Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 13 de março de 2006

Camisa de Força

Se você não ouviu falar sobre “Camisa de Força” não se acanhe, pois são assim costumeiramente tratados os filmes que abordam um tema incomum causador de reflexão.

Muitos filmes passam despercebidos pela mídia e, conseqüentemente, pelas pessoas que não buscam aquilo que não indicaram a elas. Junte isso ao fato de um filme tratar sobre um tema incomum que pode gerar repudia por parte do expectador que não aceitar a “mentira” a que está sendo submetido. Filmes como “Efeito Borboleta” e "Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”, para abordarem um assunto difícil tiveram de usar um desenrolar inimaginável e pouco aceitável. “Camisa de Força” segue essa mesma linha.

Na trama, somos apresentados a Jack Starks (Adrien Brody) como protagonista. Ele é um soldado americano que, depois de baleado na primeira guerra contra o Iraque, é liberado da função de combatente. Porém encontra-se logo em seguida com um futuro ruim o qual o leva para um hospício – nela começamos e entrar no clima que o filme vai nos propor até o fim. Nessa clínica, outros personagens vêm à tona, como Jackie (Keira Knightley, de Rei Arthur), a fria Dra. Lorenson (Jennifer Jason Leigh, de Aniversário de Casament), o taxativo Dr. Becker (Kris Kristofferson, da trilogia Blade), além de outros personagens secundários. Como cobaia do Dr. Becker, Starks é submetido a um tratamento inovador e sofrível. O Doutor coloca seus pacientes em uma gaveta de necrotério, atados a uma camisa de força, onde acabam envoltos a lembranças ruins ou boas. Entretanto, surpreendentemente, Starks consegue transformar esse tratamento desagradável em seu alento.

O que prende a pessoa a esse tipo de filme é a forma como ele é conduzido, quando ele revela seus segredos e o fato de não ser previsível. Nesses casos o diretor John Maybury conseguiu sucessor pleno nos dois últimos. No primeiro teve altos e baixos, mas que não chegaram a prejudicar a projeção como um todo. Em alguns dados momentos, antes das coisas serem desenroladas por revelações e flashbacks, é normal a angustia e vontade de parar de assisti-lo. Quando você começa a se envolver com o filme, vê o quão intrigante ele é e começa a pensar junto com as ações do protagonista.

Adrien Brody, o ganhador do Oscar de melhor ator por sua atuação em O Pianista, está verdadeiramente impecável. Não consegui ver outro ator – apesar de não me identificar com seu meio metro de nariz – em seu papel. Ele passa o feeling que o filme se propõe a transmitir. É uma angustia intrigante que, envolto a pensamentos e coisas ainda não explicadas, o expectador anda lado a lado com o protagonista. Pensando na mesma batida e surpreendendo-se da forma como deve ser para um filme prender a atenção.

Como coadjuvante Keira Knightley, faz sua parte. Nos momentos iniciais seu personagem é explicado com o alcoolismo e o vício de fumar. Nessa parte, ela não se mostra muito bem, mas quando as apresentações são deixadas de lado, vemos a boa atuação da moça que fica melhor ainda, tal como a de Adrien, devido as ótimas tomadas de câmera. A garotinha que a interpreta quando jovem também está bem. Mesmo jovem, a atriz tem um carisma que se torna fator chave para gostarmos e entendermos melhor o apego de Jack Starks por ela. Em algumas cenas, fiquei comovido pela forma como ele olha para a menina. Realmente mostrando tudo que é sentido por ela, sem mesmo precisar de uma palavra ou de uma cena a mais.

O atual 007, Daniel Craig, também participa do elenco e, diga-se de passagem, também de forma boa. Mesmo estando pouco tempo em cena com o personagem Mackenzie, desempenha função vital no entendimento da trama. Completando o cast que cabe ser analisado, está Jennifer Jason Leigh e Kris Kristofferson. A primeira não agrada em uma cena, na qual deveria transmitir a sensação de estar falando uma grande mentira e é salva pelos gestos que faz com uma caneta, mas, facialmente, de forma alguma apresenta o que de fato deveria. O segundo interpreta normalmente o Dr. Becker; bem trivial.

Além do posicionamento das câmeras, o que ajuda o expectador a verdadeiramente entrar no filme é a trilha sonora. Discreta, só é percebida se você procurar bem. Mas ela está lá e está te pondo em um mundo difícil de aceitar e fazendo você sentir a angustia do protagonista ou, em poucos momentos, sua alegria. Os pequeníssimos detalhes também não podem passar em branco a nossos olhos, pois eles fazem a diferença quando o tempo em que o personagem Starks é mudado. Datas e alguns diálogos aparentemente inúteis são essenciais para um melhor pensamento a respeito do roteiro.

Por falar nisso, o roteiro aborda um subtema bastante batido pela filosofia e psicologia. É o famoso problema mente-corpo. Por isso é uma ótima indicação que os professores acadêmicos podem fazer quando estiverem dialogando com sua sala de aula a respeito desse assunto.

Com um clima bem fechado e revelando sua proposta aos poucos, “Camisa de Força”, segue uma linha que precisa usar do inimaginável para mostrar seu tema de forma compreensível. É um filme difícil de se fazer e que desagradará aqueles que buscam ação, suspense, terror, comédia e todos esses gêneros já batidos por Hollywood. É um filme deveras intrigante. Um verdadeiro thriller do começo ao fim. Quando você se envolve, lá pelo meio do filme, é difícil a vontade de urinar te tirar da sala.

Sinta-se a vontade para não ler esse próximo parágrafo, pois ele contém informações comprometedoras a respeito das surpresas do filme.

Infelizmente, na tentativa de deixar o filme mais comercializável e aceitável por parte dos que gostam de finais alegres, erraram em seu final. Apesar de todo o clima sombrio e pensante, fizeram um desfecho bem do tipo “simplesmente aceite”. Quando, no caso, poderia ter sido mais dramático – e inadmissível para aqueles que são contra os finais infelizes.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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