Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 13 de outubro de 2006

Libertino, O

Basicamente teatral, "O Libertino" traz uma parte técnica quase impecável e um elenco basicamente atraente e responsável, porém vai se perdendo meio a cenas particularmente exageradas e um roteiro pouco preocupado em dar intensidade aos seus personagens.

Johnny Depp encara mais uma vez um personagem exótico ao interpretar o poeta provocador e libertino John Wilmot, conde de Rochester, que viveu no século 17 e cuja fama literária foi reconhecida após sua morte devido a sífilis e problemas alcoólicos. Nos primeiros minutos, somos apresentados ao personagem por um prólogo bastante interessante no qual Wilmot antecipa sua falta de caráter e conscientiza o espectador que não terá o seu carisma durante a história que será contada. Quando o longa começa, vamos conhecendo a vida promíscua e libertina que o conde tinha, ignorando parcialmente o seu casamento, mas não deixando de ser uma pessoa culta, o que reflete nas obras que escrevia, nas quais sobrecarregava com o pornográfico e agitava a sociedade da época. O conde aceita a encomenda de escrever uma obra literária importante para o rei, mas continua a dedicar seu tempo à bebida e ao sexo. Entre uma escapada e outra, troca farpas pornográficas com os escritores George Etherege (Tom Hollander) e Charles Sackville (Johnny Vegas). Ele sai um pouco dessa rotina de libertinagem quando vê a atriz principiante Lizzie Barry (Samantha Morton) durante uma apresentação teatral e decide convertê-la numa das grandes estrelas dos palcos londrinos. Conhecido por sua honestidade brutal, ele exige verdade das atuações de Lizzie, e a atriz obstinadamente independente, superando seus receios, cresce e aparece sob sua tutela. Ao mesmo tempo, torna-se sua amante, despertando nele uma paixão que ele só irá admitir quando for tarde demais.

Baseado em uma peça de teatro inglesa de Stephen Jeffreys, o roteiro do longa foi contruído pelo próprio Jeffreys e manteve-se acima de tudo teatral, ou seja, quem não tiver paciência para assistir às intensas apresentações de teatro não se agradará muito. Rigidamente literário e poético, "O Libertino" traz longos diálogos e muita intensidade no que será executado nas cenas seguintes e isso explica-se por se passar em um época onde Shakespeare já tinha se registrado na história mundial, e a Inglaterra, prestes a guerrear com a França, tentava se reestruturar com o governo de Carlos II. Sem temer em mostrar suas origens teatrais, o roteiro de Jeffreys acaba pecando em não conseguir aproximar os personagens do espectador, deixando-os muito independentes a obterem êxito sozinhos, já que algumas relações do protagonista como, por exemplo, com sua amada Lizzie, acabam ficando na superficialidade e não há consistência no sentimento que existe entre os dois. Do mesmo jeito que não procura explicar de onde vinha todo o sucesso que John Wilmot tinha como escritor, sem dar intensidade à parte culta do personagem, preocupando-se mais em mostrar seu lado libertino, o que também tem lá seus calos, já que o histórico do personagem apontava sua bissexualidade e foi ignorada no enredo.

Filmado em uma película onde a sujeira é característica da produção, acaba tendo um caráter diferente e ousado das produções da época, mas acaba caindo no exagero. Em muitos momentos, o diretor Laurence Dunmore deixou a desejar, mostrando seu amadorismo em questões simples como iluminação e marcação de cena, sem falar que o uso excessivo do desfoque que certas cenas tiveram acabam tirando o brilho onde esta técnica foi usada com competência, como pode-se citar os momentos finais, onde Wilmot, atacado pela sífilis e demonstrando fraqueza corporal, faz um discurso meio a gente importante e a câmera vai acompanhando a degradação do personagem. Dunmore também não se preocupou em fazer uma relação temporal da época em que os eventos ocorreram, e decepcionou ao não especificar o distanciamento temporal que cada cena tinha, principalmente quando se passavam muito tempo de uma cena para a outra, atrapalhando no entendimento dos fatos. Mesmo assim, Dunmore contou acima de tudo com uma parte técnica magnífica quando se tratou de figurino, direção de arte e trilha sonora, revelando-se essenciais para o bom desenrolar da trama.

O elenco tenta explorar o máximo que cada personagem, por mais simples que seja, possa vir a ser trabalhado, compensando, em partes, a deficiência do roteiro. Johnny Depp não surpreende com mais uma atuação particularmente estranha. Ele faz de John Wilmot um anti-herói que acaba ganhando a simpatia do público. Mesmo usando elementos já trabalhados em personagens anteriores como Edward e o capitão Jack Sparrow, Depp engata na atuação e confirma seu talento a partir do momento em que Wilmot revela sua doença e passa de cínico e ousado a um doente fragilizado que não quer se mostrar incapacitado, inclusive continuando a ingerir álcool, sem se importar com seu estado. Samantha Morton se destaca ao mostrar sua versatilidade em cima de Lizzie, sabendo muito bem diferenciar momentos e trabalhar a voz, principalmente nos momentos em que o protagonista dava aulas de atuação para seu personagem. John Malkovich faz de Charles II mais uma memorável contribuição para a sua carreira cinematográfica, sabendo com maestria trabalhar sua constante mudança de humor e denunciar sua ambigüidade.

Mesmo tendo sido um fracasso nas críticas estadunidenses e não ter se saído nada bem na bilheteria, "O Libertino" vem mostrar mais uma vez que estamos acostumados a assistir produções de fácil digestão e que temos preguiça de pensar. Se não é preguiça, é a pouca entrega que damos ao filme e acabamos não compreendendo tudo que a história quis passar, devido à sua complexidade e ao modo que é trabalhada, cheia de diálogos pesados e extensos que requerem muito do espectador. Deslizando um pouco no roteiro e na direção, ainda assim temos bons momentos e podemos conferir o talentoso Johnny Depp em mais um personagem estranho em um drama diferente e denso que merece ser assistido.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

Compartilhe

Saiba mais sobre