Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 11 de dezembro de 2005

Crônicas de Nárnia: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa

Um filme que tem algumas obrigações. Dentre elas, se uma fosse atingida, já seria de bom alcance. A primeira seria superar “O Senhor dos Anéis”, que segue uma linha de escrita parecida (inclusive, C.S. Lewis – escritor da obra – era amigo íntimo de J.R.R. Tolkien, o criador da Saga do Anel), uma mais financeira seria tirar a Disney da fossa, mediante seus últimos fracassos ou, simplesmente, abrir bem uma saga que receberá mais alguns outros filmes. Agora, se ele conseguiu algum. Bem... é só ler.

A Disney, aos poucos, vai cavando a terra que está abaixo de seus pés por conta dos fracassos que vem cometendo no mundo cinematográfico. O último, além de aumentar os centímetros do poço em que se mete a empresa, deixa muita gente triste. Estou falando do rompimento dela com a empresa de animação Pixar. Juntos foram responsáveis por clássicos como “Toy Story” e “Procurando Nemo”, por exemplo. Sozinha, a Disney não passou de um filme mediano à medíocre que foi o “Galinho Chicken Little”. A Pixar, além de refinar a computação gráfica, ainda refina um pouco o roteiro, deixando coisas melosas ao extremo um tanto de lado. Então, já que os ventos Disneyanos agora são solitários, cabe a ela procurar algo que traga, de verdade, dinheiro. O escolhido foi reviver a magnânima obra do autor de uma média de 40 livros e amigo íntimo do autor de O Senhor dos Anéis (J.R.R Tolkien). Ele se chama C.S. Lewis e sua obra é conhecida mundialmente (aqui no Brasil ainda nem tanto) como “As Crônicas de Nárnia”.

“As Crônicas de Nárnia” é um apanhado de sete livros. O segundo dessa leva tem como subtítulo: “O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa”. Ele foi o primeiro a ser escolhido para a adaptação, haja vista que foi o pioneiro a ser escrito por C.S. Lewis e que verdadeiramente trás uma estória melhor adaptável tanto de forma rendosa quanto prazerosa. Isso deixa tudo muito claro de que o filme tem tudo para arrebentar e atingir algumas expectativas que giram em torno do mesmo, dentre uma delas, salvar a reputação da Disney. Todavia, o tiro mais uma vez foi errôneo.

Antes de começar a analisar de fato, vamos entrar um pouco no mundo de Nárnia. Em meio a bombardeios da Segunda Guerra Mundial, a mãe dos garotos Peter, Susan, Lucy e Edmund, vê-se obrigada a mandar seus filhos para o cuidado de uma família que não esteja sob a interferência de guerra em suas terras. E assim, os quatro vão para uma imensa casa, enquanto a guerra não tem seu fim. Lá, a mais nova, Lucy, ao brincar com seus irmãos, encontra um guarda-roupa e ao entrar nele, acaba entrando em um mundo mágico, porém, com tantos problemas quanto o real. Esse é o mundo de Nárnia. Onde criaturas metade homem metade cavalo, andam ao léu, lobos falam e humanos não são os mais bem-vindos. Nele, uma Feiticeira se intitula Rainha e leva desgraça aos povos sob seu domínio. Até que alguém chegue para mudar a história.

Porém, esse mundo fantástico já começa a trazer as primeiras críticas negativas do filme. Não pelo fato dele em si, mas como foi mostrado. Perdeu a magnitude que haveria de ter, pois não primou tanto o realismo como já vimos em Harry Potter e O Senhor dos Anéis. Tudo bem que as tomadas fechadas ficaram boas, pois demonstrava a neve, as árvores, enfim… um cenário bem produzido. Entretanto, quando a câmera abre e vemos o personagem em perspectiva com a paisagem de fundo, vem à tona o danado do fundo verde (técnica de filmar com um fundo verde e depois colocar o que de fato veremos no cinema). Essa mania de filmar bastante tempo dessa maneira acabou tirando, de cara, as impressões que o ambiente deveria ter trazido, ficando isso a cargo da imaginação de quem já leu o livro.

