Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 30 de setembro de 2006

Casa do Lago, A

"A Casa do Lago" retrata um amor impossível traduzido em belas imagens. Apesar da inverossimilhança, vale apreciar a seleção de imagens poéticas do cineasta Alejandro Agresti.

Co-produção WB/Village Roadshow Pictures Vertigo Entertainment, "A Casa do Lago" (The Lake House), refilmagem de película sul-coreana, traz a assinatura do competente diretor argentino Alejandro Agresti (1961), em seu primeiro filme em língua inglesa. Segue ele a tradição do bom cinema platino, muito embora sucessivas ditaduras não tenham favorecido a individualidade artística.

Ainda assim, nas décadas do pós-guerra, projetaram-se cineastas como Hugo del Carril (também ótimo cantor de tangos) com "Las Águas Bajan Turbias" (1952); Leopoldo Torre-Nilsson, de proeminência internacional, com "La Casa del Angel" (1957), "Fin de Fiesta" (1960), "Piel de Verano" (1961), "Martin Fierro" (1968), "Le Regard des Autres" (rodado na França em 1980), e "Afrodita, el Sabor del Amor" (2002); Fernando Solanas com "Tangos, Exilios de Gardel" (1985), “Sur” (1987), "El Viaje" (1992) e "La Nube" (1998); e o recém-falecido Fabian Bielinsky, realizador de "Nueve Reinas" (2004), para só citarmos alguns nomes, pois há outros diretores de peso chegados ao século XXI (até mesmo do naipe feminino).

Agresti começou a chamar atenção de produtores e críticos com "El Hombre que Ganó la Razón" (1986), "Boda Secreta" (1988), "Everybody Wants to Help Ernest" (1991), "A Lonely Race" (1992), "El Acto em Questión" (1993), "Buenos Aires y Vice-Versa" (1996), "Una Noche com Sabrina Love" (2002) e "Por um Mundo Menos Ruim" (2004).

"A Casa do Lago", com roteiro de David Auburn baseado em homônimo filme sul-coreano, enfoca um amor romântico impossível num desencontro no tempo entre a médica Kate Forster (Sandra Bullock) e o engenheiro Alex Wyler (Keanu Reeves), ela em 2006 e ele em 2004.

O fulcro do enredo é a própria inverossimilhança, pois a comunicação entre eles só se faz por cartas via misteriosa caixa do correio situada em frente à casa construída, aliás, pelo arquiteto Simon Wyler (Christopher Plummer), pai de Alex, a quem somos introduzidos lá pelas tantas para termos um vislumbre dos desentendimentos dentro da constelação familiar.

O maior mérito de Agresti, em face do inacreditável, é não deixar o filme cair no patético-ridículo. O encontro dos enamorados a distância, com vidas em anos diferentes, só seria possível se os mortos voltassem e estes, sabemos, não voltam mais.

Filmes houve, como "Um Passo além da Vida" (Between Two Worlds), de Edward A. Blat (1944), quando um casal de suicidas e as vítimas de uma explosão "ressuscitam" num navio estranhamente vazio rumo a outro (?) mundo (tema da refilmagem da peça de Sutton Vane), ou "Laços Eternos" (Un Soir un Train), de André Delvaux (1968) ou "A Defesa do Castelo" (Castle Keep), de Sydney Pollack (1969), nos quais os personagens em cena parecem já ter morrido… Mas o roteiro inteligente, com seu clima de estranhamento e direção criativa, consegue de certa forma contornar a implausibilidade.

Não é o caso agora. Restou a Agresti atuar corretamente desde um ponto-de-vista técnico e legar-nos belas imagens, ora apreendidas pelo volteio de uma câmara ágil, com leveza de movimentos (impossível não lembrar Max Ophuls de "Madame D…" e "Carta de uma Desconhecida"), e pelo uso imaginativo da dolly (câmara sobre trilhos).

Da grua atenta nascem os plongées da grande praça repetidos em três momentos distintos, quando os pássaros tentam alçar vôo ou se espantam com o movimento dos passantes, sugestivos de instantâneos extraídos de álbuns turísticos produzidos por artistas sensíveis à luz.

A estranha casa do lago, vazia a maior parte do tempo, pode simbolizar a espera para um reencontro dos dois no mundo da memória e da imaginação. Mas aí já estaríamos em Alain Resnais e a história e a abordagem seriam outras. O expressivo recuo da câmera no longo corredor do hospital, enquanto a médica também avança em direção à objetiva (movimento de câmera e do personagem), lembra igualmente "Marienbad", quando a câmera penetra velozmente em sentido contrário no corredor interminável do magnífico castelo germânico e a gradativa superexposição do enquadramento conduz o espectador a um surpreendente fecho de cena, metáfora visual do orgasmo da personagem feminina.

Também cinegrafista, Agresti orienta bem a captação da arquitetura de Chicago, a segunda maior cidade dos EUA, com seus arranha-céus, prédios e lojas suntuosos, frios na sua projeção de cimento armado, um formigueiro de gente a sugerir a inviabilidade das grandes metrópoles.

O bom uso da steadicam operada por Mark La Bouge evita o treme-treme da câmera, quando os rivais de Kate caminham pelas ruas. Louvem-se ainda angulações expressivas, como no enquadre dos personagens vistos pelo contreplongée, quando eles se encontram no alto da casa. Agresti só claudica um pouco quando utiliza sem necessidade o close-up das máscaras faciais do casal separado pela barreira do tempo.

O fundo musical de Rachel Portman inclui melodias de Paul McCartney, Gordon & Warren e até trecho não-creditado do sucesso artístico de Charles Trenet, "Que Reste-t-il de Nos Amours" (em versão inglesa), usado por Truffaut em "Baisers Volés". Sandra e Keanu voltam a encontrar-se muitos anos depois de "Velocidade Máxima" (Speed, 1994), segundo filme da estrela, mas aquele com o qual se projetou. Sedutora e charmosa, tem talento cênico, enquanto Keanu é um ator convencional. Plummer tem no seu metabolismo a categoria dos grandes veteranos do cinema. Ebon-Moss Bochrach (o irmão de Alex) e Dylan Walsh (Morgan) têm pobre presença. Apesar da inverossimilhança, vale apreciar a seleção de imagens poéticas do realizador argentino.

L.G. de Miranda Leão
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