Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 28 de março de 2005

Constantine

"E se eu lhe dissesse que Deus e o diabo fizeram uma aposta, uma aposta pelas almas de toda a humanidade?”. O filme é uma super adaptação dos quadrinhos. É uma super produção mesmo. Mas infelizmente trouxeram o Neo de Matrix para o papel principal. Constantrix?

Não é brincadeira a dificuldade que existe em manter fidelidade de uma adaptação. Principalmente em fazer a transição das páginas da série de quadrinhos Hellblazer, da DC Comics/Vertigo para a tela grande. O público cobra demais. Não aceita erros. Ele quer fidelidade. Ao ler o quadrinho, é natural imaginar como ficariam estes personagens nas telonas. Isso aconteceu de forma exagerada com a adaptação de "O Senhor dos Anéis", em que você imagina perfeitamente cada personagem dos livros nas telonas. Isso é fidelidade.

Nascido com um dom que não desejou – a capacidade de reconhecer claramente os anjos e os demônios híbridos que andam pela Terra, com aparência humana –, Constantine (Keanu Reeves) tirou a própria vida para escapar do tormento de suas visões. Mas fracassou. Ressuscitou contra sua vontade e viu-se de volta ao mundo dos vivos. Agora, marcado como um suicida com um curto período de vida, ele protege a fronteira terrestre entre o Céu e o Inferno, com a vã esperança de conquistar sua salvação enviando os soldados do demônio de volta para as profundezas. Mas Constantine não é santo. Desiludido com o mundo à sua volta e com o do além, ele é um herói amargo; bebe muito, tem uma vida difícil e despreza qualquer idéia de heroísmo. Constantine lutará para salvar sua alma, porém não deseja admiração ou agradecimento – e muito menos piedade.

Tudo o que ele quer é se salvar. Quando a cética policial Angela Dodson (Rachael Weisz) pede ajuda a Constantine para solucionar a misteriosa morte de sua irmã gêmea (também interpretada por Weisz), a investigação leva-os para o mundo de demônios e anjos que existe sob Los Angeles. Vendo-se em meio a uma série de acontecimentos sobrenaturais catastróficos, os dois acabam se envolvendo e buscam a própria paz a todo custo.

A produtora Lauren Shuler Donner conseguiu trazer a fidelidade ao filme. Ela, já conhecida por ótimos filmes como "X-Men — O Filme" e sua seqüência "X-Men 2", "Free Willy", "Um Domingo Qualquer", se concentrou em desenvolver um roteiro decente para "Constantine", com o roteirista Kevin Brodbin ("Mindhunters") e Frank Cappello. Essa salada mista fez com que o filme tivesse um excelente roteiro, e o mais importante, que ele ficasse bastante original. Vale dizer que algumas coisas foram alteradas, como, por exemplo, Constantine vive em Liverpool, na Inglaterra. No filme o personagem vive na Califórnia, nos Estados Unidos. Algumas coisas desse gênero acontecem em demasia no filme. E a questão do personagem dos quadrinhos ser loiro? E inglês? São detalhes.

O diretor estreante Francis Lawrence, que sempre fez sucesso por videoclipes da indústria musical, soube reconhecer os elementos primordiais da história e avaliar seu impacto. Imagino a dificuldade que deve ter sido fazer os cenários e criar um mundo para o filme. O mundo de John Constantine é um lugar escuro e melancólico. Visualmente, é a própria definição clássica de um filme noir, com as cenas urbanas noturnas, sombras profundas, cacos de lâmpadas no asfalto molhado e fumaça em volta; tudo registrado por ângulos oblíquos e iluminação expressionista. As cenas do inferno são perfeitas, muito bem boladas! Sem falar das ótimas tomadas de câmera e uma música excelente. Agora essa tal de luta contra o tabagismo foi o “óh do borogodó”. Tava parecendo a transmissão da Fórmula 1. Toda hora acontece uma piadinha no filme sobre o males do cigarro. Podia ter feito, mas sem exageros.

O que me incomodou bastante foi o fato de Keanu Reeves não ter se desprendido ainda do papel de Neo da trilogia "Matrix". O visual está idêntico. Os personagens se assemelham muito. Por isso dizem que o filme é "Constantrix". John Constantine, nos quadrinhos é loiro. Não custava nada pintar os cabelos de Keanu para pelo menos diferenciar. Eu ainda acho que um outro ator cairia bem no papel. Talvez, Brad Pitt, que tem um visual parecido com o do Constantine, caísse melhor no papel. Enfim, não vale a pena lamentar por algo já feito, mas fica o registro. Rachael Weisz trabalha de forma competente, apesar de um pouco apagada em algumas cenas. É muito importante dizer que a história dos personagens ajuda muito na formação dos papéis. Os atores ficam em segundo plano.

O filme deve agradar a todos os fãs dos quadrinhos e também quem nunca ouviu falar de Constantine. Talvez, após o filme, você queria conhecer mais sobre o personagem e pode ir comprar umas revistas. Quem sabe você, que fuma, não deixa de fumar após o filme hein? Afinal, tem muita gente que fuma 30 cigarros por dia, como Constantine. Se não se toca que essa porra faz mal, então vá se lascar.

Jurandir Filho
@jurandirfilho

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