O que poderia tirar nossa atenção desse problema, seria a interpretação do quarteto de protagonistas, os garotos. Os mirins têm tarefas que trazem grandes responsabilidades. Alguns são submetidos a minutos sozinhos em cena, o que busca a interpretação em si. Outrora são encarregados das lutas, que para um sucesso, deviriam de terem um bom treinamento e, lógico, habilidade nata dos atores. Infelizmente, quando um agrada em um campo, o outro desagrada em outro. A única que deixa os olhos totalmente límpidos quanto ao seu papel não passa de um metro e meio de altura. Ela é a mais novinha, Lucy (Georgie Henley). A pequena garotinha, mesmo que ainda de forma limitada, dá um banho nos outros três. Skandar Keynes (Edmund), simplesmente se perde nos dois gumes, tanto quando sozinho em cena e nas lutas. Peter (William Moseley), prefiro nem comentar sua performance a não ser quando nas batalhas. A atriz que chega a lembrar Liv Tyler quando menor, Anna Popplewell (Susan), bem, ela só chega a lembrar, pois além de receber mal sua personagem, ela não faz mais nada de bom e convincente. Muito mal mesmo!

Em papel secundário, analiso Tilda Swinton (Feiticeira Branca). Ela, pela sua badalada escolha (antes, Nicole Kidman estava cotada), poderia ter surpreendido. Porém, surpreendeu como uma péssima escolha. Com uma fraca interpretação, não demonstra imponência a um personagem visivelmente imponente somente pela descrição em si.

Outra coisa chata observável foi quanto a legenda. Isso mesmo, a legenda! De antemão, não é culpa da produção. Foi o seguinte: observávamos antes do filme os seguintes nomes: Peter, Edmund, Susan e Lucy. Na tradução eles apareceram como Pedro, Edmundo, Susana e Lúcia. Pode até ser a real tradução deles, mas como não se tratam de personagens brasileiros, eles teriam com certeza de levar o nome real. De quem foi essa idéia tola? Expliquem-me, por favor.

Felizmente, nem tudo são só desgraças. Antes do filme eu procurei sempre falar do leão computadorizado, Aslam. Ele está impecável, fruto de um longo e árduo trabalho da equipe. Mas além dele em si, o que me chamou atenção foi sua dublagem em inglês. Para quem viu o filme legendado, deve ter reparado a imponência (aquela que a Feiticeira Branca deveria ter) que a voz de Liam Neeson (o Qui-Gon Jin de “Star Wars – Episódio I”) trouxe ao personagem. Eu fiquei boquiaberto em algumas falas do grandioso Leão. Diferentemente dos lobos que, mesmo com uma animação bem feita, têm uma voz galante, beirando a chateação. Já a Sra. e o Sr. Castor, que tem voz de Dawn French e Ray Winstone respectivamente, são bem dublados e ainda trazem boas risadas.

Tal como alguns personagens secundários (diga-se de passagem, os personagens de computação gráfica e não aqueles de carne e osso mesmo), a trilha sonora do filme também se sobressai – algo que era de se esperar, pois sempre nessas adaptações a trilha chama atenção, aqui, ela não poderia ter sido diferente.

O que deixa o filme um pouco pobre é sua comparação a Senhor dos Anéis, que eu tentei evitar, mas vou ter de fazê-la nesse parágrafo. Ao contrário do seu amigo Tolkien, o autor C.S. Lewis, não trabalha muitos bem os personagens. Muito menos, as raças do seu mundo, no caso, o de Nárnia. Já Tolkien, por sua vez, faz um mundo completamente bem explorado e personagens muito, mas muito bem trabalhados. Para questão de adaptação, isso é uma boa, pois podem ser gastos minutos e minutos só demonstrando as habilidades desses personagens – Legolas e Gandalf se deram bem nisso. Por outro lado, a adaptação do Crônicas de Nárnia se mostrou superior no tocante à fidelidade do contexto; da estória em si. O diretor e também roteirista do filme, Andrew Adamson (responsável por “Shrek”), reviveu fielmente o que o livro nos trouxe – eu já li algumas páginas do mesmo e vi isso claramente. Já Peter Jackson (diretor de “O Senhor dos Anéis”), mexeu deveras na obra, a fim de trazer mais veemência para o filme, chegando até a excluir alguns personagens e deixar em plano principal aqueles que realmente empolgam. Para os fãs da leitura de “As Crônicas de Nárnia”, essa fidelidade foi prazerosa, mas para os desinformados sobre o livro e que nem irão atrás dele, poderá ser um contra a mais.

Com um mundo de fantasia maravilhoso, “As Crônicas de Nárnia” é um prato cheio para produtores, diretores e empresas crescerem os olhos no famoso papel colorido com números impressos (sim, o dinheiro), todavia, acabou nem sendo muito aprazível para o público que não havia lido os livros do Lewis antes. Aí surge o questionamento: será que o filme foi feito propriamente para os leitores ou foi uma simples abertura para o que há de vir futuramente, já que a saga tem mais seis livros? Nos resta esperar, mas você que está de férias, com tempo, alugue ou compre o livro, esse sim merece sua atenção.

Amanda Pontes
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