participar de produções como essa.

Agora vamos aos fatos bons presentes no filme. De antemão, aviso que são poucos. A trilha sonora, em comparação ao restante da produção, é boa. Não que as músicas realmente sejam dignas de aplauso, na realidade, não são, mas se for compará-las com o longa, que é lastimável (para não dizer um adjetivo mais cruel), beiram o conceito de ótimo. Traz canções antigas que grande parte do público se lembrará, como Sandra Rosa Madalena, de Sidney Magal, e O Amor e o Poder, de Rosana. Agora, o único ponto que se salva plenamente no filme são as cenas de animação usadas como flashbacks. Sempre que um personagem se lembrava de algo, recorriam às seqüências animadas, até bem feitas, por sinal. Pena que figuram pouquíssimos minutos da projeção.

Há comédias altamente descartáveis, mas que, mesmo assim, divertem. Infelizmente, este não é o caso de "Muito Gelo e Dois Dedos D'Água". O filme traz pouquíssimos aspectos favoráveis, não disponibilizando sequer bons momentos de risada para o público. Se eu pudesse voltar atrás e não tivesse que escrever esta crítica, jamais investiria praticamente 1h40 da minha vida indo ao cinema conferir este projeto. Meu conselho está dado, agora, meu caro leitor, fica a seu cargo decidir se assistirá ou não este filme tão lastimável.

Andreisa Caminha
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