Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 26 de agosto de 2005

Contatos Imediatos de Terceiro Grau

Creio que um dos maiores feitos do filme é justamente esse: ele traz para a nossa vida toda a magia que o cinema pode transmitir. Sem dúvida, um espetáculo visual como nunca se viu, e um filme que jamais será esquecido.

Falar de um filme querido não é fácil. É, para mim, como falar de um ente próximo, de um amigo íntimo. E, para tanto, é necessário achar as palavras certas. Pensei e relutei, acabei criando coragem e escrevendo sobre "Contatos…", um dos filmes de maior expressão do cineasta Steven Spielberg, na época em seu início de carreira. Àquela época, o diretor começava a construir a sua reputação de grande mestre na arte de contar histórias. Logo após o lançamento deste filme que comento agora, uma série de clássicos saíram de suas mãos: "ET" (1981), trilogia "Indiana Jones" (1982, 1985 e 1989), "Jurassic Park" (1993), "A Lista de Schindler" (1993). E antes, já havia feito um dos maiores sucessos de bilheteria de 1975, "Tubarão", que teve quatro indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme. Mas ainda faltava a indicação a Diretor, e ela veio junto com mais sete indicações para "Contatos…"

Tudo acontece quando uma série de fenômenos estranhos passa a acontecer nos Estados Unidos. Várias cidades do interior do país afirmam ter visto luzes luminosas no céu, objetos estranhos voando, acompanhados de uma estranhíssima melodia de 5 notas. Ao mesmo tempo, mostra a trajetória de Roy Neary (Richard Dreyfuss), um trabalhador comum dos EUA que vive com sua familia, sossegadamente. Até que um dia, ele tem um contato imediato de primeiro grau com as naves (Em tempo: Contato Imediato de Primeiro Grau é quando se avista os discos voadores). Na mesma noite, Jillian Guiler (Mellinda Dillon), acorda de madrugada e nota que seu filho, Barry (Cary Guffey) não está. Ao sair atrás dele, em uma estrada, Roy e Jillian se encontram quando ele quase atropela o menino, e ambos tem um contato direto com objetos voadores. A partir daí suas vidas mudam drasticamente, em acontecimentos que envolvem Barry, Roy, Jillian, a melodia de 5 notas e o Governo.

Enquanto isso, Claude Lacombe (François Truffaut, diretor francês da Nouvelle Vague), renomado cientista francês encarregado de ajudar o Governo nas investigações dos fenômenos – que incluem o achado de vários aviões desaparecidos na Segunda Guerra, em excelente estado e o navio Cotopaxi em pleno deserto – chega aos EUA e é recebido por um tradutor (Bob Balaban), e juntos eles irão seguir os rastros dos ET's, e acreditam que a melodia, de cinco notas, seja uma pista. Nisso, Roy e Jillian finalmente tem uma elucidação da busca que enfrentam juntos (a de entender a situação): descobrem que a resposta está na Torre do Diabo (Devil's Tower), em Wyoming. Numa operação que envolve todo o exército norte-americano, cientistas, e mais o casal Roy e Jillian, os extraterrestres finalmente farão seu contato imediato de terceiro grau (quando se tem contato explícito com os seres).

Na época em que o filme foi rodado, estava viva mais do que nunca a vontade do povo de se comunicar com seres de outros planetas. Spielberg, que havia saído do grande sucesso que foi seu filme "Tubarão", escreveu e dirigiu o filme que catalizou todo o sentimento de aventura extra-planetária, criando assim um dos maiores sucessos de bilheteria de todos os tempos, e por muitos anos o maior sucesso da Columbia Pictures, que foi salva da falência graças a "Contatos…" Hoje, a história pode parecer meio boba, infantil até. Mas essa inocência, transmitida na pele do personagem de Dreyfuss, é o ponto alto de todo o filme. E o roteiro foi baseado em pesquisas verdadeiras, sendo que a produção pediu ajuda a especialistas para criar com realismo todas as cenas. Talvez por isso, a obra tenha se tornado uma das melhores ficções científicas já produzidas, sendo considerado um dos 100 melhores filmes já feitos.

Outro grande ponto que valem ser ressaltados é a trilha sonora de John Williams, que é simplesmente genial, já que a música se transforma em um personagem da história, e por criar a melodia que não sai da cabeça, e é facilmente "assobiável". Williams foi premiadíssimo pelas músicas feitas para este filme, ganhando o Grammy de Melhor Album Feito para um Filme. Também, pudera. A seqüencia do diálogo entre a nave e os terráqueos através das cinco notas é emocionante, inovadora e perfeita. Qualquer pessoa que assista ao filme se impressiona com toda a cena, que parece mais um "duelo de conversação musical" entre eles.

Creio que as novas gerações, mesmo com toda a tecnologia que temos hoje, deveria ver esse filme. Pois ele apresenta uma visão pura do que pode haver fora de nosso planeta, sem as sagas de destruição de "Independence Day" (1995) e em "Guerra dos Mundos" (2005), do mesmo Spielberg, cujos personagens principais (os ET's) são hostís. Em "Contatos…" houve a primeira manifestação de que eles podem ser amigáveis. Nada de guerras, nem de pessoas correndo de uma ameaça. O filme apresenta os seres do espaço como amigos.

As atuações no longa estão, no mínimo, surpreendentes. Dreyfuss merecia uma indicação pelo forte papel executado com maestria, mas a Academia o indicou (e o premiou) por outro filme, no mesmo ano: “A Garota do Adeus”. François Truffaut está ótimo como coadjuvante em sua primeira (e última) participação com ator nos Estados Unidos. Passa bem a alma inocente e infantil do cientista Lacombe. Cary Guffey (o menininho Barry), Bob Balaban (o tradutor) e todo o resto do elenco está também em um trabalho bem afinado.

Tanta imaginação rendeu ao jovem cineasta sua primeira indicação ao Oscar em Direção, e mais sete para o filme: Atriz Coadjuvante (Mellinda Dillon), Direção de Arte, Fotografia, Edição, Música, Som, Efeitos Visuais. Venceu em Fotografia (maravilhosamente trabalhada por Vilmos Zsigmond) e um prêmio especial pelos Efeitos Sonoros. Só não recebeu mais porque era o ano do "Star Wars", de George Lucas, o grande "arrasa-quarteirões" do ano.

Enfim, como lí em algum lugar que não me lembro onde, "Contatos Imediatos…" é uma sinfonia de imagens criada por Spielberg. As notas que caracterizam o filme (Ré Mi Dó Dó Sol) entraram para a História do Cinema como ícones de uma obra de mestre. Nota-se a genialidade do diretor em uma cena rodada na Índia, onde uma multidão levanta as mãos, e todos indicam o céu. Absolutamente um toque de gênio. Pena que o mesmo recentemente tenha dito: "Olho para trás e vejo minha ingenuidade, meu otimismo exagerado". Pois é. Hoje somos obrigados a aguentar o pessimismo, que uma obra como a mais recente incursão fora do mundo do diretor nos traz. Creio que um dos maiores feitos do filme é justamente esse: ele traz para a nossa vida toda a magia que o cinema pode transmitir. Sem dúvida, um espetáculo visual como nunca se viu, e um filme que jamais será esquecido.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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