Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 13 de dezembro de 2005

Beleza Americana

Beleza Americana é um filme que já começa inteligente pelo título. Não foi à toa que eu realmente me impressionei por ele. Uma junção de vários aspectos sóciopolíticos e culturais. Um roteiro sábio, sarcástico e que se utiliza das próprias cenas clichês para realçar ainda mais o tom humor (irônico) dessa brilhante história.

A crítica social em torno da superficialidade da classe média americana é a base central do roteiro. Entretanto, é apenas a base, o que torna o filme mais que interessante. A narração do próprio morto durante todo filme, leva a uma atmosfera de ironia e cinismo característico do personagem de Kevin Spacey, o enfoque principal é sua vida, sua família e o que está girando em torno dela. Como havia dito antes o título é foco para duas perspectivas. A primeira que American beauty é um tipo de rosa muito cultivada nos EUA, particularmente essa rosa não apresenta espinhos e nem possui cheiro. Ora não haveria metáfora melhor para expressar a maneira vazia e egoísta em que vive a sociedade americana. A imagem do “modo de vida americano” que é importada para os outros países como forma eficaz e feliz de se viver é quebrada e desmascarada nesse enredo intrigante. Ora isso não é nenhuma novidade para nós, mas o mérito está na maneira como foi elaborada esta idéia, de como esta foi transmitida para o público. Isso sim foi o que fez a diferença nos distintos lances de ver o “american way of life”.

Lester Burham (Kevin Spacey) é um chefe de família cansado de sua vida mentirosa. Seu emprego lhe torna o homem insatisfeito e impotente. Sua família é alheia a seus desejos e afetos. Casado com Carolyn (Annette Bening), uma mulher que não pensa em outra coisa a não ser consumir e desejar subir de posição social a cada instante da vida. A relação da mãe com a filha é a pior possível. Lester até tenta se relacionar com sua filha Jane (Tora Birch), mas tipicamente a garota é revoltada e se sente totalmente fora dos padrões de beleza exigido por “esta sociedade”. Seus vizinhos são extremamente estranhos, uma mulher deprimida que nunca fala nada e que aparenta ser uma mulher transtornada por seu marido, aliás, um homem frio, de cunho militar que não conhece outra forma de viver a não ser impondo regras a sua mulher e seu filho. O filho é um cara que não se adapta a essa maneira de viver imposta pelo pai. Interessante que ele passa a filmar tudo o que tem aoseu redor, e consequentemente, seus vizinhos.

Cada personagem do filme exemplifica muito bem nossos caricaturados viventes da terra do Tio Sam (essa expressão foi muito clichê…). A amiga de Jane, a loirinha fatal Ângela Hayes (Mena Suvari) representa o que há de mais supérfluo, vazio e atrativo (será?) no filme. A cena da garota na banheira cheia de rosas vermelhas é um colírio para qualquer um. Não simplesmente pela sexualidade e sensualidade que ela passa, mas pela chama atrativa que a vida americana exerce sobre todos aqueles que desejam arduamente fazer parte dela. Chega a hipnotizar tanta beleza. A insana Carolyn é o modelo mais típico. Consumir, consumir e consumir até se consumir. Sem se preocupar com os reais interesses da família, ela vive se alimentando da ilusão do ter e poder sempre mais. Também é uma pessoa vazia que vive simplesmente em função da aparência e da posição social, nada, além disso, faz parte dela. Lester o narrador morto, depois de viver sua vida vazia, percebe sua realidade sem sentido, resolve por um fim nesse mar de mentiras em que vivia e recomeça primeiramente por se demitir de seu trabalho, cujo deixava Lester impotente e sem motivações reais. Tanto que um emprego de atendente de lanchonete conseguiu realizá-lo muito mais que o trabalho anterior. Talvez porque ele sentiu que estava fazendo algo que realmente ele escolhera e não por imposição da sociedade. Aqui o significado não está no valor do cargo, mas em seu poder de decisão. A filha Jane é uma jovem comum, que se acha feia e gordinha por não possuir o mesmo estilo de sua amiga Ângela. Contudo, podemos perceber que Ângela por ser tão “sedutora” necessita de sua amiga feia pra se auto-afirmar a cada momento, ou seja, que na verdade Ângela é tão insegura e infeliz quanto Jane, só que ela tem que passar essa imagem de mulher sensual como tática de sobrevivência.

A grande jogada do filme se encontra nessa mistura de estilos. Os diferentes sentimentos lançados ao público são fabulosos. O filme possui um humor cínico, seco, sarcástico, eleva um suspense clichê, porém interessante e cômico, seu nível de drama transcende ao espírito sentimentalista. Chegamos a ter nojo dos personagens e ao mesmo tempo nos compadecemos dessa vida miserável de cada um. O que falar das interpretações? O ar irônico dado ao personagem de Lester, não poderia ser melhor. Parece que só Kevin possui essa tática de ser dramático e irônico ao mesmo tempo. Ele é um dos melhores atores da atualidade nesse gênero de filmes.

O roteiro expôs as loucuras da vida pós-moderna de um país cheio de ilusões e que vende essas ilusões de uma maneira sutil e ao mesmo tempo descarada para o restante do mundo. Muito explorado, bem interpretado, Beleza Americana, não é somente um filme feito para ganhar um Oscar, é especial em muitos aspectos, principalmente pela pluralidade de sensações dada ao expectador durante cada cena. É instigante, dramático, e reflexivo, mesmo que seja acompanhado do rótulo de filme comercial.

Ganhou 5 Oscar nas categorias principais: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator, Melhor Roteiro Original e Melhor Fotografia e aindaconcorreu para os premios de Melhor Atriz, Melhor trilha Sonora e Melhor Montagem. Apesar daqueles que odeiam o Oscar e acham que esse premio não mede o real valor do cinema, Beleza Americana é um filme que vai muito mais além do aspecto comercial. É um filme realmente belo, principalmente no sentido de que nos faz refletir que não somos tão livres, somos presos a uma cultura e que até mesmo os nossos desejos são fabricados e que cada dia renuciamos as nossas verdadeiras ânsias por uma imposição de um meio social.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

Compartilhe

Saiba mais sobre