Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 27 de maio de 2006

X-Men: O Confronto Final (2006): um excelente filme de ação

Surpreendente, movimentado, o terceiro e último (?) filme dos mutantes da Marvel tem tudo para agradar ao público em geral que clama por ótimas cenas de ação e uma boa trama. Ainda assim, certas irregularidades e o curto tempo de duração impedem que este seja considerado por unanimidade o melhor da trilogia.

Ao fim do espetacular “X-Men 2”, a perguntava de todos os fãs que saíam atônitos do cinema era “quanto tempo teremos que esperar para ver a conclusão dessa saga?”. A expectativa era enorme, porém, tudo pareceu desabar quando Bryan Singer, o responsável por fazer dos dois filmes anteriores a franquia considerada por muitos a melhor dos super-heróis das HQs, havia pulado fora da produção para assumir a nova aventura de Superman. Brett Ratner, dos apenas corretos “A Hora do Rush 1 e 2”, “Dragão Vermelho” e “Ladrão de Diamantes”, assumiu a dura responsabilidade de tocar esse projeto grandioso mesmo ciente da desconfiança de milhões de fãs inconformados com a saída de Singer. O resultado final, bem, digamos que Ratner mais uma vez conseguiu ser bastante correto, sem muito destaque mas sem comprometer, e se mostrou um substituto razoável, apresentando um filme extremamente movimentado, recheado de cenas de ação impecáveis, mas, possui uma série de defeitos capazes de frustrar aqueles mais exigentes que esperavam um desfecho que botasse no chinelo tudo que fora visto antes na franquia.

Em “X-Men: O Confronto Final”, uma “cura” para as mutações ameaça alterar o curso da história. Pela primeira vez, os mutantes têm uma escolha: manter aquilo que os faz únicos, ainda que isso os isole e os afaste do resto da sociedade, ou desistir de seus poderes para serem aceitos por ela. Os líderes dos mutantes, com pontos de vista opostos – Charles Xavier, que prega a tolerância, e Eric Lensherr (Magneto), que acredita na sobrevivência dos mais fortes –, têm de enfrentar o maior teste de todos: começar a guerra que porá fim a todas as guerras.

Felizmente, Ratnet manteve o visual adotado por Singer nos filmes anteriores, mantendo o clima sério que a franquia tende a propor. E desde as cenas iniciais, podemos ver que a seriedade seria uma marca do novo diretor. Em uma delas, em um flashback quando os sinais de mutação começam a surgir em um menino (que não irei dizer qual personagem é por motivos óbvios) e conferimos o seu desespero em tentar omitir tal “problema” do pai, que por sua vez se mostra com um misto de decepção e vergonha ao descobrir que o filho é um mutante; uma cena até angustiante, diga-se de passagem. A questão do preconceito ao apresentar a não-aceitação dos mutantes pela sociedade é novamente abordada de uma maneira eficiente. Desta vez, os mutantes deixaram de ser uma minoria que vive refugiada, e sim, constituíram-se uma comunidade, com inclusive intervenções diretas na política.

Dentro desse contexto, a questão da tal “cura” e até o uso dela como uma arma é bastante interessante, trazendo a nós questionamentos de extrema importância. Afinal, o conformismo é um antídoto ao preconceito? É covardia desistir de sua individualidade para ser aceito e evitar perseguições? O direito pessoal de escolha é inviolável? Mais uma vez, Magneto (e também mais uma vez, Ian McKellen dá um verdadeiro show de interpretação) se mostra o personagem mais complexo da trama, e seu papel como agente modificador nessa questão da cura, no mínimo, nos faz refletir. Ele na verdade luta pelos direitos de os mutantes viverem livremente, mas, diferentemente de Xavier, adota princípios anarquistas – principalmente nesse terceiro episódio, em que sua imagem claramente se associa a de um terrorista global, com direito até a mensagem ameaçadora na TV. Pelo menos para mim, Magneto nunca foi um vilão propriamente dito, sendo a “cura” a verdadeira vilã da trama, o que o próprio Magneto reforça ao afirmar “Ninguém vai nos curar. Nós somos a cura!”. Imaginem como seria se fosse preciso uma pessoa se curar para deixar de ser homossexual, ou se alguém dissesse que os negros pudessem tomar uma pílula que iria ‘curá-los’ do fato de serem negros! Com certeza, são assuntos delicados que mexem com nosso raciocínio, mas infelizmente, no filme são mostrados de uma maneira apenas implícita e um tanto superficial, não se aprofundando em possíveis discussões – fato que nas mãos de Bryan Singer, possivelmente seria levado mais a sério. A premissa é interessante, mas o que se vê em prioridade em cena é a ação.

Tendo como base a famosa “Saga de Fênix”, em termos de fidelidade às HQs não devemos levar muito a sério, afinal, é normal mudanças serem feitas na hora de uma adaptação para o cinema. Por outro lado, certos detalhes que são simplesmente ignorados – como por exemplo, o parentesco de Fanático com o Professor Xavier – certamente ocasionará a frustração dos fãs. Mas os fãs têm vários motivos para ficarem felizes: pela primeira vez, pode ser conferida a Sala de Perigo, em uma seqüência eletrizante que apenas esquenta o espectador para o que estar por vir. Outro ponto bastante favorável é a aparição dos mutantes Morlocks – mutantes horrendos que servem para fazer figuração e apanhar para os mocinhos. Certamente, os profundos conhecedores das HQs irão se divertir bastante identificando vários dos Morlocks que aparecem em cena.

