Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 13 de outubro de 2006

Closer – Perto Demais

Ame ou odeie. "Closer - Perto Demais" é, acima de tudo, extremista, uma ode aos relacionamentos e suas conseqüências (e causas); um ensaio brilhante do que é o ser humano quando ama (ou não) alguém. Um jogo teatral de diálogos fortes, marcantes e personagens mais próximos de nós do que imaginamos.

A história centra-se em quatro personagens: Anna (Julia Roberts), uma fotógrafa bem sucedida que vive longe de relacionamentos, já que recentemente se divorciou, que conhece Dan (Jude Law), ao fotografá-lo para o livro que está prestes a lançar, envolvendo-se de cara com o aspirante a escritor, que tem mais sucesso mesmo como redator de obituários. Por sua vez, Dan namora Alice (Natalie Portman), ex-stripper que vai a Londres sem muitas perspectivas, procurando apenas viver uma nova vida e esquecer seu passado amoroso. Dan acaba colocando Larry (Clive Owen) de uma forma bem ousada na vida de Anna, e os quatro começam a viver seus amores e suas traições, que andam em um círculo que parece jamais ter fim. É uma chuva de mágoas, tolices, pretensões, arrogâncias, falta de caráter, e tudo que faz com que relacionamentos se degradem, terminem, voltem, haja perdão (ou não), enfim. Uma verdadeira mostra do que nos incomoda, nos chateia, mas que não passa de um tapa na cara para todos os erros que cometemos e que, certamente, cometeremos algum dia.

Roteiro ousado, sabe muito bem onde mexer, em quais feridas tocar. Repleto de diálogos fortes e inesquecíveis, o roteirista Patrick Marber faz com que os personagens falem tudo aquilo que nós sempre quisemos falar, proporcionando uma capacidade de identificação do público em vários momentos da trama. Tenho certeza que aqui ou acolá, sentimos na pele e, o mais importante, compreendemos os sentimentos de cada um. Mas nem tudo é tão claro. Existem os momentos em que só aquelas pessoas entendem os porquês de seus atos e o roteiro acerta acima de tudo em ser íntimo e voraz, possibilitando que a carga emocional de cada um seja bem trabalhada, envolvendo o espectador e transportando-o para um mundo realista e longe de ser apenas uma ficção. É impressionante a delicadeza com que a história foi construída. Mesmo sendo feita para chocar e liberar sensações, a sutileza não atinge um ponto onde os clichês imperam, coisa realmente rara se tratando de produções que envolvem relacionamentos, que geralmente caem no mesmo lugar comum. "Closer – Perto Demais" não. Ele consegue mostrar as situações comuns, mas com uma inteligência que, por mais que possa conter algum momento já visto em outros filmes, adquire um novo caráter justamente por ser conduzido de uma forma que prende quem assiste.

Mike Nichols está bastante notável na direção. A leveza dos planos valorizam as emoções de cada personagem e não desvaloriza o que eles têm a dizer, entrando em uma harmonia ímpar e conseguindo extrair tudo que precisa do elenco. Abusando da sua capacidade fotográfica, nos dá belos momentos visuais que não precisam nem de palavras para ter uma composição atraente, dispondo-se apenas de uma música aqui ou um silêncio acolá. A montagem está refinadíssima. Simples, porém com efeito. Logo no começo, brinca ao trabalhar o tempo da trama inserido nas atitudes de cada personagem. De uma cena para outra se passam meses e isso não fica explícito visualmente, mas deixa-se a entender. E o mais interessante: não parece forçado. Do mesmo jeito acontece quando, do meio para o final, o roteiro dá a possibilidade de alteração na ordem cronológica dos acontecimentos, mostrando-se seguro e maduro, sendo mais um elemento a ser aplaudido. Nichols acertou no projeto e mostrou uma verdadeira versatilidade ao encarar os diversos níveis que a trama vai alcançando, sem decepcionar em nenhum e estabelecendo uma relação íntima com a história.

Julia Roberts está sensacional. Ela dá à Anna um caráter medíocre que denuncia toda sua fragilidade e, ao mesmo tempo, sua força ao enfrentar determinadas situações. Madura, Roberts constrói um universo traiçoeiro e multifacetado de sua personagem com responsabilidade e demonstra estar bem à vontade em seu papel. Jude Law faz de Dan acima de tudo um homem bom, mas egoísta, com uma visão estreita das coisas e das pessoas, achando que pode se encaixar no joguinho do momento e sair lucrando dele. Law mostra um novo conceito de atuação e não faz de Dan um estereótipo. Clive Owen me surpreendeu ao conseguir se afastar de papéis passados e dar a Larry a repulsa que um homem mesquinho e capaz de tudo para estar por cima. No começo, ele é irritante e egocêntrico, pornográfico e grotesco, mas ao decorrer da trama, vai se mostrando de uma imensidão psicológica tão forte que é capaz de abrir caminho no mar se for preciso, sempre dispondo de uma ironia no repertório. Natalie Portman é a revelação. A personagem mais jovem, mas a que mais surpreende com suas atitudes e sua maturidade. Sabe evoluir seu personagem e usa da expressão facial e do seu olhar como chave para cada fala. Ela dá a possibilidade de construirmos um mundo dentro dela, adivinhar seu passado, nos identificar com ele, e ser simples e objetiva em suas decisões. Mesmo tendo uma carreira não muito notável até então, Portman mostra seu talento e faz com que o espectador vire um pouco Alice.

E a trilha sonora? Dentre instrumentais e até musicas brasileiras, sem dúvida a que entrou para a história foi The Blower's Daughter, de Damien Rice. Aparecendo logo durante os primeiros momentos de filme e no final, ela pontua um começo e um fim (e um novo começo) na vida de seus personagens, se encaixando majestosamente na história e arrepiando e emocionando. E é isso que o filme faz o tempo todo: mexe com os nossos sentimentos de uma forma tão traiçoeira que passamos a não saber para quem torcer, ou se queremos torcer. "Closer – Perto Demais" é um mix de tragédia e comédia, de vitórias e fracassos, de uma instabilidade que todos nós passamos quando nos remete a algum relacionamento amoroso na nossa vida e mostra que a verdade nem sempre é a melhor saída para resolver as situações e que as palavras podem sempre ser as principais causadoras de sofrimento que uma pessoa possa sentir. Temos uma prova do que nós somos, do que nos tornamos, da existência de um jogo de interesses próprios, da frieza que algumas vezes temos para resolver determinadas situações delicadas. É o retrato de uma sociedade que brinca com o amor, com as pessoas, com o sexo. Sexo este que nem foi preciso estar explícito no filme, pois só sua menção soou mais forte do que uma possível cena de sexo que o longa pudesse conter.

Vemos a existência da capacidade que as pessoas têm de amar e desamar, de aceitar, de reprovar, de machucar, de construir e depois destruir tudo, de enganar, de ser baixo, de querer ouvir daquela pessoa a verdade que sempre clamamos, de invadir a vida alguém sem pedir licença e sair dela deixando marcas definitivas. Vemos, acima de tudo, frases que ficam soando durante dias na nossa cabeça, que deprimem por sua veracidade, que nos identificamos e certamente nos incomoda. Por isso que eu disse logo no começo: ame ou odeie. Não existe meio termo com "Closer – Perto Demais". Aos que não gostaram ou que não conseguiram entender a finalidade da produção é lamentável não ter despertado uma leitura tão decepcionante. Mas de uma coisa eu tenho certeza: "Closer – Perto Demais" é obra-prima e realista e magnífica deste jeito, estou pagando para ver acontecer de novo futuramente.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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