Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 04 de junho de 2006

O Código Da Vinci (2006): uma boa diversão e cheio de reviravoltas

Apesar de demasiadamente superficial, a adaptação da obra de Dan Brown “O Código Da Vinci” funciona bem como um descompromissado filme de mistério com pitadas de ação. Para os fãs do obra, a compreensão se torna bem mais fácil, por outro lado, o resultado não deixa de ser um pouco frustrante. Vale mesmo pela curiosidade.

Quando o assunto é literatura, já fazem uns três anos que a obra de Dan Brown domina o mercado. Seja em vendas ou no enorme boca a boca causado, o livro é um sucesso absoluto, reforçado pela enorme – e desnecessária – polêmica que gerou. Li o livro quando este estava no auge da novidade, e não nego que me satisfiz bastante com ele. Achei-o interessante pela sua boa narrativa e uma trama de mistério envolvente que nos deixa presos a ela; porém, de modo algum vi o tal conteúdo anarquista indagado pelos fundamentalistas radicais de plantão, que amam causar uma polêmica, que, por sua vez, só contribui para a popularidade da obra. Mas mexer com religião todos sabem que é um negócio complicado. A produção de um filme era algo inevitável, e ninguém menos que a dupla vencedora do Oscar por “Uma Mente Brilhante”, Ron Howard e Akiva Goldsman, foi a responsável para levar “O Código Da Vinci” para as telas. Obviamente, mais polêmica veio, e, adivinhem só… também veio a ansiedade do público, tanto que várias salas de projeção já estavam com os ingressos esgotados semanas antes da estréia. Conseguiram o que queriam, mesmo o filme passando longe de atingir as tão árduas expectativas.

Na história, o famoso simbologista e professor Robert Langdon (Tom Hanks) é convocado a comparecer ao Museu do Louvre uma certa noite, onde o curador foi assassinado, deixando para trás um rastro de pistas e símbolos misteriosos. Com a própria vida em jogo e a ajuda da agente Sophie Neveu (Audrey Tautou), criptógrafa da polícia, Langdon descobre uma série de mensagens atordoantes ocultas nas obras de Leonardo da Vinci, que levam a uma sociedade secreta cuja missão é proteger um segredo secular que permanece guardado há 2.000 anos. O casal se lança numa emocionante gincana pelas ruas de Paris, Londres e pela Escócia, coletando pistas, ao mesmo tempo em que tenta, desesperadamente, decifrar o código que revelará segredos que podem abalar os alicerces da civilização.

É inegável que o mercado cinematográfico abrange um público infinitamente maior do que o literário, certamente sendo essa a razão de mais polêmica em cima da adaptação. Em termos de fidelidade à obra, o filme foi razoavelmente correto: estão lá todos aqueles temas delicados, mesmo que o roteirista Akiva Goldsman tenha tentado apaziguar um pouco as insinuações, através dos diálogos de desconfianças de Robert Langdon com Leigh Teabing (Ian McKellen) e o ínfimo discurso sobre a Fé ao final da projeção. Todas as insinuações do filme/livro a respeito do Cristianismo devem ser encaradas como diversão pura e gratuita, afinal, existem muitas outras obras de estudos aprofundados – e plausíveis – que apresentam argumentos sobre um possível caso de Jesus Cristo com a “prostituta” Maria Madalena, sua não-imortalidade, sua possível procriação… etc. No cinema, digo até que “A Última Tentação de Cristo”, dirigido por Martin Scorsese em 1988, é deveras mais tendencioso e polêmico do que “O Código Da Vinci”. De fato, a Opus Dei, divisão radical da Igreja Católica, é pintada com a “vilã” da trama, mas o filme-livro só é capaz de desconstruir dogmas cristãos para àqueles que crêem nas mais diversas fantasias… pois, convenhamos, acreditar que o grande segredo omitido pelo Cristianismo se encontra em obras de Leonardo Da Vinci, é algo absurdo. E é exatamente esse absurdo que torna a trama tão interessante, pois revelar a maior farsa da história da humanidade, envolvendo num golpe só Jesus Cristo, Maria Madalena, Leonardo Da Vinci e até Sir. Isaac Newton, é um trabalho genioso feito por uma mente fértil.

Creio eu que disse tudo quando afirmei que o filme tem que ser encarado como diversão gratuita, pois nada mais é do que isso. É um entretenimento de qualidade, para quem curte tramas cheias de reviravoltas e embasamentos históricos, ainda que, nada pareça realmente inteligente e que fuja do previsível. Uma descoberta atrás da outra, perseguições, personagens comuns que parecem saber mais do que os maiores gênios da História, uma trama interessante e bem amarrada que segura bem o espectador na poltrona durante os longos 146 minutos (apesar do final bastante arrastado), e é isso! Não é exagero, mas a produção se assemelha muito com a aventura da Disney “A Lenda do Tesouro Perdido”, estrelada por Nicolas Cage, recebendo maior destaque apenas pela popularidade do livro. Cinema pipocão que certamente irá satisfazer aqueles que vão ao cinema periodicamente e não analisam minimamente cada detalhe.

