Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 30 de setembro de 2006

Menina Má.com

Oscilando entre um roteiro sem muita base para acreditarmos nas motivações de seus personagens, mas que é compensado com atuações extremamente impressionantes, "Menina Má.com" acaba dividindo-se entre o interessante e o sacal, dependendo dos espectadores.

Com a popularização da Internet, abrimos nossas casas para um mundo completamente novo e vasto. Da mesma forma que essa abertura nos fascina e traz novos conhecimentos, ela também é porta para um mundo sinistro e completamente pervertido, um mundo que vive nos lados mais obscuros da mente humana, e com a possibilidade da conversa via Internet, esse lado obscuro pode ser libertado, infelizmente. E o que poderia ser uma conversa inocente pode acabar em crime.

O filme gira em torno de um encontro entre a jovem Hayley (e entenda jovem como sendo realmente jovem!) e o fotógrafo Jeff. Os dois se conheceram em salas de bate-papo pela Internet. Ele já em uma idade que poderia ser uns trinta anos (a sua idade nunca é mencionada), marca um encontro com Hayley em um café. Primeiramente tímida, a jovem acaba conquistando aos poucos o fotógrafo. O jeito da adolescente querendo ser mulher o seduz e logo os dois estão na casa de Jeff. As coisas mudam completamente de figura quando Jeff acaba desmaiando.

Sem se preocupar com o passado de cada personagem e nem mesmo fazendo uma ligação que gere o verdadeiro motivo da pequena Hayley fazer o que faz durante o filme, David Slade acaba por pecar ao não criar um vínculo entre o espectador e a personagem. Isso dificulta uma conexão ou simpatia para com o personagem e a sua "missão" ou objetivo. Mas essa mesma opção de não utilizar o passado dos personagens também o ajuda a aos poucos desvendar o personagem do fotógrafo, que depois de 30 minutos do filme passa as maiores torturas na mão da garota. Isso faz com que gere uma dúvida na cabeça do espectador, que luta para encontrar algum personagem ao qual ele possa se apegar ou até mesmo torcer para que ele se dê bem no final do filme. Aliás, esse é um dos maiores méritos do filme, não trabalhar com personagens bonzinhos, mas, sim, com a realidade, embora ela beire um pouco a loucura.

O filme também ganha pontos, e muitos com a atuação de Ellen Page e Patrick Wilson, que dão simplesmente um banho em muito ator conhecido quando o quesito são atuações e químicas. E, claro, se isso não funcionasse neste filme, poderia ser a ruína do projeto, já que ele se baseia muito em conversa. Ellen Page se mostra uma atriz de mão cheia, muito melhor do que ela foi capaz de fazer com a sua última personagem nos cinemas (Kitty de "X-Men: O Confronto Final"). Infelizmente, David Slade não soube aproveitar seu personagem, e está claro que, se Page cair nas mãos de um excelente diretor, com certeza ela estará concorrendo a premiações em breve. Embora não tão bom quanto Paige, mas o suficiente para o filme, Wilson consegue se mostrar muito mais expressivo e com um trabalho de atuação muito melhor do que também o seu último trabalho, como o ridículo Raoul em "O Fantasma da Ópera". Seu amadurecimento em atuação neste filme é tamanha que é quase impossível acreditar que ele é o mesmo ator de "O Fantasma da Ópera", de Joel Schumacher.

O maior problema da produção ficou com o próprio diretor David Slade. Conseguindo dar um dinamismo ao filme, o diretor peca ao não conseguir aprofundar as personagens e também ao trabalhar as edições, insistindo em fazer os cortes ao passar sempre por detrás de uma coluna ou parede da casa do fotógrafo, que não sei porque diabos é vermelha, mas tudo bem. Outro ponto fraco do diretor são os planos. Acostumado com a linguagem de televisão, ele abusa ao extremo de ângulos fechados, e parece se utilizar de apenas uma câmera em alguns momentos chaves de reações dos personagens, onde ele acaba perdendo (como é o caso quando Hayley dá água para Jeff, este cospe a água na cara da garota). Mas o diretor acerta ao escolher, ao lado de Jo Willems, uma fotografia mais detalhada, utilizada muito em filmes de ação. A escolha, claro, se mostrou acertada, já que o filme, por se passar em sua maior parte em um cenário limitado, como é a casa do fotógrafo, sem muito espaço para as lutas físicas que ocorre no filme, a fotografia veio ajudar a tornar os movimentos mais violentos.

O filme também não se utiliza de quase nenhuma trilha sonora, se valendo mais do silêncio e das falas, dando um ar de maior realidade ao filme, e deixando o espectador muito mais angustiado com o desenrolar das situações do que se as cenas fossem acompanhadas de músicas de suspense.

Baseado em fatos reais, nos quais adolescentes no Japão estavam fazendo armadilhas para possíveis pedófilos, "Menina Má.Com" não chega a ser um exemplar único necessário ser visto nos cinemas, mas ele possui suas qualidades, embora ainda não seja um filme imperdível e talvez funcionasse muito melhor como um curta-metragem do que o longa apresentado. Mas vale a pena uma conferida. Mas aviso, você poderá sair do cinema se sentindo como se carregasse o peso do mundo nas costas, principalmente por saber que parte da ficção do filme é, na verdade, uma realidade do nosso mundo.

Leonardo Heffer
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