Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 24 de fevereiro de 2006

Capote

Uma emocionante história baseada na realidade é o ponto forte de “Capote”. Roteiro impecável e condução arrojada tornam “Capote” um excelente filme. Sua trama deve ser assistida por todos aqueles que são atraídos por filmes que não mostram somente cenas de ação ou lutas – os famosos pastelões que agradam, mas são fáceis esquecidos.

É notável o quão crescente, ultimamente, está a quantidade de filmes (sobretudo nesse final de 2005 culminando com o início de 2006) detentores de um roteiro e desenrolar brilhantes. Eles estão chegando levemente aos cinemas. Como vêm sem muita propaganda o público não procura muito, mas quem tem acesso a tais não se arrepende com o resultado e começa a propagar sua existência. A famosa propaganda boca-a-boca começa e os elogios correm rápidos, culminando com indicações para grandes premiações pelo mundo afora, dentre elas, o almejado Oscar. “Capote” é mais um nesse grupo. Porém, não é só mais um em uma lista de filmes, pois seu cunho é realmente agradável e toda propaganda vale ser feita por ele.

Truman Capote (Philip Seymour Hoffman), conhecido e egocêntrico escritor, vê em uma notícia, comum nas páginas policiais dos jornais, a possibilidade de escrever um artigo para a revista que trabalha. A notícia trata de um brutal assassinato de uma conhecida família de Holcomb, Kansas, onde todos foram mortos de formas avassaladoras e, até então, inexplicáveis. Tendo sua amiga Nelle Harper Lee (Catherine Keener) como companheira, Truman vai até o dado local a fim de fazer seu artigo. Porém, quando lá, enxerga no fato a possibilidade de criar não só um simples artigo, pretendendo assim escrever um livro sobre tal acontecimento. Obcecado por sua idéia começa a conviver com as investigações do crime e aos poucos vai juntando peça por peça. Esse processo deu resultado em uma obra que o tornou um mártir da literatura da América. “A Sangue Frio” (nome do livro) é o pioneiro do “romance não-ficção”, expressão criada pelo próprio Truman Capote.

Vejamos que a sinopse não é lá tão simples, pois é muito difícil a criação de recortes que ilustrem todos esses acontecimentos de forma coesa e satisfatória. Incrivelmente, além de fazer isso, o roteiro demonstra tudo de forma límpida e simples. Por mais que todos os fatos não tenham sido mostrados o todo fica altamente claro. Não restam dúvidas quanto a perfeição do filme nesse aspecto. Mas, como o roteiro é lento e ao mesmo tempo denso, os expectadores que não se envolveram com o filme desde os minutos inicias podem acabar ficando meio sonolentos. Por isso, nada de questionar o filme se você não se sentiu atraído pelo mesmo quando leu alguma sinopse ou ouviu algum comentário.

O que torna o filme mais calmo ainda é a trilha sonora. A condução eu já disse que está perfeita e a trilha sonora é parte fundamental de seu sucesso. Não digo a trilha sonora pela qualidade das canções, mas sim pela sua colocação. Em certas horas não ouvíamos nada além do som ambiente, mas quando a cena ia se desenrolando ela aparecia de forma sorrateira. Tocante na maioria dos momentos, em certas vezes ela mal era percebida pela inquestionável beleza da fotografia. Por falar na fotografia, esse foi outro quesito muito bom. Os posicionamentos das câmeras, as tomadas mudando constantemente para apresentar um novo cenário e a ousadia de algumas delas, tornaram a fotografia peça fundamental para o envolvimento do expectador na trama e no sentimento do filme. Com certeza o diretor Bennett Miller foi dormir tranqüilo depois de ter terminado seu trabalho e de o ter assistido na íntegra, pois seu esforço foi plenamente atendido. Não é a toa a sua indicação para Melhor Diretor na premiação do Oscar. Sem falar da indicação de “Capote” ao patamar de Melhor Filme.

A dupla de atores formada por Catherine Keener e Philip Seymour Hoffman é um verdadeiro deleite. Eles dão um banho de interpretação, sobretudo Philip, que faz Truman Capote e com certeza absoluta deve ter tido um grande trabalho de pré-produção para chegar ao nível que chegou de semelhança para com o verdadeiro Truman Capote. O baile de atuações não para por aí, pois passivamente – porém não menos brilhantes – Clifton Collins Jr., como Perry Smith e Chris Cooper (ator que eu admiro bastante por sua leveza na elaboração dos personagens), como Alvin Dewey; dão uma assistência importante no sucesso dos atores principais.

É importante observar o quanto a personalidade de Truman Capote foi explorada por Philip Seymour. Nem o cigarro estava ali a toa, pois ele foi usado para demonstrar Capote de forma calma, outrora preocupado e cansado. Nas conversas em que o escritor participava é notável como ele sempre era o centro das atenções pela sua forma de contar histórias. Ele dava um grande grau de realidade que vinha misturada ao que o povo gosta de escutar, ou seja, o diferente, o inovador, o inusitado.

Pelo visto todas as vertentes do filme foram bem elaboradas, o que o torna um grandioso filme, merecedor de premiações e uma avalanche de elogios. De perfeita elaboração técnica, notáveis atuações e um roteiro para lá de brilhante, “Capote”, é o tipo de filme que demora a ser esquecido e perpetua por bastante tempo na mente dos que o assistiram.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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