O problema mora exatamente nesses detalhes que nós, críticos chatos, gostamos de analisar, e que, principalmente, os fãs da obra claramente perceberão. É bom ressaltar que a obra de Dan Brown é detalhista ao extremo, tendo sido feito um vasto apanhado de informações históricas para compor a obra e dar vida a cada ação, cada detalhe descrito. No filme de Ron Howard, muitas coisas (para ser mais exato, a história toda), soam vagas demais, parecendo os acontecimentos serem muito simples na visão daqueles que desfrutaram boa parte do tempo se deliciando com as páginas. As idéias de Brown são jogadas quase que aleatoriamente pelo roteirista Akiva Goldsman, tornando frágeis e até mais confusas do que parecem ser. Sim, inquestionavelmente, faltou dar um maior tom de seriedade à adaptação. Faltou importância, e é lamentável ver que passagens do livro que são verdadeiras aulas de história da arte são deixadas de lado para priorizar a trama policial, que, pelo menos a meu ver, é a parte menos interessante da obra. Mais absurdo ainda é reduzir totalmente a aparição do quadro “Mona Lisa” (que não só é a capa do livro, como a de um dos vários pôsteres do filme), de modo que sua importância na película pode muito bem se igualar a de qualquer outro objeto sem valor. Certamente os que não leram a obra irão sentir um certo incômodo.

Ineficiente da mesma forma é o uso excessivo de flashbacks pelos montadores Daniel Hanley e Mike Hill, de forma que são sintéticos demais para cumprir seus propósitos e apenas tomam um tempo precioso na duração. Ron Howard, por sua vez, apresenta uma direção peculiar, mantendo durante a projeção um clima sempre rápido e eletrizante, maquiando a superficialidade do roteiro. O diretor também é bem sucedido na análise dos pequenos, porém importantes detalhes, como a exaltação das letras codificadas – reaproveitando a estratégia utilizada em “Uma Mente Brilhante” – e a visualização precisa dos desenhos subliminares nas obras de Da Vinci. Exemplo disso é a cena da explicação de Teabing sobre o segredo do quadro “A Última Ceia”. Uma cena espetacular, diga-se de passagem.

O roteirista falha também na composição dos personagens, de modo que em momento algum da trama podemos ver um aprofundamento de seus lados psicológicos, e todos não passam de “bancos de dados”, responsáveis por transmitir informações importantes para o desenvolvimento da história. Até há a tentativa de mostrar o tal lado psicológico através dos flashbacks, retratando os passados de Silas (esse, sem dúvidas, o personagem mais interessante do livro e do filme), e o evento ocorrido na infância de Robert Langdon que deixou nele um trauma para o resto da vida, mas esses fatos nunca chegam a ser aproveitados de maneira construtiva na trama. Aquela sensação de vazio é predominante. Essa “robotização” dos personagens impossibilitou claramente Tom Hanks de expor sua exímia veia dramática. Sou um fã incondicional do ator, e, por isso, é triste ver o quão apático ele está nessa produção grandiosa. O mesmo acontece com a francesa Audrey Tautou, que na imensa redução do seu papel, se mostra um tanto perdida em cena. Jean Reno e Alfred Molina apresentam atuações apenas discretas e sem destaque, enquanto os melhores em cena são mesmo Ian McKellen como Sir. Legh Teabing e Paul Bettany como Silas. O veterano McKellen exprime toda sua experiência mesclando seu ar sábio com irreverência, contornando bem a maneira estratégica que Leigh é desenvolvido pela trama. Já Bettany, apesar de não se assemelhar com a descrição de Silas na obra – no livro, ele é um gigante de quase dois metros, forte, e com um ar fantasmagórico –, ele consegue dar o tom amedrontador ao complexo personagem de uma maneira mais do que eficiente.

Encarando esse lance da polêmica com naturalidade e sem maniqueísmos, o filme certamente irá agradar aqueles que buscam uma boa diversão, através de uma trama cheia de mistérios, reviravoltas e tensão. O filme vem sendo duramente criticado por críticos do mundo a fora, tendo uma má recepção do público no Festival de Cannes, onde a platéia fez foi rir nos momentos decisivos. Dificilmente, um filme se iguala em termos de qualidade à obra em que fora baseado, por isso, creio eu que “O Código Da Vinci” merece um desconto. A adaptação contém defeitos, é demasiadamente superficial, mas possui todos os ingredientes para quem procura um bom entretenimento – pena não passar disso, pois o livro com certeza é bem mais do que um entretenimento gratuito. Considere-o como um filme do naipe de “A Lenda do Tesouro Perdido”, porém um tanto melhorado, e uma aventura de “Indiana Jones” com menos ação e menos charme. Acho que dá para tirar uma idéia.

Thiago Sampaio
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