Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 13 de setembro de 2005

Amor em Jogo

“Amor em Jogo” é um filme que não acrescenta muita coisa ao gênero comédia-romântica. É repleto de clichês, mas ainda assim, é capaz de fazer o público se identificar com os personagens e consegue até transmitir lições que poderão nos fazer refletir.

Pelo visto, os irmãos Bobby e Peter Farrelly estão cada vez mais tentando se distanciar do estilo que os consagrou: o humor politicamente incorreto. Os diretores dos “memoráveis” ‘Debi & Lóide’, ‘Quem Vai Ficar com Mary?’ e ‘Eu, Eu Mesmo e Irene’, já haviam demonstrado essa mudança de estilo, ainda que em menor escala, em seu último projeto, o fraco “Ligado em Você”. Agora, a dupla radicaliza de vez dirigindo essa comédia romântica cheia de clichês do gênero, e que dificilmente será lembrada futuramente quando lembrarmos dos nomes dos diretores. Ainda assim, o filme consegue se destacar daquele padrão “água-com-açúcar”, e agrada em cheio aos fãs do gênero.

Baseado no livro “Febre de Bola”, de Nick Hornby, grande parte da obra foi modificada, começando pelo fato de o livro se tratar da paixão de um homem por um time de futebol, e não de baseball. Nada mais justo, sabendo que, do contrário do Brasil, o gosto pelo futebol nos EUA é mínimo. Por sinal, essa não é a primeira vez que uma obra de Hornby é americanizada, visto que filmes como “Alta Fidelidade” e “Um Grande Garoto” também são adaptações de livros seus. Como não li a obra de Hornby que inspirou “Amor em Jogo”, não perderei tempo comentando se as mudanças foram favoráveis ou não – ainda que, como bom brasileiro, acharia mais interessante se o foco da história fosse o futebol, visto que um filme sobre baseball para nós, às vezes, se torna algo desinteressante – mas, analisando a produção em si, posso dizer que é mais uma comédia romântica esquecível, porém (esse porém é um bom sinal, principalmente para o gênero), não só consegue divertir, como podemos tirar algumas boas lições dela. Não é muito engraçado, mas, é muito simpático. E acreditem, isso já é muita coisa.

Na história, somo apresentados a Ben (Jimmy Fallon) um fã obcecado pelo time de baseball Boston Red Sox. Devido a palestra dada aos alunos da turma para a qual dá aula, Ben conhece Lindsey Meeks (Drew Barrymore), por quem se apaixona de imediato. O relacionamento entre eles segue muito bem, até que Lindsey percebe que sempre fica em segundo plano em relação ao time que Ben tanto adora.

Antes de tudo, é bom salientar que na parte de comédia, o filme deixa a desejar. Você pode até dar algumas risadas em alguns momentos, como o que a personagem de Drew Barrymore vê o namorado na TV, ou até na cena em que ela leva uma bolada na testa. Mas, fazer rir não é o forte da produção. Certos momentos, os irmãos Farrelly até tentam manter suas raízes, apelando para piadas que são suas marcas registradas – gags envolvendo órgãos genitais ou deficientes físicos – mas nesse caso, simplesmente não funciona.

O grande mérito da produção é a grande identificação e simpatia provocada pelos personagens nos espectadores. É uma comédia de cotidiano, e estão lá presentes aquelas situações comuns na vida de qualquer casal: o primeiro encontro frustrado, o primeiro jantar com os pais…situações simples, mas que pode muito bem ter acontecido com qualquer um, e nunca deixa de ser divertido conferir aqueles micos a que somos expostos. Mas sem dúvidas, todos irão enxergar no principal foco da produção – as dificuldades de um casal em conciliar a relação com a paixão por algo de força maior, no caso, um time de baseball que não é campeão há quase um século – e se você não viveu situações semelhantes a de Ben e Lindsey, com certeza, você conhece alguém que já. O filme consegue deixar bem claro todas as vantagens e desvantagens ao trocar o grande amor de sua vida, sua alma gêmea, por outro grande amor – o time, seja ele qual esporte for. Será mesmo que vale a pena trocar a sua alma gêmea por um amor não-recíproco, visto que o time não lhe dá a mesma atenção, melhor falando, sequer sabe que você existe? Os jogadores apenas fazem o seu trabalho e ganham seu altíssimo salário no final do mês. Por outro lado, o time não briga com você, nunca falta a um encontro, não se divorcia…parece um casamento perfeito, não? Na realidade, chegamos a conclusão de que são paixões diferentes, e apenas o amor é universal. Nem sempre a melhor solução para as divergências mostradas no filme é a escolha de uma única paixão, já que uma paixão é impossível sobreviver isoladamente da outra. Esse é um fato que muitos casais teimam em não enxergar, e não vêem na simples conciliação entre esses dois tipos de paixões, a solução mais plausível.

A dupla de protagonistas está convincente em cena. O casal está em perfeita desarmonia em cena – propositalmente, óbvio – e desde o primeiro momento, percebemos que a sintonia entre eles não é das melhores, e é aí onde mora o mérito da dupla, pois é exatamente assim que o roteiro induz para ser. Drew Barrymore está bem como sempre, com aquela sua carinha de anjo (que todos sabem, de anjo mesmo ela não tem nada), transmitindo de forma competente a imagem da mulher trabalhadora e responsável, que se torna vítima da obsessão do namorado pelo time de baseball – ou seria a vítima ele, por ela não o compreender? – Já Jimmy Fallon, individualmente, às vezes irrita com sua cara de bobão, mostrando que ainda tem muito chão pela frente para se tornar um comediante nato. Ainda assim, Fallon consegue ficar bem quando está contracenando com Drew, já que a química demonstrada entre eles é muito boa, mostrando um casal que tudo para NÃO dar certo. O casal é a perfeita imagem de outros muitos espalhados pelo mundo, que assim como é mostrado no filme, até se esforçam abrindo mão de suas paixões para ceder a do parceiro, mas que no final das contas, o clima de divergência sempre acaba por prevalecer.

De fato, “Amor em Jogo” não é um filme memorável e não foge dos clichês padrões de uma comédia romântica (sim, aquele grand-finalle em que algum dos protagonistas realiza um ato de loucura para que o final feliz aconteça, está aqui também presente). Mas, é um filme simpático e talvez faça você refletir sobre seu relacionamento, e não caia na besteira de trocar sua namorada por uma partida de futebol, ou um filme, ou seja o que for. E no caso da mulher, quem sabe após o filme, também passe a ver que não vale a pena se confrontar com a pessoa amada por causa de um hobby, mesmo que este seja obsessivo. Afinal, paixões diversas existem, mas o amor é um só. Bom, a lição é bonita, mas ainda prefiro os Farrely dirigindo suas comédias politicamente incorretas.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

Compartilhe

Saiba mais sobre