Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 07 de março de 2006

Donnie Darko

Não importem o que falem, Donnie Darko é um filme estranho, esquisito e doentio. E isso é um elogio.

Donnie Darko é um filme confuso até o final meio sem sentido, o que acaba por ser explicado na conclusão, que por essa vez torna coisas aparentemente explicadas e confusas. Por isso foi necessária uma revisão para realmente compreender a proposta do diretor e roteirista Richard Kelly. Difícil e obscuro, foi uma das grandes surpresas que tive, e apesar de muitas críticas positivas e antes estar extremamente ansioso para ver o filme, não sabia que seria tão bom. É sim um grande filme. Eu o classificaria por gênero se tivesse um, e não quero bater na mesma tecla que todo mundo fala.É verdade, Donnie Darko é uma comédia de humor negro/suspense/drama psicológico, e porque não, um romance também? Ele se encaixa perfeitamente em todas essas categorias, e é isso provavelmente que torne o filme tão bom. Meio fantasioso, meio real, é um filme que aborda temas ao extremo desde de viagens ao tempo e gurus à psicoterapia e chantagem, vandalismo e romance, velhice e alucinações. Portanto, é um filme que fala um pouco de cada coisa.

Surpreendi-me com Richard Kelly e muito. Não esperava de um filme independente e de um “desconhecido”, um diretor tão bom. E mesmo com o filme virando um cult-movie logo no lançamento, não é algo que queira dizer muito. Mas Kelly mostra o contrário, que é um diretor eficiente e que suas idéias por mais complexas e “mirabolantes” que sejam, são ótimas. Ele se utiliza bem dos efeitos especiais (que não são o atrativo do filme) para compor as idéias apresentadas durante o longa.

Fantásticamente, Kelly consegue arrancar todo tipo de expressão do espectador, desde um suspiro a um grunhido de raiva, e é isso que o torna tão bom. E mesmo sendo um diretor independente, ele mostra ser muito mais capaz do que diretores de renome. Sua condução de câmera é fiel aos padrões do filme, distante e se utilizando dos ângulos e não dos focos nas personagens, pois todos são seres “anormais” e sua analise psicológica fica por conta da psicóloga de Donnie. É o meio encontrado por Richard Kelly para deduzir uma conclusão e mostrar os pensamentos e desilusões de Donnie.

Donnie Darko (Jake Gyllenhaal) é um garoto esquisito que sofre de sonambulismo. Em uma noite durante um chamado de um coelho gigante e de aparência assustadora chamado Frank (que depois é emendado pelo sonambulismo) ele sai de casa e enquanto isso uma turbina de avião cai em cima de seu quarto e o mataria se ainda estivesse ali. Frank o tirou da cama para lhe dizer duas coisas: 1) Que Donnie deveria obedecer e fazer tudo que lhe era mandado. 2) o mundo iria acabar em 28 dias, 6 horas, 42 minutos e 12 segundos (sei que o número é grande, só que é impossível não decorar devido a bizarrice e o terror da cena). A partir daí, o sonho e ilusão com seu “amigo imaginário” seria constante, sempre o mandando vandalizar tudo, Frank passa a controlar o sono do garoto.

O filme ainda tem uma personagem super importante, razão da conclusão e o fator que torna o filme marcante e tão surpreendente, além de ser tão maravilhoso. É a da Gretchen Ross (Jena Malone), a namorada de Donnie. Outra personagem interessante é a de Cherita Chen (Jolene Purdy), a garota gorda e chinesa que sofre todo tipo de preconceito.

É um filme que deve ser visto por inteiro sem interrupções e com o máximo de atenção, mas eis umas cenas que gostaria de destacar: o primeiro encontro entre Donnie e Frank, Donnie fazendo perguntas ao guru (Patrick Swayze), a cena do cinema, o segundo encontro com a terapeuta e as duas seqüências finais.

Outra surpresa foi o jovem Jake Gyllenhaal. Que cara talentoso! Se encaixa perfeitamente no esquisitão Donnie. Vai ver porque ele é um pouco esquisito. Obscuro, fechado e estranho, é assim que Donnie Darko é, e é assim que Jake faz, tornando-o tão digno do papel, impossível imaginar alguém melhor para o papel. Eis um ator muito bom, que tem de tudo para se tornar um grande astro. Talentoso, criativo e o melhor ator do filme, sempre roubando a cena, e se mostrando mais capaz que muito ator por aí, que faz blockbuster e é considerado o ator da nova geração, provavelmente devido ao fato de Jake jamais poder se encaixar num herói de blockbuster. Imaginem-o como Bruce Banner em “Hulk” ou ele no lugar de Ben Afleck em “Pearl Harbor”, não há como. Jake é bom demais para encarar personagens certinhos demais.

Outra coisa que quero falar é da decadência de Swayze. Pensar que astro de filmes super prestigiados pelo público, um ator famoso, em seu auge doze anos atrás está renegado a um papel de coadjuvante secundário em um filme independente, chega a ser deprimente. Sei que ele não tem talento algum, mas para quem fez “Dirty Dancing – Ritmo Quente” e “Ghost – Do Outro Lado da Vida” e encantou o mundo com sua dança sensual e sua paixão de “outro mundo” é um ultraje saber que sua carreira acabou. Vamos analisar sua personagem no filme: bom, vejamos, ela não tem importância nenhuma para o desenrolar da história, só serve para ser mais uma vítima do problemático Donnie Darko. Só isso. Ele está completamente canastrão e malfadado se continuar assim. Ele é um guru fundamentalista que prega que a vida é dividida em duas linhas, a do medo e a do amor, e tudo que faz é para vender livros, além de ter um grande segredo.

Drew Barrymore também não tem muita importância (mas tem alguma), mas no caso dela é entendível, pois ela é a produtora do filme com a sua Flower Films. E nesse caso ela está apenas preenchendo uma vaga e chamando a atenção dos espectadores já que é famosa, servindo de boa publicidade. É um caso aceitável.

O resto elenco está muito bem, principalmente Jena Malone e Jolene Purdy, assim como os cinco atores que fazem Frank. Convincentes e talentosos, que ajudam a tornar a história no que ela é.

A trilha sonora é um caso a parte. Excelente. Não sei dizer se é devido ao filme que a torna tão interessante, pois infelizmente no Brasil não existe para venda. É uma pena, pois gostaria de adquirir, é sem dúvida uma grande contribuição para o filme, ajuda no tom “dark” com composições como “Cellar Door”, e com a fraca canção do Tears For Fears (quem gravou originalmente), que foi transformada espetacularmente por Gary Jules, sendo umas das melhores que já escutei (assim como a cena do filme em que a toca, é a melhor), ela chama-se “Mad World”.

A fotografia escura e a cenografia ambientam bem os sentimentos das personagens, ajuda a compor a história e dá um toque especial. Além do ótimo figurino de Frank, adoraria saber se há como adquirir a máscara dele. É realmente apavorante. Tecnicamente o filme é muito bom, os efeitos especiais apesar de não serem nada grandiosos, são perfeitos.

O filme infelizmente foi ignorado pelos grandes institutos de cinema como o Oscar e Globo de Ouro, mas felizmente teve três indicações ao Independent Spirit Awards (Melhor Filme de Estréia, Melhor Roteiro de Estréia e Melhor Ator). È um excelente filme, que vale a pena ser conferido. Um filme que mostra que ainda há filmes de pequeno orçamento (4,5 milhões de dólares) que são magníficos. Espetacular, com um grande roteiro e ótimas atuações. Drew Barrymore fez um grande favor ao mundo em patrocinar o filme. Excelente!

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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