Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 30 de setembro de 2006

Torres Gêmeas, As

Com uma história pouco relevante frente aos grandes acontecimentos do dia 11 de setembro, "As Torres Gêmeas" torna-se pouco atrativo e funciona apenas como uma homenagem a dois dos vinte sobreviventes da tragédia.

Kitsch. É como descrever o filme de Oliver Stone e a comoção causada em setembro de 2001 em uma só palavra. Segundo o escritor Milan Kundera, Kitsch é uma visão "asséptica da realidade", excluindo da nossa percepção tudo aquilo com que temos dificuldade em lidar e onde qualquer dúvida é evitada. É o sentimento que une os seres humanos em uma comoção mútua e ao mesmo tempo cega. Os fatos ocorridos no referido dia se transformaram em um divisor de águas de nossa história contemporânea, pois foi um atestado do cenário político e social, envolvendo uma série de questões até então postas em segundo plano. Ao invés de discutir tais questões, o filme de Stone centra-se na história de dois policiais (que não realizaram nenhum ato heróico, já que estavam lá para cumprir seu trabalho) e no drama vivido por suas famílias, tornando-se apenas mais um exercício kitsch.

No primeiro ato (único que funciona bem em todo o filme), somos apresentados a mais um dia de rotina de Nova York. Com várias tomadas mostrando o cotidiano da cidade, Stone nos prepara para os acontecimentos que viriam a seguir e que chocaram não somente seus habitantes, mas todo o mundo. Após a misteriosa colisão de um avião com uma das torres do World Trade Center, um grupo de policias portuários, liderado por John McLoughlin (Nicolas Cage), é incubido de ir até o local e evacuar a área. Porém, no percurso existente entre as duas torres, os policiais acabam soterrados e mortos, restando como sobreviventes apenas o sargento McLoughlin e o policial Will Jimeno (Michael Pena). Infelizmente, o momento dramático e tenso vivido pelos personagens, localizados sob os escombros, logo dá lugar a discursos repletos de clichês, ainda mais acentuados durante o segundo ato, quando somos apresentados às famílias dos dois sobreviventes. Como se não bastasse, uma série de flashbacks maniqueístas e desnecessários, cujo único objetivo é aproximar sentimentalmente o espectador do sofrimento vivido pelos personagens, tornam-se recorrentes na trama, evidenciando a fragilidade do roteiro.

Apesar destes problemas, o erro mais grave de "As Torres Gêmeas" está mesmo na personificação do herói americano em uma figura um tanto quanto duvidosa. Trata-se de um ex-fuzileiro naval que recebe um chamado de Deus (!) para ajudar as vítimas do atentado. Depois deste gesto de tamanha bondade, já que o militar consegue encontrar os policiais sobreviventes, somos informados de que o ex-fuzileiro parte para o Oriente Médio para vingar os atentados, em uma clara referência da tão famosa alienação americana (uma vida por muitas). Além disso, o longa toca em outro ponto fraco ao trazer uma aparição de Jesus, um tanto quanto forçada e que não cabia no contexto, em um episódio onde a religião teve um papel influente e delicado.

O único ponto alto mesmo do filme reside no fato deste nos proporcionar uma visão interna da tragédia, o que de fato é mostrado com maestria técnica neste "As Torres Gêmeas". Infelizmente, o desabamento dos prédios acontece logo no início do longa, deixando uma certa frustração no espectador por não poder adentrar um pouco mais no World Trade Center e conferir de perto o pânico vivido por aqueles que ali estavam. Quanto ao elenco, este se sai bem, especialmente as esposas vividas por Maggie Gyllenhaal (irmã de Jake Gillenhaal) e Maria Belo (de "Marcas da Violência"), que trazem atuações corretas, mas que não chegam a ser excepcionais.

Resumindo, "As Torres Gêmeas" é uma obra cansativa e nada original. Com a desculpa de ser baseado em fatos reais, o filme não evita os clichês e o dramalhão desnecessário, o que acaba por fortalecer a sensação de irrelevância da história perante acontecimentos maiores. Portanto, fica a esperança de que projetos melhores, como "Vôo United 93", sejam realizados sobre este dia que ficará marcado para sempre na história da humanidade.

Diego Coelho
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