Mutantes no filme são o que não faltam. Muitos ficarão pra lá de contentes ao verem em cena personagens novos como Anjo, Fera, Fanático, Homem-Múltiplo, Calisto…além de uma participação maior de outros que tiveram poucas oportunidades no filme anterior, como é o caso de Colossus (um dos favoritos da galera) e Kitty Pride. Mas, por ironia, essa grande qualidade do longa acaba se tornando um grande defeito, visto que a maioria dos personagens tiveram que ter suas participações reduzidas, deixando aquela vaga sensação no ar. Personagens interessantíssimos, como o Anjo, têm importância mínima na trama, o mesmo podendo se dizer de outros como Ciclope, Mística e Vampira. Além deles, Colossus aparece bem mais do que em “X-Men 2”, mas, bem menos do que todos ansiavam. Dentre os novos, apenas Fera recebe um destaque digno do seu status (apesar da maquiagem um tanto artificial), quem o ator Kelsey Grammer conferiu muita competência ao transparecer toda a intelectualidade do personagem, além de ser uma atração à parte quando ele finalmente entra em combate (os fãs daquele jogo de luta dos “X-Men” certamente irão delirar). Já Fanático (vivido pelo bom ator britânico Vinnie Jones, de “Snatch”), recebe um destaque um pouco maior do que os demais vilões e sua participação é extremamente divertida.

Em meio a esse aglomerado de mutantes, a estrela continua sendo ele: Logan, vulgo Wolverine. Não importa o que aconteça, ele sempre é o centro das atenções em tudo o que se passa no filme, e dessa vez, ele se apresenta com a personalidade bem mais definida (o que para o perfil do personagem, não é um bom sinal), se assumindo de vez como um membro dos “X-Men”. Fora isso, seu tradicional humor irônico está mais refinado do que nunca, proporcionando ótimos momentos ao filme. Ah claro, não podia deixar de dizer que Hugh Jackman agora está mais parecido do que nunca com o famoso personagem dos quadrinhos, seja pelo tom de voz, e principalmente, pelo físico um tanto quanto avantajado em relação aos filmes anteriores. Ao seu lado, Halle Berry, após muita exigência, conseguiu que seu papel ganhasse bem mais destaque que nos filme anteriores, de modo que a Tempestade assume de vez sua postura de liderança entre os mutantes de Xavier. Já Famke Janssen, como Jean Grey/Fênix, bem, ela é a verdadeira protagonista do longa, sendo ela a grande força motriz de todos os acontecimentos importantes (todos mesmo!). Um belo trabalho dessa bela atriz.

O problema não se aplica nem ao excesso de personagens, e sim, a injustificável curta duração que possui (104 min); quase meia hora a menos que o filme anterior. Visto que outros blockbusters atuais contam com uma longa duração – vide “Missão Impossível 3” (126 min) e “O Código Da Vinci (153 min) –, creio que com cerca de 140 min seria possível fazer um sensacional filme de “X-Men”, de um modo que muitas das questões induzidas fossem aprofundadas, personagens melhor aproveitados e até mesmo seria possível a inclusão de personagens cortados pelo roteiro, como o caso do tão almejado Gambit, e o ótimo Noturno – esse, a melhor coisa de “X-Men 2”, e que sem dúvidas, sua exclusão da terceira parte fora a pior decisão tomada pelos roteiristas Simon Kinberg e Zak Penn. Com tantos personagens para pouco tempo, era impossível todos ganharem destaque, e para isso, o diretor demonstra uma ousadia extrema ao fazer a “limpa” no excesso de personagens. Sim, fatos trágicos acontecem com personagens importantes da saga, o que pode até ocasionar a revolta de alguns, mas de certa forma, assim o diretor conseguiu apresentar uma fuga da linha tênue dos tradicionais filmes de heróis, deixando assim sua marca na saga com singularidade.

Obviamente, não poderia deixar de comentar nesta crítica sobre as cenas de ação. Basta dizer que elas estão impecáveis e farão os fãs vibrarem na cadeira perante tamanha adrenalina, embalada por efeitos especiais sempre eficientes. Todos os personagens – mesmo que a grande maioria de maneira reduzida – tem a oportunidade de expor seus poderes, com destaque para a sensacional batalha final, que é sem dúvidas, um dos melhores momentos da trilogia. Pena que ainda assim, nenhuma cena em particular chega a atingir a emoção proporcionada pelo ataque de Noturno ao presidente, e a fuga de Magneto da prisão de plástico em “X-Men 2”.

Substituir Bryan Singer não era lá das missões mais fáceis, mas Brett Ratner soube pegar carona e conseguiu apresentar uma aventura, apesar de irregular, com adrenalina suficiente para deixar o espectador em êxtase. Pena não ter forças o suficiente para ser considerado o melhor da franquia – particularmente, ainda tenho o segundo como preferido -, mas é bom o suficiente para consolidar a ótima franquia dos “X-Men” no cinema. O final deixa um pequeno gancho para um quarto filme, o que cá entre nós, não seria uma má idéia. Ver finalmente as gigantescas Sentinelas, Gambit, Noturno novamente, quem sabe até Apocalipse…ainda existe uma esperança!

Thiago Sampaio
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